Ricardo de João Braga *
Olá, raro leitor! Perdeu-se por cá? Aqui estamos apenas os extraviados, os desligados do bando, aqueles que seguem o próprio nariz e que às vezes mesmo duvidam da direção em que eles apontam. Como quebraste minha monótona solidão, aproveito-lhe o ouvido para dividir uma coisa ou outra que me têm rodeado a cabeça sem achar pouso.
Tenho lido gente inteligente, culta, cheia de títulos escrevendo e descrevendo mundos de fogo e dor, aos quais a providência colocou vizinhos de terras onde corre leite e mel. Há gente raçuda também, que tem arrancado da vida crua suas paisagens de cavaleiros e desolação e as brandem para mim, uma em cada mão. Varia, leitor amigo, a sofisticação, mas é sempre o mesmo, e de chofre ou de modo ladino exigem-me que faça a óbvia escolha do céu que me prometem e que abandone a desolada terra dos pérfidos. A maioria mesmo pede o meu ódio, parceiro preferencial da submissão, como prova da minha retidão, acerto e inteligência. Mas essas armadilhas brutas e violentas me assustam, e por isso corri para cá.
Fiquei por aqui isolado e assisti aos dias encurtarem e, depois, se alargarem e parecerem infinitos. Solto nesse fluxo pensei se num mundo tão grande daria para cinzelar um Brasil redondo e um Brasil quadrado, depois eu os encaixaria naquelas tábuas de brincar que se acham nos consultórios de pediatras.
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Diz um grande amigo que há “arquiteturas de cabeça” e matutei se o Brasil quadrado encontraria cabeças com sulcos perfeitos e baixos relevos de quatro lados iguais, e outras cabeças com belos e reluzentes círculos de encaixar que recebessem o Brasil redondo. Pareceu-me tudo isso esquisito, e voltei a botar o olho no horizonte, pois isso é de se aprender: o tempo é senhor da gente ou a gente é senhor do tempo?
A vista escorria-me do lado da montanha para as casinhas embaixo, por mais uma vez na manhã ensolarada. Num repente, de supetão, passou o maniqueísmo correndo rente à cerca de meu jardim, como uma lebre, também com orelhas grandes e altas e aqueles olhos enormes que veem um lado e outro, mas não à frente. Leitor amigo, em geral pequenos barulhos não me tomam, mas aquela lebre maniqueísta escorreu engraxada e veloz por um estreito buraco entre o dente de leão e o espinheiro, encaixou-se lá como a chave de um enigma; e aí acordei!
Nós seres humanos temos a atração pelo simples. Quanto mais simples, melhor, e a suprema simplicidade é o sim ou não, branco ou preto, certo ou errado, não é mesmo? A pobre da lebre maniqueísta, meu amigo raro, corria porque atrás dela vinha o mundo, gulosos todos querendo possuí-la.
O Brasil quadrado e o Brasil redondo consolam a alma de muitos, dão-lhes esperança. Mas sobretudo a crença de que entendem, de que estão aptos a julgar, de que são os senhores da lebre e esta lhes aponta infalivelmente o certo e o ignóbil, a direção correta e o descaminho.
A disputa do Brasil quadrado contra o Brasil redondo, caro leitor, parece-me um recorte impossível da realidade, uma terra postiça, mentirosa e alienígena – tire a preocupação do seu coração, minha petitica lebre, você está livre! –, um pequeno mundo de auto-engano e conveniência que não nos faz jus de forma alguma! 518 anos, caminhemos de mãos dadas por eles.
Para cada nome de ciência já inventado – Política, Economia, Sociologia, Psicologia… – há uma multidão de questões, senões e camadas incontáveis de escolhas que trilhamos. Impossível o Brasil redondo ou o quadrado se encaixarem neste extensíssimo tabuleiro de intrincadas formas.
Amigo raro, leitor tenaz, será que também você partiu?
Seria mais fácil prendê-lo com vilões e heróis…
* Professor do mestrado profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados. Economista e doutor em Ciência Política.
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Para professor de mestrado só falou bosta, entende tanto de politica quanto eu de astrofisica.