Como renovar a política brasileira?
Fiz essa pergunta a várias pessoas próximas, de diferentes perfis. Gente de 16 a 60 e muitos anos de idade. Era o tema de um debate do qual participei na quarta-feira (13) e as contribuições delas me ajudaram muito a fazer as anotações que lá apresentei. Estimuladas pela pergunta, duas dessas pessoas – o cientista político Ricardo de João Braga e Gilberto Santos, do Cimi – acabaram escrevendo artigos superinteressantes, que publicamos em nosso site. Se você clicar no nome deles, encontrará os textos. Vários outros e outras contribuíram, e as respostas, misturadas com algumas coisas que penso, deram forma ao que expus no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, e repetirei aqui com poucas adaptações.
Pra começar, uma questão. Jornalista tem que discutir como ter renovação política? Não deve apenas cobrir e relatar fatos? De fato, para muitos, não é papel de jornalista discutir como as coisas poderiam ser. O jornalista deveria cuidar só de como as coisas são.
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Essa é uma ideia que nós, no Congresso em Foco, rejeitamos. No mundo desafiador de hoje e num país tão carente de mudanças como o Brasil, o jornalismo pode e deve discutir saídas e repensar rumos.
Relatar fatos e mostrar problemas são duas tarefas fundamentais da missão que o jornalismo pode desempenhar, produzindo informações indispensáveis ao pleno exercício da cidadania.
Mas tem um pedaço bacana aí pra fazer que chamo de jornalismo de soluções. O objetivo não é, pretensiosamente, sugerir caminhos. Mas, sim, reunir os atores sociais e, de forma democrática e plural, debater formas de mudar a realidade para melhor – para melhor, insisto, porque para pior, ao contrário do que imaginava o deputado Tiririca, a gente viu que sempre é possível ficar.
Tendo essa concepção não muito comum de jornalismo em mente, fizemos vários e esperamos fazer muitos outros eventos de debates e formulação de propostas, a que damos o nome de Diálogos Congresso em Foco. Criamos o Prêmio Congresso em Foco, que é um convite para as pessoas apontarem quem elas consideram os melhores parlamentares do país, num esforço para valorizar o Congresso e a democracia e também para buscar boas referências na política. A ideia é incentivar a difícil separação do joio do trigo nessa zorra que é a política brasileira. E adoramos abrir nosso site e nossa revista para pessoas de diversas visões ideológicas que desejam contribuir para melhorar a qualidade da política que hoje se faz no Brasil.
De certa maneira, tento aqui começar a responder a pergunta. Renovar a política passa pela existência de um jornalismo que se abra para o novo. Que fale de passado e presente, mas também de futuro. Que não se deixe levar pelo negativismo desmedido ou pelo cinismo, nem pelas polarizações artificiais entre forças políticas que são muito mais parecidas entre elas do que tentam vender. Que não tenha medo de tomar como suas as angústias que são de todo mundo.
Beleza, e aí? Como renovar a política? Vamos lá.
A política vai mudar…
Se a gente investir na formação política e na busca de conhecimento compartilhado e colaborativo desde a infância.
Se as instituições cumprirem seu papel, fazendo a lei valer para todos, o que envolve atuação mais firme do Judiciário, sobretudo no julgamento de crimes cometidos por políticos e pelos poderosos em geral.
Se houver mais transparência sobre os atos dos agentes do Estado.
Se o Congresso Nacional e as demais instâncias de decisão forem mais representativos da diversidade de gênero, cultura e etnia do Brasil. Precisamos de mais mulheres, mais negros, mais indígenas e mais representantes LGBT na política!
Se todos os poderes, a começar pelo Legislativo, tiverem como rotina a participação efetiva da população em suas decisões. Não a participação marqueteira, que dá foto e estatística. Mas participação pra valer, para melhorar a qualidade das decisões e aumentar a legitimidade dos próprios representantes leitos.
Se as pessoas se informarem adequadamente antes de escolher os candidatos e se acompanharem e fiscalizarem os eleitos.
Se o Brasil continuar produzindo, como tem ocorrido, incontáveis movimentos e organizações que trazem para o debate político um pessoal que sempre esteve fora dessa conversa e que têm dado origem a novas formas de fazer política. São formiguinhas se mexendo na floresta, mas aqui temos boas notícias (veja nota no final do texto *).
Se soubermos superar aquilo que José Murilo de Carvalho chama de pecados originais da nossa república: a escravidão, o patrimonialismo, o patriarcado e o latifúndio.
Se a legislação permitir candidaturas avulsas e voto facultativo.
Se a população puder cassar mandatos eletivos, respeitados o direito de defesa e os trâmites próprios de um regime democrático (o recall).
Se as eleições não se decidirem pela força do dinheiro, o que em muitos casos também significa a força de que tem mais acesso à máquina pública ou dos mais corruptos.
Se tivermos uma Justiça eleitoral menos formalista e que pare de tentar reinventar a lei, tentando substituir o Legislativo, e cuide do que não faz: garantir a realização de eleições limpas – sem compra de votos, com muuuito menos corrupção e sem o gigantesco e jamais enfrentado problema da compra de cabos eleitorais.
Se houver maior transparência em relação ao uso dos recursos públicos entregues aos partidos.
Se for permitido uso intensivo da internet nas eleições, inclusive na fase de pré-campanha, de modo a democratizar as campanhas eleitorais. Ou seja, fazendo o contrário do que fez o Congresso, que proibiu a propaganda na internet, preservando apenas os dois canais mais usados para a propagação de notícias falsas e para a manipulação de eleições – o Google e, sobretudo, o Facebook.
Se os partidos, que em sua grande maioria funcionam hoje como máfias irrigadas pelo dinheiro dos contribuintes, forem substancialmente democratizados.
Se a população for chamada a se manifestar sobre as regras de distribuição dos recursos do bilionário fundo partidário, mantido pelos impostos que ela paga.
Se aumentar a autonomia política e econômica dos municípios e se os entes municipais e estaduais forem menos dependentes das decisões e das verbas do poder central.
Se a política contribuir para ajudar, ou pelo menos não atrapalhar demais, o Estado a prover boas políticas públicas, sobretudo nas áreas de educação, saúde, segurança pública e infraestrutura.
Não veremos a política mudar…
Se a gente achar que renovação é questão de idade ou de nomes. Tudo bem que é difícil cachorro velho aprender truque novo, mas nomes novos nada significam se as práticas também não forem novas.
Não vai mudar se continuarmos a ser o país das desigualdades e da violência, das oportunidades para poucos e do governo para os amigos.
Se não formos capazes de ouvir e tentar compreender quem pensa diferente de nós.
Se aderirmos a totalitarismos, de esquerda ou de direita. Tem belas figuras nos dois campos, e no centro também. Hoje, elas são minoria porque os bandidões tomaram de assalto todos os quadrantes da política. Incentivar o debate civilizado e respeitoso entre diferentes, que se destacam pela força de suas práticas ou ideias, reduzirá o espaço dos corruptos e oportunistas.
Não vai renovar se a gente achar que renovação é o velho repaginado.
Se a democracia for usada como via para propostas ou grupos políticos que ameaçam a democracia.
Respeito quem pensa diferente, mas vejo que muitas pessoas, na pressa de buscarem soluções fáceis para problemas difíceis, compram verdadeiras bananas podres como se fossem opções para “consertar o Brasil”. São produtos antigos, cujo conteúdo é essencialmente composto de truculência verbal, marketing eficaz, completo despreparo político, vocação autoritária e poderosas máquinas de difusão de mentiras.
Não pode haver renovação com quem traz o risco de ruptura com a democracia. Renovação não é Bolsonaro, como também não foi Collor.
Renovar não é mudar nomes, é mudar práticas! É criar uma nova mentalidade, tanto entre cidadãs e cidadãos quanto entre políticos e políticas. É reinventar um sistema político que apodreceu.
Renovar é também, independentemente de idade e de posição ideológica, cultivar no coração ou na cabeça boas doses de generosidade e sonho. Sem isso, nada faz muito sentido – nem jornalismo, nem política, nem Brasil.
(*) Vale citar, entre os sinais estimulantes de renovação, iniciativas apartidárias (sem vínculos com partidos) como os observatórios sociais que se espalham pelo país afora, fiscalizando o poder local, o Nova Democracia, o Agora, o Acredito, o Movimento Transparência, o Movimento Brasil 21; e também movimentos suprapartidários (que juntam independentes e ativistas de diferentes partidos políticos) como Quero Prévias, Bancada Ativista e os mandados participativos, cuja versão mais inovadora é provavelmente o Muitas, de Belo Horizonte.
É possível que você tenha coisas mais elaboradas ou mais interessantes a dizer, ou simplesmente queira sustentar suas divergências em relação ao que está escrito acima. Sinta-se à vontade para contribuir para o debate enviando seu texto – ou vídeo – para redacao@congressoemfoco.com.br.
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