A relação dos poderes Executivo (comandado por Jair Bolsonaro) e do Legislativo (da Câmara e do Senado) sempre foi limitada nos últimos três anos – com poucas reformas e menos projetos de lei significativos que a expectativa criada em 2018. Para 2022, um ano onde as discussões eleitorais começaram antes da hora, as previsões indicam que o ano no Congresso Nacional será mais suave, com menor espaço para emoções e aprovação de grandes propostas.
“Olhando para as chances de 2022, é que continuemos, para usar a expressão popular, ‘cozinhando o galo'”, ponderou Ricardo de João Braga, economista e analista do Congresso em Foco Análise. “O Legislativo vai continuar cuidando dos seus interesses paroquiais, principalmente preocupados com sua sobrevivência política”. Isso passa por fatores como alinhamento a candidatos competitivos ao governo do estado e à presidência, assim como a capacidade de envio de verbas aos seus redutos eleitorais.
Com isso, Ricardo acredita que o foco deverá ser ‘extremo’ nas eleições. “O que é um bocado triste, porque estamos enfronhados em uma série de crises, e não vamos assistir soluções a elas até o final desta legislatura”, lamentou.
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Reformas: sem ímpeto, mas possível em 2023
Usando pesquisas produzidas com exclusividade do Congresso em Foco Análise, com dados do Painel do Poder, e do Deep Listening, capazes de antecipar o pulso do Congresso Nacional, o analista André Sathler também indica que o início do Legislativo deve ser lento nestes primeiros meses. No contexto de desaceleração natural que deputados e senadores entram no ano eleitoral, o analista acredita que este será mesmo um ano sem muitas surpresas no horizonte legislativo.
E isso impacta diretamente as reformas esperadas para o atual governo. “O Painel do Poder identificou que, pelo perfil desta atual legislatura, havia uma janela de oportunidade para aprovação de eventual reforma”, recordou. “Mas não agora no último ano, em ano eleitoral, quando ela perdeu o ímpeto”. A pesquisa indicou que o tema está na mídia e na percepção pública, o que pode catapultar a aprovação de uma dessas propostas no futuro – tal como a Reforma da Previdência, que foi gestada durante o governo Temer mas só aprovada no primeiro ano de Bolsonaro.
A expectativa de que a próxima legislatura, que toma posse em fevereiro ano ano que vem, deva sim levar alguma dessas mudanças estruturantes para frente. Pré-candidatos ao Planalto já fala abertamente em promover a reforma tributária, considerada a favorita para decolar. “Eu diria que ano que vem, 2023, ela pode acontecer, e de forma surpreendentemente rápida. Mas é esperar para ver”, disse André.
“A reforma tributária já conquistou a cabeça de muitas pessoas responsáveis, no sentido de demonstrar sua necessidade urgente”, complementou Ricardo. A postura pouco atuante do governo de Jair Bolsonaro para as reformas torna, para o analista, inviável que ela e similares ocorram ainda este ano. “Precisaria de um poder Executivo muito engajado para que o Senado venha a realizar estas reformas.”
Privatizações: quem é o culpado?
O esforço privatizador do ministro da Economia Paulo Guedes rendeu poucos frutos durante seu mandato até aqui. Propostas consideradas essenciais pela sua equipe econômica, como a privatização dos Correios, subiram no telhado após chegarem ao Senado – e por lá devem continuar, uma vez que a estatal registrou lucros crescentes nos últimos anos. As ameaças de privatização da Petrobras não se concretizaram, e o caso da Eletrobras aguarda decisão do Tribunal de Contas da União (TCU).
Se isso é um fracasso, em quem recai a culpa? Para André, é do próprio Guedes. A concentração de poderes na mão do “superministro”, além da falta de expertise em gestão pública, falou mais alto. “O Executivo perdeu uma grande janela, porque dados do Painel do Poder indicavam que havia uma janela, nessa legislatura, de aprovação das privatizações”, lembrou. “A Eletrobras já saiu do legislativo, uma privatização parcial aprovada com muitas dificuldades – e que contam com pessoas que acreditam que ela não vai acontecer, que estão andando mais devagar que o previsto”.
Costumes x Economia
André Sathler aponta que a pauta de costumes, no Legislativo, tem tomado o campo das comissões – grupos específicos de parlamentares que preparam o texto para votação em Plenário. Apesar da resistência de setores específicos e de oposição a certos assuntos, o embate deve continuar em 2023. “Mas dizer que a pauta de costumes não andou nada não reflete muito a realidade do que vemos nas comissões”, advertiu o analista do Congresso em Foco Análise. “Projetos aprovados, em plenário e comissões, sobre a pauta de costumes, não foi a tônica em 2021. Pelo contrário – encerramos o ano com o último projeto a entrar em urgência na Câmara foi a liberação dos jogos de azar. É um contraexemplo de pauta de costumes, por assim dizer.”
Os convidados deste talk
Ricardo de João Braga é economista formado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) – concluiu mestrado na Alemanha pelo programa Roads to Democracy (“Estradas para a Democracia”) da Universidade de Siegen. Tem ainda mestrado e doutorado em Ciência Política, respectivamente pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É também professor dos cursos de especialização e do mestrado em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
André Sathler é graduado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – possui mestrado em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, mestrado em Gestão de Sistemas de Informação pela PUC/Campinas e doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. É professor dos cursos de Mestrado em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados e em Gestão Estratégica das Organizações do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb).
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