Uma reflexão a respeito do tipo de Nação que pretendemos ser torna-se urgente e indispensável após o episódio da última quinta-feira que abalou a campanha eleitoral, a um mês do pleito nacional e na véspera do Dia da Independência. O Brasil precisa perceber que sua prioridade hoje é uma nova declaração de independência. Caso contrário, estará fadado a despencar por um abismo sem fundo.
Mais do que inaceitável e deplorável, a agressão vai além do presidenciável Bolsonaro. Ela fere a democracia e expõe as vísceras de uma sociedade tão perturbada quanto parece ser a mente do agressor. O mais grave, porém, é que a facada no candidato não é um fato isolado nem um surpreendente primeiro caso de violência política em meio a um mar calmo em dia ensolarado de férias. Ela é resultado de um clima insípido e
instável em que a geleira de espírito disputa espaço com o furacão da intolerância.
Há tempos esse clima vem se formando, aos olhos de tudo e de todos. O mês de março de 2018 foi marcante nesse sentido.
A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram executados a tiros no centro do Rio de Janeiro, em crime bárbaro até o momento não esclarecido. Teve calada a voz que ganhou musculatura e a alçou à política em defesa de comunidades vulneráveis e todas as minorias, mas ao mesmo tempo contrariando interesses econômicos e políticos poderosos. A ação, premeditada e por razões meramente políticas, privou o país de uma representante combativa e comprometida com as mais nobres causas sociais, quem sabe uma ótima opção para governar o Rio ou o Brasil. Jamais saberemos.
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Também em março, um dos ônibus da caravana do então pré-candidato Lula foi alvejado no interior do Paraná por dois tiros e teve dois pneus furados por pregos espalhados pela rodovia. Uma autêntica emboscada contra as posições políticas de uma liderança popular.
Os três atentados guardam a mesma e lamentável característica: resultam da intolerância que se multiplica como vírus na sociedade brasileira. Resultam de uma cultura de ódio que transforma a disputa pelo voto num enfrentamento em que vence quem grita mais alto, ou quem atira melhor, ou quem esfaqueia com mais força, deixando em terceira, quarta ou quinta dimensão a disputa por ideias, o convencimento, o argumento, a palavra.
PublicidadeA análise crua e fria em relação àquilo que representam as vitimas dos três atentados nos leva a uma única conclusão: a de que é possível mudar nosso país, desde que seja sem ódio, com tolerância, sem preconceito, com harmonia, sem pré-julgamento, com abertura para transitar entre as mais variadas opiniões.
O paralelo entre os três episódios se restringe ao clima tenso e intolerante que se dissemina no país nos últimos anos, especialmente após os protestos de 2013.
No mais, há um fosso gigantesco entre as mensagens de cada um dos alvos aqui citados e suas consequências.
Afinal, há uma distância colossal entre defender direitos humanos e a criminalização de condutas pessoais, ou entre defender a revolução educacional ou a triste máxima do “bandido bom é bandido morto”.
Agora, será que não foi essa mesma máxima que originou o lamentável ataque de quinta-feira? Ou seja, uma reação cruel e indefensável a um recorrente estímulo da cultura do ódio perpetuado pelo presidenciável? Ou não era ele que, poucos dias atrás num comício no Acre, empunhava um pedestal de fotografia simulando uma metralhadora e gritava palavras de ordem para “fuzilar” e “eliminar” seus adversários, sob risos e aplausos entusiasmados?
A diferença elementar entre os três episódios de intolerância política aqui citados está na mensagem empunhada de cada um deles. E pela responsabilidade que acompanha qualquer ato, fala, decisão ou movimento de quem se coloca como postulante ao cargo executivo mais importante do país.
Marielle foi assassinada por defender os menos favorecidos e enfrentar poderosos. A caravana de Lula foi alvejada por representar, para uns, a ameaça aos privilégios de uma elite retrógrada, e para outros, o mito de que é criador e responsável por toda a corrupção do país. Como o inquérito permanece inconclusivo, é provável que jamais saibamos a motivação.
Por fim, ainda que nada justifique a agressão, Bolsonaro foi esfaqueado, de acordo com o próprio agressor, pelo permanente discurso crítico, intolerante e machista em relação a homossexuais, negros, mulheres, índios, pobres, nordestinos, esquerdistas, estrangeiros, ou seja, todas as minorias.
A pergunta que se coloca diante de toda brasileira ou brasileiro que deseja um pais melhor para todos, e não apenas para alguns, é: o que levou esses também brasileiros a empreenderem atentados contra a vida de conterrâneos brasileiros? Contra candidatos que viajam o Brasil para disputar o voto na palavra, na ideia, no propósito por um Estado de bem-estar social?
Como fomos capazes de gerar corações tão frios a ponto de colocar em risco a vida de pessoas dispostas a nos representar? Ou, por outro ângulo: como fomos capazes de deixar a situação se degringolar a ponto de permitir que voltássemos à Idade Média na propagação do ódio e da intolerância, as chagas deste nosso tempo moderno.
É preciso, urgentemente, refletir sobre nosso futuro. Mas começar a desenhar esse futuro agora, hoje, imediatamente.
É preciso superar o reflexo emotivo do atentado de quinta-feira e manter em ordem o que nos resta de sanidade para uma análise desvinculada em relação aos possíveis desfechos deste xadrez que representa a política nacional.
É preciso refundar nosso país, mas sob bases democráticas, de forma colaborativa, compartilhada, com participação de toda a sociedade, e não só de uns poucos escolhidos. É necessária uma nova declaração de independência do Brasil!
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