Durante o período de agitação em torno do caso Battisti, a Lei Federal 9474 de 1997 (dita Lei dos Refugiados) foi um dos alvos favoritos de parte do STF e de alguns políticos. Três juízes e um ex-juiz pretenderam encontrar na lei violações à Constituição, apesar de que em várias centenas de extradições analisadas desde 1998 ninguém tinha percebido irregularidades, que surgiram como por mágica justamente no caso Battisti. Alguns legisladores encontraram aspectos obscuros na formulação da lei, mas seus esforços pareciam dirigidos, não a jogar luz nas trevas, mas, pelo contrário, aumentar as trevas até tornar a lei inaplicável. Apesar desta má fé em ambos os casos, é verdade que a lei deve ser aprimorada.
Em 1997, quase 10 anos após a nova Constituição, a imagem do Brasil em Direitos Humanos não era satisfatória nem para os padrões de países mais pobres e muito menores, como Equador ou Nicarágua.
Seria injusto formular conjecturas sobre as intenções dos que elaboraram a lei, mas ela não parece satisfazer os objetivos humanitários que se assumem em qualquer legislação sobre refúgio e asilo. Tanto o próprio texto (inspirado na Convenção de Genebra de 1951, com acréscimos de “lavra” vernácula e concessões aos interesses dos países mais fortes), como a criação do Comitê para os Refugiados (Conare), parece ter como prioridade a restrição do refúgio aos candidatos despolitizados, como o mostram as atuais proporções entre perseguidos políticos e vítimas de catástrofes humanitárias.
Nas decisões do Conare, onde além do representante do MJ, o que é imprescindível, há intervenções não esperadas, como da Igreja e da Polícia Federal, parece claro que se procura uma espécie de “refúgio para pessoas qualificadas”, como se a perseguição ou as catástrofes humanitárias tivessem curriculum.
O ponto mais expressivo desta elitização do refúgio aparece nas causas de exclusão (Art. 3º, inc. III), mas, devido à complexidade do assunto, vou me cingir ao caso do terrorismo, elencado junto a outros crimes.
A lei proíbe o refúgio de qualquer candidato que seja culpado de atos terroristas, mas, como o termo “terrorismo” e seus derivados possuem interpretações as mais diversas, a lei deveria oferece uma definição do conceito ou, então, indicar qual é a definição que aceita. Um estudo do exército dos EUA publicado em 1998 revela ter encontrado e analisado mais de 100 definições diferentes de “terrorismo”.
Uma noção bastante compatível com o uso habitual e com a idéia intuitiva de terrorismo, é a sugerida num relatório (sem valor de legislação internacional) emitido pelo Conselho de Segurança de ONU em novembro de 2004:
PublicidadeMas, países com grau alto de violação internacional aos Direitos Humanos, como EUA e Israel, se recusam a usar essa definição, porque a confusão em que permanece a estigmatizada permite usar sua forte carga de repulsa para atingir todos os opositores. Nos EUA, é frequente chamar terroristas os ecologistas, os defensores de animais, os pacifistas e ainda (algo curioso num país que propagandeia a “liberdade de imprensa”) a Wikileaks, cuja principal figura, Julian Assange, é proposta para a pena de morte por parlamentares republicanos.
No Brasil, o conceito de terrorismo, incluído na lei 9474, como se fosse supertransparente, é usado pelos setores mais conservadores do governo e do parlamento para criticar qualquer refúgio ou asilo que se ofereça a alguém minimamente suspeito de ter idéias ou simpatias de esquerda. Além disso, apesar dos muitos problemas nacionais, não há no Brasil qualquer indício de atividade terrorista. Ou seja, a inclusão desse termo na lei só pode ver-se como subserviência aos interesses americanos.
Nem falar, então, do STF, cujos ministros mais notórios acusam de terrorismo a qualquer um cuja extradição queiram conceder. É claro que toda farsa pode ter alguns parágrafos de “obra séria” e um bom diretor pode aproveitá-las, como fez o ex-ministro Tarso Genro ao aplica-la ao caso Battisti. Mas, a lei 9474 exige uma reformulação radical. Alguém pode dizer que isso não é necessário porque o Brasil não está interessado em asilar ninguém, salvo algumas celebridades como os saudosos Stroessner, Mengele, Wagner e outros. Com efeito, em 2009, o Brasil tinha menos de 4 mil refugiados, enquanto o Paquistão passava dos 2,8 milhões. Mas, nesse caso, seria justo pedir mais sinceridade.
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