Glaucia Barros*, Saulo Porto** e Vitor Oliveira***
Os desafios das organizações da sociedade civil no Brasil são grandes: vão desde a atuação nas suas bases até as contribuições, incidência e pressões no ambiente político democrático. Mas, com o emprego de tecnologia, método, articulação e colaboração, é possível obter novas respostas até mesmo no contexto da mais grave crise humanitária que atravessa o mundo na atualidade, com lastimável destaque para o nosso país.
Essa tem sido a aposta da Rede Advocacy Colaborativo (RAC) desde 2018: construir a ação política de forma coletiva, partindo de esforços orgânicos de coordenação e mobilização de um campo da sociedade civil no Brasil. A rede fornece às organizações que a integram estratégias para acompanhar, promover e articular pautas socioambientais, de direitos humanos, de integridade e transparência e voltadas à transição para uma economia regenerativa e redistributiva.
O destinatário dos resultados desse trabalho é o Poder Legislativo Federal, cujo protagonismo no encaminhamento de pautas de interesse da RAC tem sido – ainda que com muitos percalços – a única via de acesso para a maioria de organizações da sociedade civil a processos de tomada de decisão em temas de interesse público, mesmo em tempos de sistema de deliberação remota, implantado pelo Congresso Nacional desde abril de 2020.
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Dentre as ações destacam-se a captura e análise de dados, o uso de aprendizado de máquina (IA) e linguagem natural (NLP), que são ferramentas essenciais para prever comportamentos políticos e reduzir o acesso desigual à informação pública e aos atores políticos, construindo assim uma rede de inteligência de dados e de monitoramento compartilhado.
Dessa forma as organizações, em seus diversos campos de causas, conquistam mais um espaço de intercâmbio, construção colaborativa de estratégias mais sistêmicas e a chance de uma incidência assertiva e efetiva. Uma evidência disso são os resultados de uma recente avaliação sobre os dois primeiros anos da atual legislatura no Congresso Nacional a respeito das políticas socioambientais, coordenada por um Grupo Temático – GT da RAC que gerou o Relatório Parlametria: Proposições Legislativas ambientais no Congresso Nacional (2019/2020).
Na análise de 815 proposições legislativas relacionadas ao tema que tramitam nas Casas Legislativas no biênio 2019-2020, desenvolvidas pelo Parlametria foram identificadas mais de 600 que estão convergentes com os objetivos das organizações de defesa ao meio ambiente. Em muitos casos, essas proposições foram elaboradas de forma colaborativa com as organizações, sendo bastante comum a apresentação de proposições assinadas em conjunto por diversos parlamentares de distintos partidos.
Para esse resultado, foram despendidos muitos esforços de ambos os lados. Da parte das organizações da RAC, a realização de oficinas, reuniões, cyber advocacy, atendimento a convites para audiências públicas, conversas bilaterais com parlamentares e suas assessorias com a ética e a disposição de identificar e mensurar problemas, suas possíveis soluções e dialogar com respeito, responsividade e legitimidade com parlamentares.
É bom ressaltar que a identificação de quem participa e quando se realizam as atividades são também facilitadas pela conexão entre a ciência de dados e a ciência política. Em contextos desafiadores como os atuais – onde o tempo da evolução da pandemia é muito mais rápido do que o da construção política para uma coordenação eficiente de sua gestão – ganhar tempo no advocacy offline pela entrega do online é fundamental.
No GT dedicado ao advocacy socioambiental da RAC, por exemplo, foi identificado, pela análise de dados da plataforma Parlametria, que o PV, PT e PSB são os partidos mais alinhados às posições do grupo. No entanto, o mesmo estudo indica que há parlamentares que se alinham de forma pontual ou podem vir a ser aliados em pontos específicos da agenda socioambiental, ou seja, a lente mais focada na análise de dados pode conduzir a colaborações sequer cogitadas por serem aparentemente improváveis.
No mesmo sentido, por meio da análise inteligente das redes sociais dos parlamentares é possível identificar os diferentes posicionamentos políticos. Em uma análise mais acurada, por exemplo, verificou-se que cresceu consideravelmente a abordagem da pauta socioambiental por parlamentares.
O ex-relator do licenciamento ambiental Kim Kataguiri (DEM-SP) foi o deputado que mais publicou sobre o tema em 2020, no geral, com opiniões divergentes do movimento socioambiental que se organiza na RAC.
Aliás, o mesmo estudo capturou que 80% dos parlamentares que mais se manifestaram nas redes sobre as pautas socioambientais são da base de oposição ao governo federal.
A análise dessa informação traz duas perguntas importantes para o advocacy estratégico socioambiental.
A primeira é a de como podemos incentivar a pluralidade de ideias, posições no diálogo aberto com a população a respeito dessa agenda? Há pesquisas de opinião que afirmam o apreço a causas ambientais por maiorias que passam de 90% dos entrevistados. O que podemos fazer melhor para que a democracia representativa traduza esse apelo em políticas públicas?
A segunda, considera a observação do Parlametria sobre as oscilações de posicionamentos da chamada base governista em relação à orientação de voto pelo governo federal. Sendo assim, como usamos mais o aprendizado de máquina para compreender como e com quem falar, além dos já convencidos, que não estão 100% fechados com a pauta antiambientalista do governo federal?
Dados importantes do relatório Parlametria e da pesquisa de opinião com 179 parlamentares conduzida pelo Congresso em Foco e desenhada pelo conjunto de organizações membros da RAC, ambos divulgados no âmbito do Painel Parlamento Socioambiental nos indicam rumos para reforçar a resistência do campo socioambiental contra os retrocessos ambientais no parlamento.
Por exemplo, o relatório Parlametria revelou que mais de 70% das proposições apresentadas entre 2019 e 2020 foram consideradas favoráveis ao meio ambiente. Revelou também, ao examinar mais de 40 votações nominais sobre temas socioambientais entre 2019 e 2020 que quase 15% dos deputados (69 para sermos mais precisos), de partidos considerados independentes ou governistas moderados, votaram ao menos uma vez em convergência com a orientação do coordenador Frente Parlamentar Ambientalista, contrariando a maioria e a orientação do seu partido nas votações do código florestal e da MP da Grilagem.
Além disso a pesquisa de opinião com os parlamentares revelou que mais de 50% dos parlamentares avaliam como ruim ou péssima a política ambiental do governo Bolsonaro e 59% discordam total ou parcialmente que a defesa do meio ambiente atrapalha o desenvolvimento econômico. Portanto, não se trata apenas da oposição a ter posição alinhada com o pensamento ambientalista. Portanto, os dados sinalizam que há espaço para ampliação da base parlamentar ambientalista no parlamento federal. A questão é o que pode ou deve ser feito para tanto.
Com essas interrogações e com o trajeto feito até aqui, a lição aprendida é de que contar com informação e dados respaldados cientificamente, com visão holística das situações para identificar pontos de incidência e a visualização prévia de tendências de posicionamento por parte de parlamentares tem sido fundamental para fomentar esse advocacy com base no diálogo, sem preconceitos partidários ou ideológicos, e com conceitos bem fundamentados no interesse republicano.
Para acessar o Relatório Parlametria e a Pesquisa de Opinião citados neste artigo e os demais artigos relatórios do Painel Parlamento Socioambiental clique aqui.
*Glaucia Barros é diretora Programática da Avina e Coordenadora Geral da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC).
** Saulo Porto é CEO e Fundador da Dado Capital.
***Vitor Oliveira é diretor de Análise e Estratégia da Pulso Público.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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