Nas últimas semanas, a comunidade internacional e as organizações da sociedade civil brasileira têm acompanhado estupefatas uma série de entrevistas e decisões do recém-empossado presidente Jair Bolsonaro que apontam para um desastroso caminho das relações exteriores do Brasil. A reação e as críticas a um governo que mal iniciou e já se mostra confuso e pouco coordenado têm sido imediatas, com uma série de artigos, tanto da mídia internacional quanto na nacional, que externam não apenas o alto grau de preocupação com a limitada capacidade do presidente em entender a importância dos pactos globais para os assuntos nacionais como também o importante papel do Brasil na definição dos compromissos multilaterais de alto nível já pactuados.
As críticas elencadas têm sido duras, como o momento exige. Especialmente diante da visão do novo chanceler, Ernesto Araújo, que carece de compreensão teórica e possui irrelevante experiência prática no campo das relações internacionais – a este respeito vale releitura do artigo de Benjamin Moser – e que, obviamente, não almeja liberar o Itamaraty de ideologias, mas sim impor-lhe uma nova, de base insustentável frente às evidências científicas, aos avanços civilizatórios e das relações internacionais.
O impacto dessas semanas iniciais preocupa, sobretudo, profissionais de diferentes áreas empenhados na implementação da Agenda 2030, já que o Brasil, literalmente, foi um dos líderes da negociação global que resultou em 17 grandes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a serem alcançados até 2030. Bolsonaro irá tratar esse acordo como também sendo “dos outros”, como o fez via Twitter ao justificar a saída do Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular, menos de um mês depois de sua assinatura em Marrakesh? “Não é qualquer um que entra em nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros”, escreveu em seu perfil. Mas de que “terceiros” ele trata, se o Brasil foi um dos participantes da negociação? E a quem se refere como “qualquer um”? Preconceito e despreparo, portanto, parece que serão os grandes indicadores da “nova” política externa nacional.
Importante reforçar que a meta 10.7 dos ODS – Facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas de migração planejadas e bem geridas, foi inicialmente respondida pelo Brasil com a Lei de Migração (Lei nº 13.445/17), que visa lidar com os intensos fluxos migratórios fazendo com que o país se beneficie da chegada de novos conhecimentos e garantindo, por exemplo, inclusão social e produtiva do migrante por meio de políticas públicas, como deve ser feito por um país antirracista e não xenófobo.
É grave, portanto, que o atual governo acene com a possibilidade de instalação de uma base militar norte-americana no Brasil (contrária ao seu próprio discurso nacionalista), mas se recuse a ratificar um pacto migratório concebido para que nações e comunidades lidem da melhor forma possível com a migração, estimulando a cooperação entre países e o compromisso dos governos com a proteção dos direitos humanos de migrantes e refugiados, inclusive para enfrentar o tráfico internacional de pessoas.
Nesse contexto, não será surpresa o aumento de críticas ao presidente e ao seu chanceler. De que maneira o Brasil continuará comprometido com uma agenda para o desenvolvimento sustentável se, para Ernesto Araújo – discípulo de pregadores do ceticismo climático e do antiglobalismo, entre outras ideias extemporâneas que nem deveriam merecer atenção midiática – o aquecimento global é uma conspiração marxista?
A mensagem subliminar com a extinção da Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia e Ciência e Tecnologia do Itamaraty já indica que não há respaldo para que diplomatas brasileiros atuem de forma propositiva em foros internacionais para promoção de políticas que visem à segurança climática. Tal retrocesso terá graves impactos na agenda comercial, mas também no soft power da diplomacia brasileira acumulada durante décadas, principalmente quando os países mais progressistas, democráticos e inclusivos cada vez mais se alinham com a Agenda 2030.
Tal agenda transformou-se hoje em uma bússola com metas específicas para que não apenas os governos, mas também o setor privado e as organizações da sociedade civil possam cuidar melhor das pessoas e do planeta, frente a uma geopolítica cada vez mais complexa e desalinhada. Negá-la tornará o Brasil incapaz de implementar um modelo de desenvolvimento que traga benefícios no presente para a maioria dos brasileiros e brasileiras – não para as poucas elites –, sem comprometer as gerações futuras.
Frente aos graves indícios de retrocessos na política externa e interna que os ODS articulam, o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC A2030) reafirma a importância da Resolução 70/1 e não medirá esforços para seguir divulgando seu conteúdo. Chamamos a atenção de que as agendas nacionais e internacionais cada vez mais precisam caminhar de mãos dadas. Pelo bem das pessoas e do planeta, esperamos que os 17 ODS continuem sendo implementados no Brasil, pois, se já não estava fácil avançar na contenção das mudanças climáticas, no combate à pobreza, às desigualdades e às imensas injustiças que o país enfrenta, agora, diante de um governo cujas lideranças políticas e técnicas se mostram descomprometidas com os direitos sociais, econômicos e ambientais, o desafio será ainda maior.
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