Marcos Roza*
Em seu texto “Nos tempos de Dondon”, Helena Theodoro nos leva para a sabedoria de uma vida vivida de momentos incríveis de troca de saberes e pertencimento. Observar quanto e como o grupo de familiares e de amigos eram ligados à cultura, à ancestral forma de ser negro em tudo e de absoluto valor, transporta-nos sensivelmente aos laços afetivos do texto, fazendo com que a felicidade preencha nosso peito e inevitavelmente sigamos a leitura.
Adiante descobrimos que esses valores guiam homens e mulheres entorno do trabalho: fosse na fábrica, na redação de um jornal, nas instituições públicas ou num campo de futebol, afirmando a representatividade de sua família negra, urbana e politizada.
A autora se apropria da lembrança de outros Natais e de tempos idos, no seio da Tijuca e adjacências, e conta-nos alegremente: “Dondon era o grande animador das festas. Muito elegante e emperdigado dançava o miudinho como ninguém, além de riscar o salão com Santinha e as mocinhas da família, fazendo com que nos transformássemos em plumas alçadas ao vento em seus volteios e rodopios”.
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Sem falar como sua rica história nos aproxima à ânsia das crianças estimuladas a dançar, cantar, pensar…criar e adquirir tantos conhecimentos trocados entre irmãos e irmãs, tios e tias, primos e primas e quem mais quisesse chegar. Tudo em família. No quintal, na cozinha, nas quadras das escolas de samba – como extensão dos cômodos das casas, todos versavam à nossa intelectualidade: compunham sambas, tocavam instrumentos, os poemas refletiam nos sorrisos e nos abraços, e os temperos dos almoços aguçavam a curiosidade de saber o segredo das saborosas receitas da prima Andrelina.
À medida que discorremos o texto, nos apaixonamos por Dondon. Quisera podermos, quando tudo isso passar admirar um tio exímio animador de festa, bom de bola e bom de samba. Voltar no tempo e aprender, desde muito cedo, a importância e a ética do quilombismo, herança histórica, que Zumbi nos deixou.
Mas, a alegria continua!
Nessa dinâmica, os encontros acontecem e se retroalimentam, como lembra Helena: “Aprendemos a ser irmãos e a trocar com o restante da família nossos sonhos, brinquedos e amizades. Como foram intensos os nossos encontros familiares”.
Momento da vida, que tudo que era tempo valia a pena. Assim, visitar os parentes na Ilha do Governador “era uma aventura fascinante”. Em plena década de 1970, “um domingo na Praia da Bica era um presente dos deuses”.
“Lá o pagode também estava sempre presente, além do mar, da areia, do sentido de amplitude e liberdade. Tinha musica boa, fruto da união dos compositores do Salgueiro com os da União da Ilha do Governador”.
Encantados, assim como Helena acumulou “alegria e força” que te deram um orgulho profundo de pertencer a esta tradição cultural de origem africana, contribuímos, concluindo, que a vida não passa pura e simplesmente diante dos nossos olhos sem nos dizer e sem nos ensinar algo. As lembranças de Helena Theodoro ressignificam nosso viver e incentivam-nos a (re)criar espalhando amor e consciência racial, no tempo que Dodon jogava no Andaraí. Um tempo que inspirou saberes e que agora, no seu compasso, acreditamos “que tudo vai passar e melhores dias virão”.
*Marcos Roza é formado em História (PUC-RJ), atua há mais de 25 anos como pesquisador de conteúdos na área acadêmica, audiovisual e de carnaval, onde desenvolve a pesquisa e textos para filmes documentários e enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro, dos grupos Especial e Série A, como Estação Primeira de Mangueira, Unidos da Tijuca, São Clemente, entre outras.
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