As Queixas de Jair Bolsonaro
A longa cruzada do candidato Jair Bolsonaro contra as urnas eletrônicas me produziu certa surpresa, mas só no começo. É difícil acreditar que ele não soubesse que a justiça eleitoral não poderia mudar, como ele pretendia, o voto eletrônico tipo DRE (em seguida explicarei o que é isso) pelo voto de dupla mídia (digital e impressa), que seria o único que daria segurança ao exigente candidato.
Não quero dizer que o TSE tivesse algum escrúpulo para fazer algo irregular. Afinal, já haviam sido feitas muitas coisas, desde proibir que um candidato bem conhecido se presentasse a eleições nem sequer que votasse, até cortar o direito ao voto de 3,3 milhões de eleitores das periferias brasileiras, até…. etc. etc. etc.
O TSE não poderia fazer o que Bolsonaro queria (mesmo se a queixa tivesse sido séria e estivesse justificada), porque o tempo e trabalho de uma tal modificação é fisicamente impossível a última hora. Aliás, lidar com a urna eletrônica é divertido, especialmente para jovens e também para aposentados como eu. As pessoas costumam ter uma certa sensação de poder quando lidam com um teclado, seja do caixa do banco, de um sistema de games ou (por que não?) da urna que vai decidir sua vida durante os próximos quatro anos… (ou, pelo menos, que simula fazê-lo).
Leia também
Seria natural que um candidato com um estilo, vamos dizer, levemente fora do padrão, se sentisse preocupado por não saber se essa engenhoca seria fiel a seus muitos eleitores. Porém, também é natural pensar que um capitão de exército numa área técnica onde se usam armas computadorizadas, e que também é político veterano, tivesse alguma familiaridade com uma tecnologia relativamente simples como a das urnas.
Só no final entendi o sentido daquela queixa.
É verdade que a substituição dos milhares de urnas usadas no Brasil por outras urnas da chamada segunda geração, não poderia ser feita em alguns poucos meses (ou semanas, como queria o capitão).
Porém, poderia ter sido usado esse tipo de máquina desde há dez anos. Não seria por falta de dinheiro que o estado brasileiro ia renunciar a alguma emocionante novidade.
Por razões de bom senso, nenhuma das duas vezes que votei no Brasil, fiquei observando os detalhes da urna que usava, mas tenho a impressão de que as máquinas brasileiras utilizam a arquitetura da primeira geração, dita DRE Direct Recording Electronic voting machines, máquinas de votar de registro eletrônico direito. Elas tem a arquitetura mais simples, que consiste num sistema de registro em mídia digital, semelhante a um disco rígido de um computador.
É muito claro que a confiabilidade dessas máquinas é proporcional ao grau de segurança que possua o software utilizado, como em qualquer sistema digital.
A segunda geração de urnas possuem um sistema chamado: VVPAT, Voter Verifiable Paper Audit Trail, ou seja Trilha de auditoria em papel para ser conferida pelo eleitor. Nesse sistema, quando você digita o comando final de sua eleição, seu dedo aciona ao mesmo tempo um mecanismo simples de impressão em papel dos dados que você inseriu. Naquele mesmo momento, você pode conferir se ambos coincidem, e depois guardar o comprovante para o caso de uma eventual recontagem.
Enfim, nada mais complicado que um simples micro com um sistema operacional rudimentar, munido de uma impressorinha nada sofisticada, tipo computadores de crianças dos anos 80. Estes métodos eram já conhecidos em 2008, e foram tornados obrigatórios em, pelo menos a Holanda e a França, para evitar “erros”.
Pensado em tudo isto percebi que a preocupação de Bolsonaro não era, como acreditei no início, nada ingênua. (É verdade que as máquinas que se usam hoje no Brasil imprimem uma trilha completa para controle dos próprios gerentes do sistema, mas não imprimem um canhoto individual e sigiloso para cada eleitor, como acredito que o capitão pretendia).
Apesar de que a queixa era justificada, achei esquisitos dois aspectos. Um, que Bolsonaro fizesse esta reclamação de maneira tão barulhenta, já que, se alguém fosse lesado por alguma “involuntária” ação do TSE, certamente não seria ele.
Outro aspecto esquisito, foi que as respostas, primeiro de Toffoli, e depois de Frau Weber fossem tão secas e inexpressivas, que pareciam dizer: “Vamos, Jairinho! Não vai desconfiar da gente!”. Aliás, a piada sobre Saci Pereré, na boca de alguém que não é precisamente um Woody Allen, pareceu extemporânea. Que estava acontecendo?
Não posso deduzir uma conclusão assertiva, mas sim uma muito provável. Ninguém seria capaz de faltar com o devido respeito ao Capitão, mas esse pequeno show serviria para que nenhum outro se sentisse com direito a protestar. Não por nada, os grandes democratas de farda se reuniram, pouco antes da eleição, para advertir que: o resultado deveria ser acatado por todos, quem quer que fosse.
Os Fatos Curiosos.
Não voltei a pensar no assunto até que fui votar no domingo numa seção da maior cidade do litoral paulista. Já havia votado aí em 2016, mas desta vez achei algo mudado.
Um fato anedótico é que eleitores que pareciam ter uma decisão bem definidas, falavam com tranquilidade com os policiais que deveriam custodiar o processo e trocavam opiniões sobre seu candidato com outras pessoas presentes. Minha surpresa aumentou quando passou a meu lado um senhor bem vestido, mas ou menos de minha idade, e me disse num sussurro: “Bolsonaro na cabeça!” e seguiu. Não lhe disse que boca de urna era crime porque não quis criar caso.
Em seguida, percebi que alguns mesários dispensavam eleitores cujas digitais não coincidiam com os registros. Fraude dos eleitores? Nada disso! É comum que pessoas de certa idade, que toda sua vida trabalharam em tarefas nada leves, tenham prejudicada a pele dos dedos. Aí pude fechar outra parte da charada: dias antes, o TSE havia cortado aqueles milhões de cidadãos do movimento SEM-BIOMETRIA. Melhor não correr riscos.
Na hora em que os funcionários fecharam as urnas, alguns fiscais mais conscientes do que acontecia pediram comprovantes (aquela trilha longa com os dados acumulados), e foram atendidos. O curioso foi que não parecia ser algo de praxe, e que os outros fiscais nem sequer ligaram para esses dados.
Também, achei esquisita a forma descontraída em que as máquinas eram manuseadas, embaladas e transportadas. Na França, por exemplo, as urnas das eleições são cuidadosamente custodiadas por funcionários com crachá e por guardas policiais. Sim, já sei, a França não tem instituições transparentes e impolutas como as nossas, mas não faria mal tomar cuidado.
A Segurança das Urnas
A queixa de Bolsonaro serviu para que os juízes tivessem oportunidade de dizer, com o conhecimento de informática que dão a jurisprudência e a doutrina, que as urnas eram bem seguras. Se tivessem dito isso de maneira espontânea, alguém poderia ter-se perguntado: “Por que precisam advertir isso?”. Se essa foi a intenção, deu certo. Não li em nenhum lugar queixas sobre a segurança de nenhum setor político. É curioso como o brasileiro comum é confiado. Embora a confiança possa ter riscos, ela faz a vida mais prazerosa e a sociedade menos policial. Porém, vale a pena pelo menos comentar:
Na última pesquisa de IBOPE, Bolsonaro estava com 41% (votos válidos)
Na última pesquisa da DATAFOLHA, estava com 40% (idem)
Na última pesquisa VOX/247, estava com 40% (idem)
Na apuração dos votos, mesmo faltando 3%, Bolsonaro já tinha 46,55.
Só resta pensar que temos estatísticos e pesquisadores muito ousados, que lidam com margens de erro de 6,55 por cento (para mais ou para menos?)
Um probabilista teórico me diria para não ser alarmista. Afinal, a probabilidade de que ao aquecer um mililitro de água, esta se congele em vez de ferver, não é nula, embora seja “pequeníssima” (chamado Efeito Mpemba). Sim, mas isso na teoria. Eu nunca consegui fazer gelo no fogão.
Finalmente, qual é a segurança das urnas.
Segundo as informações oficiais, durante os anos que se usaram urnas eletrônicas não se encontrou nenhuma fraude. Acredito, sem dúvida. Com efeito, quem poderia “encontrar” a fraude.
Observe que este problema se parece a um suposto paradoxo da Mecânica Quântica, o chamado princípio de indeterminação. (Sim, a mecânica quântica existe, mas não é uma disciplina espiritual, como acreditava o felizmente aposentado ministro Aries Brito). Se você não é um super-usuário, mas apenas um hacker experiente, sem dúvida terá muita dificuldade para “hackear” um sistema fortemente criptografado (por exemplo, terceira geração).
Ora, se você for um super-usuário, e faz qualquer modificação nos dados, esse não será uma fraude, pois você estará fazendo usando seus atributos normais. Eu modifico qualquer coisa em meu computador, pois sou o único que o uso.
Mas, a verdade é que fraudes por cracking direto do software são coisas raras. Não se assuste, não precisa usar o aplicativo Pardal, até porque pode ser que ninguém se interesse. Como em muitos outros casos em que se misturas togas com svásticas, estas dúvidas de alguns de nós nunca serão resolvidas. Como disse Santo Agostinho: “Aceita como verdadeiro o que não podes entender”.
Ótima coluna. Alguns pitacos simplórios:
1) Ao contrário da maioria dos eleitores de Bolsonaro, não acredito em fraude nas urnas e tenho confiança no sistema de votação. No entanto, ele seria ainda mais confiável e passível de aferição com o voto impresso – tecnologia rudimentar e de fácil implantação, como destacou o articulista;
2) Foram milhares as denúncias de fraude neste domingo. Se são verdadeiras ou não, a obrigação das autoridades é a de investigar, sob pena de prevaricação, não a de descartar apressadamente todas as ocorrências como se fossem “fake news”. O Ministro da Segurança chegou ao cúmulo de dizer que irá investigar aqueles que denunciaram, numa clara demonstração de intimidação. Ora, que primeiro se investiguem seriamente as denúncias, é este o dever de ofício. Depois, se for o caso, que se punam aqueles que fizeram denúncias falsas de má-fé (o que somente se pode constatar após verificar o teor das denúncias, por óbvio).
3) Os institutos de pesquisa erraram feio de novo, especialmente na eleição do Rio e em Minas para governador. Não devem ser levados tão a sério nas próximas eleições, indica o bom senso. A mídia trata estas pesquisas como se fossem uma fotografia fidedigna do eleitorado, e temos visto eleição após eleição que não é bem assim. No máximo estas pesquisas servem para indicar tendências (e mesmo nisto às vezes erram), com números muito distorcidos.