Em novembro de 2016, fui indicado por Fabiano Angélico, especialista em transparência e integridade e consultor da Transparência Internacional no Brasil, para participar como expositor no seminário internacional ‘Desigualdad y Corrupción’, organizado pela RCC, rede mexicana de prestação de contas. A tarefa de representar o Observatório Social do Brasil não era fácil, pois era o primeiro painel do evento e ele tratava justamente de “Corrupción e Industrias Extractivas: El Caso Petrobras en Brasil”.
Percebi, ao me deparar com o caso concreto – e não somente por ter que preparar uma breve apresentação sobre um dos principais escândalos de corrupção do mundo (para acessá-la, basta clicar no link acima) -, que o problema da precariedade da governança democrática em países como o Brasil se deve em boa parte à disfuncionalidade da representação política. Não é apenas da qualidade da representação, nem de quão esparsos são os momentos de accountability vertical (nosso processo eleitoral), mas das ameaças que cercam países que chegaram ao impasse em que nos encontramos.
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Não é que tenhamos poucas eleições ao longo do tempo. Se elas fossem mais frequentes, sugeririam uma agenda de governo ainda mais curta, em que o factoide pirotécnico valeria cada vez mais que a evidência científica, para atestar a efetividade das políticas públicas. Algumas coisas, para ser provarem boas, carecem de tempo. Precisamos então de mais momentos de participação aberta, aproveitadas pelo Estado como insumo primordial de suas ações. O combate à corrupção deve seguir o mesmo caminho.
O mandato que os cidadãos conferem aos governantes não pode ser uma carta branca. Supõe o compartilhamento de escolhas – tão difíceis como das que a política deve tratar – e o acompanhamento cotidiano da atividade estatal. Não querer participar e “se livrar do problema” da corrupção, entregando-o a um líder forte, que atropele as regras para entregar o que dele se exige, pode não ser a melhor solução. Corre-se o
risco real de não ver resolvida a questão e, de quebra, flertar com o enfraquecimento de instituições, já não muito sólidas.
Conforme escrevi nas últimas semanas (leia a série), a corrupção, sim, se apresenta de forma institucionalizada e sistêmica no país. Roberta Muramatsu, em artigo sobre corrupção e economia comportamental e citando Ackerman e Palifka, destaca que se o poder confiado “a um funcionário pelo seu empregador ou até mesmo pela massa de eleitores a um prefeito, vereador, governador, deputado estadual, deputado federal, senador e presidente da república” é objeto de abuso, as regras estão automaticamente em risco e, consequentemente, não podem ser invocadas para garantir o interesse da população.
Corrupção como a que temos no Brasil não pode ser combatida com abuso de poder, pois isso também gera corrupção – apenas de outra natureza –, o que afasta ainda mais a população dos centros de decisão política, abrindo buracos na governança pública que certamente serão aproveitados por malfeitores. Não é por acaso que ditaduras e governos absolutamente corruptos se confundem. Eles geralmente começam com a ascensão meteórica de lideranças populistas e demagógicas que prometem acabar de uma vez por todas com o fenômeno que as alçou à suprema posição da qual usufruem. É muita coisa para confiar ao juízo individual de alguém com
tanto poder, não parece?
Sem ver saída provável, a população tende a não enxergar as consequências de escolhas superficiais que entregam tamanho poder a poucos. Além da patronagem e do clientelismo, esse processo de deterioração da representação tem como causas a extrema assimetria informacional, não solucionada pelo sistema educacional, o inconformismo com os danos sociais e individuais gravíssimos causados pela corrupção – que mata de verdade, não apenas metaforicamente! – e até um certo moralismo, que enxerga a moral como bem último, como descreve Clóvis de Barros Filho.
A combinação desses e outros fatores é muito perigosa. Ela contribui para o maniqueísmo político e gera um exagero do caráter moralizante que o combate à corrupção pode produzir como atividade. É como se gerasse valor ontologicamente, apenas por existir, sem necessariamente institucionalizar comportamentos mais éticos
no meio social.
A facilidade de obter capital político apenas por empunhar uma bandeira popular quase inatacável pode ser legitimamente usada. No entanto, alardear o combate à corrupção e a “moralização” dos costumes como principal plataforma revela oportunismo e tendência a arroubos populistas. No começo de 2017, aqui mesmo no
Congresso em Foco, era visível o risco do surgimento de salvadores da pátria.
Portanto, se a única coisa que você sabe sobre um político é esse inconformismo dele com a corrupção, essa vontade de denunciar que as coisas estão erradas e precisam mudar de maneira rápida e acentuada, custe o que custar, lembre-se que dezenas antes dele fizeram a mesma coisa. Os que antes usaram a corrupção para se eleger, hoje respondem a diversos processos criminais. Muitos foram condenados, alguns estão presos.
O risco de exigir que líderes atuem como heróis dos romances medievais de cavalaria, é que, em contrapartida, eles podem se sentir com poder suficiente para fundar novos feudos e reinos, nos quais a vontade popular é um mero elemento decorativo, validador formal desse estado de coisas. Quando o ignoramos, esse é o principal preço que nos cobra o combate à corrupção.
Para mitigar as chances de termos que conviver com algo ainda pior do que aquilo que detestamos, é urgente escolher dentre políticos probos, aqueles que são verdadeiramente democratas, que fazem da política meio da atingir consensos imprescindíveis à sociedade e tratam os recursos de todos nós de forma republicana.
***
Outubro está aí. Não perca a oportunidade de mudar essa história. A hora não é somente a de votar nos melhores candidatos, mas a de ser mais político, de participar mais, de exigir mais espaço para que todos sejam ouvidos. Agora e durante todo o mandato dos novos governantes.
Do mesmo autor:
Não obstante o bom senso da admoestação do texto, é muito importante também lembrar a sabedoria popular: “pau que nasce torto, morre torto”. E, por vezes sem conta, até a cinza é torta.
“Não se combate a corrupção votando em corruptos, nem como corruptos!” (Tahan Al-Camir)
Erro maior seria votar em candidatos que respondem por atos de corrupção, que roubam merenda escolar, que atuam como cangaceiros achando-se coronéis, que vivem de invasões e rapinagem de propriedades de outros (públicas ou privadas), que defendem ou recebem ordens de presidiários (ou de banqueiros), que tentam sem pudores doutrinar nossa infância e ideologizar nossas mais infantes crianças, que não tenham a energia necessária para tomar decisões cruciais, que priorizam utopias ecológicas em detrimento de necessidades básicas (segurança, saúde e educação).
Há quem não tenha ainda entendido que não vivemos uma eleição normal. Nem a facada do terrorismo político os fez entender que vivemos uma situação de guerra, da qual as vítimas seremos todos nós, nossas liberdades (políticas, ideológicas, religiosas e, morais), a educação de nossos filhos, a saúde de nossos irmãos.
É preferível o risco da mudança à direita do que a certeza de ser jogado no abismo da esquerda. É necessário reagir enquanto se tem energia para tanto, porque depois que a fome assolar (como na Venezuela) e o senso moral acabar, a maior vítima poderá ser você!