O Fórum Social Mundial de 2010, que acontece esta semana em Porto Alegre, comemora dez anos de vida. Entre seus intelectuais e articulistas, me chamou a atenção especialmente um texto de Susan George, doutora em política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) e presidente do conselho de administração do Transnacional Institute (Amsterdã). Ela diz que embora as reuniões do Fórum Social Mundial sejam marcadas pela esperança, ninguém tem razão para celebrar o ano que passou.
O ponto alto foi a Catástrofe de Copenhague – cujo resultado trouxe péssimas perspectivas para a raça humana – acrescentando-se a lamentável atuação do G-20 no sentido de salvar o FMI da extinção oferecendo o equivalente a US$750 bilhões em dinheiro de contribuintes sem colocar nenhuma condição. Assim, o Fundo,mais uma vez, está livre para impor suas catastróficas políticas de ajuste estrutural. Ou seja, a “miséria planificada” resultante das estratégias neoliberais, continuará na ordem do dia.
Os bancos, ressuscitados pelos governos, voltaram ao antigo modo de operação. O sistema bancário dos Estados Unidos gastou mais de US$ 5 bilhões fazendo lobby para se livrar de uma dúzia de regulamentações. A crise financeira foi o resultado direto destes esforços. O fato é que sob nenhum padrão – a não ser os utilizados pelos bancos e mercados de ações –, a crise foi superada. O desemprego aumentou enormemente, bem como o trabalho precário. As desigualdades nunca foram tão grandes entre os países ou dentro deles. Os bancos não estão emprestando para pequenos e médios negócios, que estão falindo. O enorme aumento no preço dos alimentos, que em 2008 mergulhou 100 milhões de pessoas na fome crônica, foi causado, em grande parte, pela substituição das lavouras de alimentos por lavouras de agrocombustível nos Estados Unidos e Europa e, acima de tudo, pela especulação dos mercados de commodities. Tais aumentos de preços arrefeceram no decorrer de 2008, mas em 2009 voltaram a subir e continuam em ascensão.
As conclusões do lamentável estado da economia são as seguintes: o triunfo do neoliberalismo continua trazendo vantagem apenas para uma ínfima minoria, a mesma que é servida pelos governos do G-20. Se imaginarmos a organização do mundo como uma série de círculos concêntricos, o primeiro e mais influente é certamente o das Finanças, agora totalmente divorciada da economia real. Mais de 80 por cento das atividades relacionadas aos empréstimos vão para o próprio setor financeiro e não para a produção, distribuição e consumo.
O próximo círculo é a Economia, livre para ir onde o custo do trabalho e dos impostos forem mais baixos. Juntas, finanças e economia regulam a Sociedade e ditam sua organização. E esta sociedade obviamente não está organizada para satisfazer as necessidades dos cidadãos. Finalmente, e menos importante que todo o resto, está o meio ambiente. Copenhague provou que o menor círculo permanece sendo o lugar de onde tiramos nossa matéria-prima, incluindo o petróleo, gás e carvão e onde despejamos o lixo.
O maior desafio para o FSM é reverter a ordem de importância desses círculos.
Precisamos obedecer às restrições colocadas sobre nós pelo planeta porque não podemos fazer diferente e esperar sobreviver. Em seguida, vem a sociedade, democraticamente organizada de maneira que as necessidades básicas sejam reconhecidas e satisfeitas, serviços públicos oferecidos de maneira automática, oportunidades de emprego aumentem e desigualdades diminuam. A Economia precisa ser organizada para satisfazer as demandas da sociedade, com empresas de tipo mais cooperativo. O mercado permanece um aspecto importante e funciona de acordo com as forças tradicionais de oferta e demanda, contudo os mercados podem ser eficientes e promover inovação contanto que sejam regulados. Finalmente, as Finanças devem voltar a ser um instrumento a serviço da economia, e não ao contrário.
Abaixo, algumas propostas concretas apresentadas pela autora:
– Nacionalização e socialização, ao menos parcial, de quaisquer bancos que recebam dinheiro público, obrigando-os a emprestar a juros zero para pequenas e médias empresas sociais/verdes, de modo a acelerar a conversão desta para uma economia de energia renovável e administração cooperativa.
– Projetos keynesianos de infraestrutura verde para a criação de empregos financiados através da emissão de títulos de créditos especiais (na Europa isso significaria mudar a natureza do Banco Central Europeu)
– Iniciar o debate sobre limitação de renda: se a pessoa com o menor salário recebe uma quantia equivalente a 100, qual deveria ser o teto para o mais bem pago? 500?1000?10.000? Temos incontáveis estudos sobre os pobres, mas não sobre os ricos.
– Campanhas internacionais sobre paraísos fiscais. Idem para taxação internacional, incluindo impostos sobre transações financeiras de qualquer tipo, com a prerrogativa de serem usados, ao menos parcialmente, para financiar medidas de mitigação das mudanças climáticas em países pobres. Restabelecer os impostos sobre fortunas particulares abolidos pelo neoliberalismo e usá-los para financiar serviços públicos.
– Um sistema de contabilidade internacional que revele e, portanto, exclua a evasão de preços de transferência e repatriação de capital por corporações transnacionais.
-Restabelecimento (ou, na Europa, introdução) da separação de funções bancárias do tipo glass-steagal, com o crédito sendo considerado como bem público (e naturalmente sujeito às regras de precaução). Restabelecimento de diversas medidas regulatórias, particularmente sobre o mercado de commodities, que foram abolidas nos últimos 10 ou 15 anos.
– Cancelamento de débitos em troca de reflorestamento e bio-conservação para os países menos desenvolvidos.
São propostas, a meu ver, sensatas e razoáveis, com as quais deveria concordar qualquer pessoa de bom-senso, não fosse este último um artefato absurdamente raro no pensamento midiático atual. O fato é que ultimamente muita gente (Mirisola inclusive) tem sugerido que, nesta coluna, eu fale mais de mim, escritora, mas o grande problema é que não consigo silenciar diante duma realidade que aí está, injusta e estúpida, decorrente duma inversão total de valores – tal como apresentada aí atrás. No âmbito desta coluna, a difusão dum pensamento progressista e a crítica duma hegemonia injusta imposta a todos é o mínimo que posso fazer como ser humano responsável.
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