Marluce Britto*
Em tempos modernos a palavra dignidade tem sido frequentemente usada para tudo. Algumas pessoas se utilizam dela para falar de si mesmo, outras pessoas a utilizam para falar “mal dos outros” e muitas, para exigir seus direitos quando afrontados pela sociedade ou pelo Estado. Quando tratamos de direitos, convém lembrar que dignidade é referenciada como valor moral e espiritual inerente à pessoa humana, inclusive com status e proteção constitucional, princípio fundamental na preservação do Estado Democrático de Direito.
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Em razão da Constituição Federal, admite-se, hoje, uma maior abrangência para a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, o que tem provocado uma ininterrupta revisão de conceitos e preconceitos por diversos segmentos da sociedade, civil, política e religiosa. Este princípio, por exemplo, está presente em questões sociais relevantes, como a educação, segurança, trabalho e saúde, embora ainda não integralmente aplicado ou compreendido pelos congressistas, governantes, magistrados e instituições que deveriam cuidar e respeitar os direitos fundamentais da cidadania.
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O tema do uso medicinal do canabidiol é desses que se relaciona ao princípio da dignidade da pessoa humana. Como se sabe, parte considerável da comunidade médica e outra da academia defendem o uso da cannabis como tratamento medicinal digno. Comprovam que são inúmeros os pacientes que já iniciaram seus tratamentos, mudaram, positiva e completamente, o sentido de suas respectivas vidas. Não só a delas! O bem-estar de cada paciente se estendeu a toda sua família e demais pessoas envolvidas no seu tratamento. É que a cannabis e os mais de 113 tipos de canabinóides dela inerente – dentre eles o CBD e o THC – possui inestimável potencial terapêutico para convulsões, autismos, inflamações, ansiedade, psicose, neuroproteção, dor crônica, anorexia, espasticidade muscular, náusea induzia por quimioterapia, entre outras ações.
E não é de agora que se sabe do poder terapêutico da cannabis. O seu uso já era noticiado em tempos anteriores ao nascimento de Cristo para a cura de várias doenças, tornando-se comum a sua utilização na China e na Índia. Em tempos modernos, vários países já regulamentaram o cultivo, produção, venda e uso de medicamentos à base de cannabis, a exemplo do México, Colômbia, Peru, Chile, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Tailândia, Israel, Austrália e Holanda. O bem-estar provocado aos pacientes e o elevado potencial terapêutico da cannabis fizeram cair as máscaras do moralismo e do preconceito nestes países, elevando o conceito de vida digna a padrão civilizatório a ser seguido pelos demais povos.
O Brasil, ainda que timidamente, começa a debater o uso medicinal da Cannabis com foco na dignidade da pessoa humana, especialmente quando a Anvisa retirou o canabidiol da lista de substâncias de uso proscrito, incluindo-o na Lista de Substâncias sujeitas a controle Especial. A lista oficial de Denominações Comuns Brasileiras (DCB) incluiu a cannabis, no entanto, não muda as regras para a importação de medicamentos com canabidiol ou extratos de maconha. Estas medidas abriram o caminho para que fosse facilitada a comercialização, importação de medicamentos, autorizada a prescrição de remédios à base de canabidiol e THC e permitido o primeiro remédio à base de maconha, o Mevatyl, que é obtido a partir de extratos isolados da cannabis. Também é de se destacar o papel da Justiça Federal na Paraíba quando, em abril de 2017, autorizou uma associação civil a cultivar maconha para fins exclusivamente medicinais.
Essas ações, entretanto, não são suficientes para o bem-estar dos pacientes, já que a luta para conseguir autorização e o medicamento é árdua. Em matéria de saúde, é público e notório o avanço da medicina, porém, a sociedade e o poder público, não conseguem acompanhar esse avanço, sendo limitada para a maioria dos pacientes não só o seu tratamento como sua possível cura. Levando em conta a máscara da moralidade e do preconceito em relação ao uso de um medicamento que é retirado da planta popularmente chamada de maconha, toda a burocracia existente e a falta de regulamentação para o uso de remédios compostos por cannabis sativa, impedem os pacientes de terem uma vida digna.
A regulamentação representa além de autorizar a produção para fins terapêuticos e científicos, uma grande economia para os cofres públicos, tendo em vista que ações judiciais para a importação do produto, à base da cannabis – que tem um valor altíssimo, mais de R$2.000,00 (dois mil reais) – deixaria de existir com a produção da cannabis medicinal pelas instituições ou pelos próprios pacientes em solo brasileiro.
Não há como se falar em vida digna quando vários pacientes que poderiam conquistar o bem estar em suas vidas, sofrem muito mais pelo preconceito da sociedade e pela burocracia das instituições responsáveis, do que pela própria doença, uma vez que já está comprovado o potencial terapêutico do uso da cannabis medicinal. É uma situação degradante e desumana! Como sentir-se bem, sabendo que o paciente que sofre tanto está tão próximo do medicamento e ao mesmo tempo tão longe de ter este ao seu alcance?
Sabemos que existem ações judiciais solicitando uma morte digna através dos institutos da eutanásia, distanásia e ortotanásia para pacientes terminais. Então, é hora de reverter esta situação abraçando a causa dos pacientes que pedem vida. É fundamental que poder público e sociedade civil façam uma aliança, garantindo uma vida digna aos pacientes que são os maiores interessados como beneficiários da regulamentação e liberação da cannabis medicinal. A vida tem pressa e pede dignidade! Sem dignidade não há vida e o que existe então, é apenas sofrimento.
* Marluce Britto é advogada graduada em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE) e administra o escritório Cezar Britto & Advogados Associados
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