Domingo é dia de ir à missa. Dia de rezar e falar mal de Herodes, rei da Judeia, o soberano cruel que decretou a morte dos recém-nascidos de Belém. Calculou-se que naquela cidade viviam cerca de mil habitantes, dos quais uns vinte se enquadrariam na ordem de execução.
Atualmente, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação ONU/FAO, nosso planeta produz alimentos em quantidade suficiente para sustentar todos os seus habitantes. No entanto, a cada cinco segundos morre uma criança de fome. Isto significa que a cada cem segundos repetimos a chacina de Herodes.
Nos EUA, 25% das crianças abaixo de 12 anos passam fome. No Reino Unido, uma a cada dez crianças vive na miséria. Na França, 8% dos menores de 18 anos estão entregues à pobreza – mal que afeta uma a cada sete crianças alemãs. E no tão rico Brasil – ali, do outro lado da rua -, um exército de 50 mil crianças perambula à cata de esmolas. Fazem parte de uma massa de 23 milhões de jovens indigentes.
No campo da saúde, nossa vergonha é ainda maior. A cada 30 segundos a malária ceifa a vida de alguma criança pelo mundo afora. No nosso país, a cada dia, 20 crianças morrem por conta de doenças causadas pela falta de um simples esgoto sanitário. Sim, a cada dia repetimos, sobre o solo deste país tão cristão, a chacina de Herodes, aquele monstro bárbaro.Leia também
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Diante desta vergonha, perante tamanha falta de coração e de sentimentos, é inevitável a busca pelos culpados. E eles estão por toda parte – afinal, um mal tão grande não pode mesmo ser obra de poucos.
Mas, que tal discutirmos, aqui e agora, a nossa parcela de culpa enquanto parte do mundo das leis? Não falo, aqui, de Poder Judiciário. Falo de algo mais amplo. Falo de todo um sistema legal que tem falhado.
Violência contra crianças? Apenas 32 países em todo o planeta a proíbem em todas as suas formas. Desenvolvimento e geração de riqueza? O Brasil poderia crescer 20% mais a cada ano se suas leis fossem aplicadas com maior rapidez e presteza. Impunidade? Da recente crise econômica de 2008, que lançou dezenas de milhões de semelhantes nossos na miséria, não restou um único processado em todo o globo.
Está aí a nossa culpa, a nossa tão grande culpa: resistimos às mudanças, sem perceber que as coisas da vida passam – e passam muito depressa.
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