Natália Bonavides*
A gente sabe exatamente o que significa Bolsonaro continuar minimizando a crise do coronavírus, que ele insiste em chamar de histeria, enquanto a Itália empilha cadáveres: ele não se importa. Mas é mais que isso. Bolsonaro e seu governo – destaque para o ministro da economia Paulo Guedes – fazem um cálculo frio e macabro.
>MP autoriza suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses. Veja a íntegra
Esse cálculo vem se traduzindo em palavras estúpidas e em ações governamentais que não vão – e nem mesmo Guedes acredita que iriam – dar conta de enfrentar o problema.
“Esse vírus aí”, “está superdimensionado”, “é muito mais fantasia”, “neurose”, “histeria”, “não é tudo isso que dizem”, “possível disseminação do vírus”, “pequena crise”, “alarmismo”… Bolsonaro usa essas expressões não por não saber o que vem por aí (ele pode ser estúpido, mas tem assessoria que o avise). Ele sabe; e sabe que tomar as medidas corretas e que se mostram mais efetivas em outros países significa um forte impacto econômico.
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Bolsonaro foi a opção da classe dominante nas eleições de 2018 e continua sendo agora. O condicionante para que os representantes do capital continuem sustentando esse governo sempre foi que fossem entregues, na economia, resultados para esses do andar de cima. Portanto, o cálculo de, descaradamente, optar entre mitigar os danos econômicos ou mitigar o número de mortes está no instinto de sobrevivência da família que hoje ocupa o governo. A vida das pessoas como moeda.
É por isso que, além das palavras que soam tresloucadas (já viram o “guru” Olavo de Carvalho dizendo ontem que não há nenhum caso confirmado de morte por coronavírus no mundo?), as medidas institucionais do governo apontam para esse mesmo sentido.
Bolsonaro xinga governadores, tenta deslegitimar suas determinações, edita uma medida provisória para desautorizar ações de contenção que muitos deles estão tomando, diz que em breve o povo saberá que foi enganado por esses a quem chama de irresponsáveis, recorre ao judiciário para tentar impedir que o Governo do Maranhão faça controle e orientação sanitária no aeroporto.
Bolsonaro orienta o laboratório do exército a aumentar a produção de cloroquina, medicamento que ainda está sendo testado contra o vírus, e faz questão de divulgar isso da pior forma, para gerar intencional confusão, dando a entender que já existe uma cura, como forma de fazer a população baixar a guarda.
E as medidas econômicas… Ah, as medidas econômicas. No único momento em que a submissão vergonhosa desse governo poderia quem sabe inspirar agora alguma boa imitação… O governo Bolsonaro não decepciona e falha também nisso. Enquanto os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países anunciam medidas emergenciais para cobrir salários que deixarão de ser pagos a trabalhadores que, mesmo não doentes, precisarão parar de trabalhar, por aqui não há, até o momento, qualquer ação concreta de proteção a pessoas em situações assim.
Nem mesmo as promessas feitas pelo governo, que já eram mínimas, se materializaram. A medida provisória (MP 927) publicada na última noite traz a possibilidade de suspender o contrato de trabalho por 4 meses, sem que o trabalhador tenha qualquer garantia de remuneração, seja por parte do patrão, seja por parte do poder público. Ainda permite a redução de salários em até 25% (mesmo sem redução de carga horária!). O governo havia anunciado que, em situação de redução de salários, seria possível receber parte do seguro-desemprego como compensação. A MP, no entanto, não traz nenhuma linha sobre isso. Os R$200,00 prometidos aos informais que precisem parar tampouco até agora se concretizaram, e foram chamados de piada pelos trabalhadores.
São medidas que trazem a fórmula de sempre de só proteger os grandes patrões, enquanto se abandonam os trabalhadores atingidos e os pequenos e micro à própria sorte. E é também mais que isso: é uma forma de desincentivar que esses trabalhadores parem, mesmo que isso venha a lhes custar a vida.
Tudo isso é uma opção política. As medidas de proteção à população vulnerável não estão sendo tomadas porque o governo Bolsonaro não quer. O decreto de calamidade aprovado pelo Congresso Nacional deu ampla margem para direcionar orçamento para o que tem que ser feito.
A irresponsabilidade de quem, podendo estar contaminado, participou de uma manifestação assumindo os riscos de contaminar pessoas não foi algo pontual. Essa é a conduta e essa será a tônica. E cada palavra que incentive que as pessoas achem que estamos numa quase normalidade é uma palavra pela qual o povo brasileiro vai pagar caro. Escancara-se que prioridade não é proteger vidas. A desassistência que se projeta vai deixar a classe trabalhadora muito mais vulnerável aos efeitos do vírus. É um projeto de morte, literalmente. E serão mais atingidos os setores mais vulneráveis da classe trabalhadora.
Parece que, para esse governo, certos efeitos da pandemia seriam até desejáveis. Como não imaginar que passe pela cabeça de alguns a economia que uma possível morte em massa de idosos vai gerar na previdência? Alguém é ingênuo de imaginar que se dá por acaso tamanha conformidade ao tratar a doença como uma gripinha que vai vir, vai matar os mais fracos e vai passar?
É sombrio, é macabro, eu sei. Mas não nos esqueçamos que estamos diante de um governo que tem como presidente essa figura trevosa que falava, ali nos anos 90, que em certas situações “se vai (sic) morrer alguns inocentes, tudo bem”. É desse tipo de gente que estamos falando.
Então, que a eles pareça indiferente ou até animador que muita gente vá morrer, e que dentre essa gente vai ter – por razões óbvias de desigualdade no acesso a condições mínimas de vida – muito mais pobres do que ricos, muito mais negros do que brancos, muita gente das regiões que tenham sistemas de saúde e de assistência mais precários, mostra-nos uma face ainda mais sombria do neofascismo que sempre foi escrachado na política bolsonarista.
Alguém pode perguntar: não seria uma estupidez, até para quem faz cálculos frios e macabros, tentar preservar a economia antes das vidas, sabendo do degaste que uma situação de um número de mortes extremo traria? Sim, seria uma estupidez. É por isso que devemos nos preocupar com o fato de a presidência ter solicitado parecer sobre a decretação de estado de sítio no país – algo que nunca aconteceu após a redemocratização.
Esse governo não tem a menor condição de conduzir o país nessa crise. Um projeto político que não inclui a defesa da vida das brasileiras e dos brasileiros neste momento tem que ser derrotado. Por uma questão de sobrevivência.
Natalia Bonavides é deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (RN)
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