Rodrigo Agostinho *
Nesta semana teremos um Congresso com os corredores e gabinetes lotados de visitantes: prefeitos, secretários e vereadores pedindo, implorando por recursos. Estaremos diante de mais uma Marcha dos Prefeitos, evento realizado anualmente pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) desde 1998 que tem uma extensa pauta de assuntos, cujo objetivo é valorizar o tratamento aferido aos municípios brasileiros, garantindo-lhes certa autonomia.
Como já dizia o ex-governador de São Paulo e municipalista Franco Montoro: “Ninguém vive na União ou no estado; as pessoas vivem no município”. Acontece que nosso federalismo sempre foi de “faz de conta”. As divisões entre os estados são apenas linhas imaginárias para melhor organizar a tarefa administrativa. E isso vale também para os municípios.
A divisão de tudo que se arrecada e das tarefas atribuídas a cada ente, damos o nome de Pacto Federativo. Ou seja, quem faz o quê e com que dinheiro? Hoje de tudo que se arrecada, apenas 24% vai para os estados e 18% para os municípios. Nunca se utilizou tanto esta expressão como atualmente, como algo a ser repactuado. O problema é como a União e estados podem abrir mão de recursos em favor dos municípios.
Hoje, com educação, a União tem que aplicar 18% da receita. Os estados e municípios, 25%. Na saúde, a União é responsável por metade de todos os custos do Sistema Único de Saúde (SUS), os estados 12% e os municípios 15% de tudo o que arrecadam, no mínimo. Mesmo com esses valores, é bem comum encontrar cidades que chegam a gastar 30% com saúde e mais de 25% com educação. Reconhecendo que a folha de pagamento consome mais de 50%, temos míseros percentuais em investimento. Por este mesmo nome, Pacto Federativo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está tentando desvincular R$1,5 trilhão do orçamento federal. Essa desvinculação que poderia valer para estados e municípios é vista com ressalvas, porque muitos temem cortes em áreas essenciais como saúde e educação. Em todo caso, o próprio ministro disse que retomaria esta discussão apenas após a votação da reforma da Previdência.
É bem certo que ao longo do tempo a União e os Estados foram passando sistematicamente atribuições aos municípios, sem a justa transferência dos recursos. Esse desequilíbrio é sentido na prática na execução desesperada dos orçamentos municipais, resultando em cidades falidas e serviços públicos de baixa eficiência. Ao mesmo tempo, é comum o governo federal e os governos estaduais assumirem a autoria de políticas públicas tipicamente municipais, como: a construção de creches e postos de saúde; a distribuição de medicamentos; ambulâncias; e, a manutenção de estradas rurais. Algo que apenas o interesse eleitoral pode explicar. Ora bolas, repassem o dinheiro aos municípios e cobrem para que o dinheiro seja bem aplicado. Não faz o mínimo sentido, estados e a União assumirem tarefas que não são suas.
Destaco que a pauta da 22ª Marcha dos Prefeitos propõe acompanhamento das propostas que aumentam a participação dos municípios na CIDE (PEC 1/2015), promovem a retenção de recursos de Estados que não repassarem os recursos municipais (PEC 10/19), a que dá legitimidade aos municípios proporem ADI e ADC no Supremo Tribunal Federal (PEC 253/16), a que aumenta em 1% o FPM – Fundo de Participação de Municípios (PEC 391/17), a que estabelece a possibilidade de recursos de emendas direto no Fundo de Participação dos Municípios (PEC 61/2015), a que promove a atualização monetária de programas federais (PEC 66/2015), a que altera critérios na distribuição de recursos do ICMS (PEC 95/2015) e a nova reforma da Previdência (PEC 06/19). Entre os projetos de lei estão a nova Lei de Licitações, mudanças na lei de Consórcios Públicos, mudanças no ISS – Imposto Sobre Serviços, mudanças na famosa Lei Kandir, alterações no sistema de avaliação de servidores públicos e mudanças no Marco Legal do Saneamento.
Resumindo, uma preocupação desesperadora com a arrecadação e fontes de custeio para que os municípios possam sair da quebradeira e conseguir não apenas honrar seus compromissos, mas prestar os serviços públicos com qualidade. Da mesma forma, uma preocupação com a eficiência, vemos a necessidade urgente de uma nova lei de licitações (PL 1292/95) que já está na pauta e prestes a começar a ser votada. Aliás, o Poder Público é campeão em comprar produtos caros e com baixa qualidade. É nessa hora que o barato sai caro. E quando o Prefeito resolve colocar algum critério, acaba sendo premiado com uma multa pelo Tribunal de Contas ou uma ação de improbidade administrativa, com a acusação de limitar a participação de interessados na licitação.
Outro ponto relevante quando tratamos de recursos é que o Legislativo federal no Brasil tem algo que não é muito comum em outros países: deputados e senadores distribuem recursos para suas bases. São as famosas emendas individuais ao orçamento e que hoje são impositivas e totalizam quase R$ 15 milhões por parlamentar. Uma boa parte destas emendas são destinadas diretamente aos municípios. Uma região que não consegue eleger parlamentares fica sem esses preciosos recursos, da mesma forma, os municípios quebrados e inadimplentes. No final, quem mais precisa acaba ficando de fora. Essa é regra foi feita para premiar os bons gestores, mas cria uma verdadeira casta de municípios impedidos de acessarem políticas públicas de qualidade. E quem paga à conta é a população. Seria como: “vote errado e não tenha mais dinheiro!”
Na discussão do pacto federativo, algo que um dia precisa entrar na pauta, são as condições ou características mínimas para a criação de um município. Não basta ter território e população. Depois de 1988 tivemos uma proliferação de novos municípios, sem o mínimo de condições de se manterem. E cada município com sua prefeitura, câmara municipal; e por que não uma delegacia, Fórum, cartório e tudo mais. Despesas administrativas custosas para quem não tem arrecadação própria. Muitos países neste quesito voltaram atrás e passaram a fundir pequenos povoados em cidades maiores e com isso evitar o desperdício de dinheiro apenas e tão somente com a máquina pública. No Estado do Paraná, por exemplo, um estudo recente do Tribunal de Contas Estadual demonstrou que 96 municípios paranaenses poderiam ser extintos, 24% de um total de 399. No país todo com esta regra teríamos 1.300 municípios a menos. Assunto polêmico, mas necessário. Como garantir autonomia para um ente que não possui arrecadação alguma para conseguir se manter?
E como o Legislativo está se organizando para discutir o municipalismo? Hoje, temos inúmeras frentes em defesa de grupos específicos de municípios, porém duas se destacam: a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Municípios Brasileiros, coordenada pelo deputado Herculano Passos (MDB-SP) com 309 deputados e 31 senadores e a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Pacto Federativo, coordenada pelo deputado Silvio Costa Filho (PRB-PE), com 198 deputados e seis senadores. Trabalho é o que não falta: 5.570 municípios precisando de tudo um pouco.
Que ao final de mais esta marcha, possamos comemorar. Os municípios precisam de mais respeito.
* Rodrigo Agostinho é deputado federal (PSB-SP), foi vereador e prefeito de Bauru (SP) por dois mandatos consecutivos. É presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.
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