A Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados aprovou, com número expressivo de votos, proposta do relator Vicente Candido (PT-SP) que cria o Fundo Especial de Financiamento da Democracia (Fundo Eleitoral), no valor de R$ 3,6 bilhões. Apesar de ainda precisar passar por votação no plenário da Casa, a medida já provocou repercussão negativa em parte da opinião pública, por ser considerada corporativista e por elevar demasiadamente os gastos públicos em campanhas eleitorais.
Nesse sentido, ficam algumas questões acerca da concepção do fundo: se ele é vital e democrático como se intitula, por que gerou tanta desconfiança? Ele se identifica, em algum sentido, com o clamor da sociedade por eleições mais baratas e justas? Vamos tentar discorrer a respeito nos próximos parágrafos.
Primeiro, vale a descrição de como serão captados e, posteriormente, distribuídos esses recursos. O fundo será equivalente à Receita Corrente Líquida da União referente ao ano eleitoral. Ou seja, o valor não ficará estabelecido em R$ 3,6 bilhões, irá variar de acordo com a receita do ano presente. Segundo o portal da Câmara dos Deputados, tais recursos condizem ao “somatório das receitas arrecadas e das transferências recebidas deduzidas das verbas transferidas, por determinação constitucional ou legal, para estado, municípios e Distrito Federal”. Acerca da distribuição do fundo, o relator propôs que os partidos tivessem autonomia para distribuir os recursos para as campanhas. A proposta, contudo, foi rejeitada pelos demais deputados, deixando a situação ainda em aberto.
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A reforma política, que idealmente deveria servir para melhorar a relação dos cidadãos com a política, tem tomado formas de conchavo cuja intenção primordial é a manutenção do status quo. No caso específico do financiamento de campanha, os debates no Congresso centram-se nas discussões sobre os meios de prover recursos, ao invés de se atentar para a finalidade desses recursos diante da participação do eleitor. Sendo mais claro, os parlamentares apenas responderam a medida do STF de proibir financiamento de campanha por empresas, prática que vinha se intensificando e piorando a política nacional – ao ponto de colaborar com a criação da bola de neve chamada Operação Lava Jato.
Em sentido oposto, o eleitor segue sem ter incentivos para participar ativamente do processo eleitoral. De acordo com levantamento feito pela Pesquisa Fapesp em 2015, mais de 40% dos eleitores entrevistados não se lembravam em quem haviam votado no pleito eleitoral de 2014 – se fôssemos questionar os mesmos eleitores hoje, o resultado certamente seria maior. Segundo outra pesquisa, do IDEA Big Data, os cidadãos estão desconfiados do cenário político. Das pessoas questionadas, menos da metade disse concordar com a afirmativa de que a eleição de 2018 é uma oportunidade para renovação política.
Para tanto, se esse fundo tivesse mesmo a finalidade democrática que apregoa, teria mecanismos que incentivam a participação dos cidadãos na decisão sobre onde e como serão aplicados esses recursos. Da forma como está, quais serão nossas garantias de que candidatos implicados, mas não condenados, pela Operação Lava Jato não serão beneficiados pelos recursos? Exemplo que poderia ser seguido é o Democracy Voucher, modelo no qual eleitores decidem pela destinação do financiamento público de campanha, dando ao candidato do seu interesse o valor percentual que lhe compete em relação ao montante total de recursos.
Precisamos fomentar também discussões sobre o financiamento direto de campanha pelos cidadãos. A oportunidade para isso é agora, quando o suporte privado se tornou ilegal e quase metade dos eleitores nem lembram em quem votou. Hoje o que temos é o contrário, um sistema em que políticos compram, sem pudor, o voto dos seus eleitores, como nos conta em detalhes Marlon Reis, autor da Lei da Ficha Limpa, no seu célebre livro O Nobre Deputado. Alguns coletivos sociais têm invertido essa lógica, investindo no componente ético dos candidatos e convocando a sociedade a financiar e, posteriormente, acompanhar e fiscalizar a atividade do eleito, gerando compromisso para os próximos quatro anos. É o caso dos movimentos Acredito e Bancada Ativista.
Resta dizer que o financiamento de campanha, para ser democrático de fato, não pode ser visto apenas como medida voltada para o período eleitoral, mas como parte do pacto firmado entre eleitor e o candidato para os quatro anos vindouros.
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