Uma das mais belas peças da música clássica foi composta por Johann Sebastian Bach em 1716. Recebeu o título de “Jesus alegria dos homens” (Jesus bleibet meine Freude, em alemão). Considerada uma obra-prima, é uma linda expressão de fé, esperança e celebração da vida em suas múltiplas dimensões.
A escolha do título não poderia ser mais feliz. Jesus, principalmente para a parte ocidental da humanidade, personifica as mais importantes qualidades e virtudes humanas. Jesus, como apontou indiretamente Allan Kardec na questão 625 do “Livro dos Espíritos”, foi o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo.
A dimensão espiritual que singulariza cada ser humano viabiliza escolhas conscientes. Em regra, o conteúdo de cada conduta ou comportamento humano decorre do exercício de uma vontade livre e racional orientada por uma escala de valores, sem desconsiderar o contexto histórico e cultural profundamente influenciador dessa pauta.
Assim, a moral, a pauta de valores orientadora da escolha de cada conduta ou comportamento, assume importância monumental no convívio humano. A definição dos parâmetros fundamentais do que é mais valioso, desejado, esperado, produtivo ou construtivo ocupa posição privilegiada na vida individual e coletiva.
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Jesus foi (e é) o guia e modelo da mais relevante e revolucionária pauta moral para a evolução ou progresso do ser humano nas dimensões pessoal e social. A revolução proposta pelo Cristo está centrada na prática do amor da forma mais intensa e radical possível. O perdão é posto como a dimensão prática mais desafiadora da vivência do amor. A “regra de ouro” da concepção cristã oferece uma bússola segura para orientar a tomada de decisões e definir o que fazer em cada esquina da vida.
O amor é a força ou energia mais importante do mundo. A motivação da criação de tudo que existe é o amor. Com o mundo e suas criaturas, o amor se multiplica exponencial e infinitamente. O amor-próprio do criador passa a conviver com o amor-próprio de cada criatura, das criaturas entre si, das criaturas para com o criador e do criador para cada criatura. Trata-se de uma explosão cósmica de amor.
A inegável força e relevância do amor contrasta com a imensa dificuldade de defini-lo e precisar seus contornos. Desconfio, e essa reflexão precisa ser amadurecida, que o amor não é um sentimento, emoção ou energia autônoma. Minha suspeita provisória aponta no sentido de que o amor é a síntese de todos os sentimentos e valores mais elevados. O amor é benevolente, compreensivo, solidário, fraterno, altruísta, capaz do perdão e voltado à felicidade do outro. Nesse sentido, o contínuo aprendizado e exercício do amor podem ser vistos como a formulação mais simples (e ao mesmo tempo mais poderosa) do caminho para a evolução espiritual.
A ética cristã também comporta o “desafio dos desafios” no plano prático. Trata-se do exercício do perdão. A mais forte e sublime demonstração de amor-próprio e amor pelo outro ser está presente no perdão. O exercício do perdão também evidencia, com força invulgar, o patamar de evolução espiritual experimentado.
Segundo Mateus (18:21-22), Pedro indagou a Jesus: “Senhor, quantas vezes devo perdoar meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?”. A resposta foi a seguinte: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mateus 18:21-22). A primeira fala de Jesus na cruz é muito mais impactante. Crucificado e imediatamente depois de sofrer as maiores agressões morais e físicas, Jesus afirmou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lucas 23:34).
A máxima da moral cristã, também conhecida como “regra de ouro”, orienta cada ato, conduta ou comportamento no caminho da vida. Apresenta o seguinte formato, apontando como escolher conscientemente da melhor forma possível: “faz aos outros tudo o que queres que te façam”. Essa proposta contempla uma radical transformação pessoal e social. Não é uma “simples” regra de reciprocidade de fazer ao outro o que foi feito conosco. Também não é uma “simples” regra de justiça de dar o que o outro merece ou tem direito.
A moral cristã possui inequivocamente uma dimensão coletiva ou social, para além da perspectiva estritamente individual. O projeto de atingir a felicidade, pela via da evolução propiciada pelas reencarnações, é individual e coletivo, como as duas faces de uma moeda. Com efeito, não existe verdadeiro amor em um contexto social de violências, discriminações, opressões, desigualdades, misérias e fomes.
Cada integrante da sociedade, movido pela solidariedade e fraternidade, formas coletivas de amor, encontra-se na condição de responsável pela construção de um ambiente social, por meio da organização econômica e institucional do convívio humano, em que cada espírito tenha plenas condições de evoluir, exercendo suas escolhas (de condutas ou comportamentos) da forma mais livre possível. Para tanto, devem ser assegurados socialmente os insumos básicos da existência digna como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança e a previdência social.
Infelizmente, as belas, profundas e revolucionárias lições de Jesus foram capturadas por uma tradição religiosa visceralmente comprometida com a construção de uma sociedade retrógrada, onde prevalecem ódios, discriminações e exclusões.
Jesus foi colocado, por decisões humanas historicamente datadas, na condição de ser divino. Essa ideia alimenta uma visão dualista do mundo na linha de que existe uma eterna luta entre o bem o mal. Toda a complexidade e riqueza da vida foi reduzida a esses dois opostos inconciliáveis. Deriva dessa concepção a validade, e até necessidade, de enquadrar e julgar pessoas e comportamentos sociais como pecadores ou desviados de um certo “padrão cristão”.
O padrão utilizado para julgamento e enquadramento de alguém (como pecador) ou algum comportamento (como pecado) é a chamada “Bíblia Sagrada”. Essa rica e complexa compilação de escritos humanos é uma importante fonte de informações históricas, relatos inspiradores e registros marcantes da passagem de Jesus pela Terra. O maior problema com o texto bíblico é ser tomado como a “palavra de Deus”. O chamado cânon católico resulta de uma decisão humana no Concílio de Hipona, realizado em 393. Naquele evento foram escolhidos os livros integrantes da Bíblia, assim como excluídos outros. O segundo grande problema com a Bíblia é a interpretação literal que desconsidera o contexto cultural em que foi escrita por homens, com todos os condicionamentos e influências próprios de cada tempo histórico.
A doutrina do pecado original e da condenação eterna dos pecadores é diametralmente oposta aos mais elementares ensinamentos de Jesus. É de uma perversidade sem tamanho sustentar que cada ser humano nasce marcado por condutas ou comportamentos negativos que não realizou. Ademais, não subsiste um mínimo de amor, compaixão e perdão na ideia de sofrimento eterno em um lugar chamado de inferno.
Outra ideia central e profundamente deletéria dessa triste visão do mundo e da vida está representada na culpa. A partir dessa noção constrói-se uma equivocada moral heterônoma. A divindade intervém na vida das criaturas com castigos e prêmios. Suprime-se a inteligência e o livre-arbítrio como faculdades oriundas do criador para o adequado enfrentamento das dificuldades da vida com a necessária assunção de responsabilidades pelos atos com eventuais perdões, reparações e compensações. Não deixa de ser inusitado rebaixar a inteligência divina ao plano de um pretenso festival de interferências no cotidiano das criaturas. Claramente, a lei da causa e efeito, e outros tantos fundamentos da existência, governam as mais variadas experiências de vida sem a participação direta da inteligência suprema.
Esse triste universo de ideias conforma uma visão autoritária da espiritualidade. Abre-se espaço para o ódio, a discriminação e a opressão do diferente, considerado e tratado como inimigo, porque não segue a cartilha formatada por inconfessos interesses mundanos. Compreender Jesus de forma positiva, como a alegria dos homens, é um investimento no cultivo de valores como o amor, a compaixão, a tolerância, a justiça social, a igualdade, a fé e a esperança. Entender Jesus de forma negativa, como a tristeza dos homens, significa mergulhar em um universo marcado pelas noções de culpa, pecado, salvação, autoritarismo (onde aparece um inusitado Deus vingativo e punitivo), intolerância e ódio ao diferente (não se perca de vista que o outro sempre será um diferente em alguma medida).
Não custa lembrar a máxima para o convívio social que sintetiza as lições de Jesus: “ame ao seu próximo como a si mesmo” (Mateus 22:39). Todos, sem distinções, são próximos. Na fala de Jesus não existem inimigos ou adjetivações (branco, preto, bonito, feio, heterossexual, homossexual, rico, pobre, culto, analfabeto, etc).
Sintomaticamente, Jesus não buscou ser temido. Jesus procurou amar e ser amado, na forma mais nobre que esse sentimento podia assumir.
Que atire a primeira pedra aquele que nunca errou …
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