Iriny Lopes *
O presidente Lula agiu corretamente ao exonerar Antonio Palocci do Ministério da Fazenda. É imperdoável o envolvimento de um ministro na quebra de sigilo bancário, seja qual for a justificativa. Inaceitável que um integrante do PT, que sempre condenou o desrespeito ao jogo democrático, coadune com práticas tão lamentáveis como a violação de direitos constitucionais.
O fato de o caseiro Francenildo dos Santos supostamente mentir numa CPI, bancado pela oposição, não pode ser encarado como senha para invadir sua privacidade. O correto, neste caso, seria requerer a quebra de seu sigilo e a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigar o caso, já que todo o Congresso sabia, e o próprio caseiro admitiu em depoimento na Corregedoria do Senado, que ele era figurinha carimbada em gabinetes de senadores tucanos.
Ora, se Francenildo dos Santos foi instruído pelo senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) antes de seu depoimento, isso apenas demonstra como age a oposição em sua desesperada busca de incriminar o presidente da República, para tentar impedir a sua reeleição. O tom da oposição e os seus métodos desleais aumentam de acordo com as chances eleitorais de Lula. Apesar de todo o massacre do ano passado promovido por essa mesma oposição, ele demonstra ter aprovação da população, quando avaliado o seu mandato e a possibilidade de reeleição.
O tempo é o melhor juiz. Esperamos ver um dia a verdade (e não aquelas que atendem a determinados interesses) prevalecer e a sociedade ter conhecimento do complexo jogo político que se trava nos bastidores, de como se constroem notícias e fatos incriminatórios sem que existam provas e como muitos, mesmo sabendo tratarem-se de injustiças e mentiras (ou verdades parciais), se dispõem a divulgá-las de forma tão absoluta que acabam se transformando em realidade.
Vivemos no mundo em que o real se mistura com a ficção. Como se o narrador dos fatos sofresse de esquizofrenia e em seu surto fantástico, como num quadro de Dali, embaralhasse seres imaginários com personagens reais. Assim, pintam um ministro da Fazenda como um devasso, afeito a orgias sexuais numa casa onde se misturam prostitutas, lobistas e ex-assessores que mais parecem "encostos" vindos de Neverland, a Terra do Nunca. Não fossem poucos os integrantes da cena, há ainda os voyeurs, como o motorista e o caseiro. Impossível não pensar que Hitchcock adoraria tal trama.
Sem desmerecer os caseiros, os motoristas, as prostitutas, o ministro e seus "encostos", há que se louvar o roteiro traçado nos gabinetes oposicionistas e as frases de efeito, como a de Francenildo na CPI: "Vou dizer até a morte que vi o ministro na mansão do Lago Sul".
PublicidadeEles são tão contundentes em seus discursos, mas por que não conseguem emplacar a tese do "Lula demiurgo (arquiteto do universo)", aquele que tudo vê, tudo sabe e, mesmo que não soubesse, tem o poder de pressentir? Onde será que os oposicionistas erraram a mão, que não conseguem, após tanto esforço de imaginação e palavras de efeito, aumentar pontos no Ibope e agradar ao público, mais sintonizado com um script (ou agenda) diferente do que o apresentado em TVs e jornais?
Há algo que os "neodadaístas" (aquele movimento que em torno de 1916 decretou que a arte tinha morrido e que, portanto, a partir dali tudo era arte) da oposição não descobriram. Como qualquer enredo, a história tem que ter alguma simetria, semelhança com a realidade de quem a assiste, e é preciso classificar corretamente o gênero (se ficção, comédia, tragédia etc.) para que o público perceba qual a intenção do autor e escolha, a partir desses pressupostos, o filme que mais lhe convém.
Os diálogos oposicionistas são tão pesados, na esperança de que o apelo piegas e pretensamente altruísta ganhe conteúdo, que acabam se transformando em sitcons (comédias de situação). Erram sucessivamente ao tentar salvar o Ibope de suas tramas, acrescentando ingredientes cada vez mais sensacionalistas, personagens exóticos e falas incríveis.
No mundo real, as pessoas querem saber se terão emprego, se o salário vai aumentar, se estão sendo investidos mais recursos na educação, em obras de saneamento, em habitação popular, em energia elétrica etc. E a esse mundo real Lula tem dado as respostas, que podem não ser as ideais, mas são percebidas pela população como avanços em relação ao passado.
Embora Palocci não conduzisse a política econômica que nós, da esquerda do PT, preconizamos (sempre defendemos um superávit menor e juros baixos para se alcançar investimentos consistentes na área social), ainda assim o governo do PT conseguiu se diferenciar do seu antecessor. Lula vem, pouco a pouco, recuperando o Estado, que, para a política neoliberalista de FHC, deveria ser mínimo e suscetível ao mercado. O PT investiu em programas sociais. Os números são palpáveis e tem a ver com a realidade das pessoas. Isso explica em parte a desenvoltura do petista diante das pesquisas e o fracasso de uma oposição neodadaísta ou neoliberalista, como queiram.
Não se espantem se essa mesma oposição, no limite do destempero, pedir o impeachment de Lula. Faz parte de um dos finais que idealizou para 2006, como se a sociedade fosse incompetente para julgar os políticos por seus erros e acertos. É como se dissessem: "O jogo democrático só serve quando estou ganhando".
Seguem então, esses adeptos do neodadaísmo, estabelecendo a morte daquilo que consideram inadequado e decretam que a partir de hoje tudo que fizerem é válido, é arte. Na arte do vale-tudo, generalizam-se conceitos, situações, pessoas. Perdemos nossa identidade para a representação de um coletivo que nem ideal é, que se assemelha a um bando de lobos famintos, a matilha furiosa pronta a devorar o outro, o diferente.
Nestes momentos é que se descobre que, ao contrário do que diziam no início (que a política sócio-econômica de Lula era uma continuidade do governo tucano), somos distintos em essência. E isso incomoda, sobretudo aos que se apropriam do direito da população de manifestar seus desejos, suas opiniões e os rumos que deseja para o país, por meio do instrumento do voto.
Querem vencer por WO. Mas quem acredita em uma partida ganha onde não existe um time rival, em que a vitória é apenas a ausência do contraponto, do debate? Ora, o PT, mesmo em desvantagem, quer ter a chance de discutir, de comparar, de elencar os seus acertos e admitir os erros. O que está em jogo não é vencer a partida, mas disputá-la até o fim, independente do resultado. E esta é a diferença essencial: a luta pela garantias democráticas, do direito à manifestação, ao contraditório. Resta saber se a oposição vai encarar!
*Iriny Lopes, jornalista, é deputada federal pelo PT do Espírito Santo.
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