Zona rural do município de Caetés, agreste Pernambucano. A cerca de 250 km de Recife, vivem Elenir, o marido e os oito filhos. Para sobreviver, a família de pequenos agricultores vende o pouco que produz. Mas a colheita de feijão, milho e mandioca às vezes só dá para alimentar os de casa. É quando vem o temor de que as crianças e jovens, que têm entre 8 meses a 20 anos de idade, vivam o mesmo pesadelo já enfrentado pela mãe em tempos não muito distantes: a fome. “Ah, rapaz, quem num tem medo de o filho da gente passar por uma coisa assim, né?”, indaga Elenir.
Entrando pelo sertão, mais histórias de vida difícil. Lucivânia vive com o marido e um casal de filhos no povoado de Passagem de Pedras. O local fica a uma hora e meia de ônibus de Ouricuri, o município de referência. Esse, por sua vez, fica a oito longas horas de carro da capital, Recife.
O sustento, o casal sempre tirou do plantio de milho, feijão e sorgo. A capacidade de trabalho deles, no entanto, diminuiu consideravelmente, depois que Lucivânia desenvolveu um quadro de fibromialgia. As dores pelo corpo foram incapacitantes para a lida diária na roça.
Sem poder ajudar na produção, a sertaneja passou a se dedicar aos cuidados com os filhos. A mais velha, com 18 anos, não pode trabalhar, por causa de sequelas deixadas por um acidente de bicicleta há 8 anos, quando sofreu fratura do crânio.
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Recentemente, em razão dessa enfermidade, a família conseguiu do INSS o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de um salário-mínimo. Seria apenas um alívio para quem gasta mais de R$ 1 mil em medicamentos, para tratar mãe e filha. Mas com essa concessão, outro benefício, o Bolsa Família, acabou cancelado. Justo na hora em que nova preocupação surge em casa: um nódulo no pescoço do caçula, e nenhum dinheiro para conseguir um exame com uma mínima rapidez que a enfermidade talvez exija.
Assim como Elenir, Lucivânia diz que a família chegou a passar fome. Para tentar afastar esse risco que de novo ronda a sua casa em razão de um orçamento que não fecha, ela já começou a se desfazer do pouco que tem. “Da criação de 15 bodes, só sobraram 5. Tive que vender os outros. Tá muito difícil, e não vejo nenhuma possibilidade de melhora. Até transporte escolar eu tô tendo que pagar aqui”, desabafa, com a voz embargada.
O que une os relatos dessas duas batalhadoras do semiárido pernambucano é o mesmo elemento de impulsão a uma caravana, que a partir do dia 27 de julho vai atravessar quatro regiões brasileiras: trata-se do iminente retorno do Brasil ao mapa da fome da ONU, abismo social (e moral) do qual saímos no ano de 2014, mas para onde parece que estamos voltando de maneira acelerada, por circunstâncias econômicas e políticas.
“O objetivo com a caravana é chamar a atenção da sociedade brasileira, no campo e na cidade, a refletir e a pensar quais são os significados de estarmos voltando a uma situação de pobreza e de fome”, explica Alexandre Henrique Pires, coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede iniciada em 1999, hoje formada por mais de 3 mil organizações, incluindo sindicatos rurais, associações de agricultoras e agricultores, cooperativas e ONG’s. A ASA atua nos 10 estados do semiárido (os nove do nordeste e MG), uma área que ocupa um quinto do território brasileiro, 85% da região nordeste, e abrange mais de 1200 municípios, onde vivem 27 milhões de pessoas.
Itinerário
De Pernambuco a Curitiba, serão quase 3 mil quilômetros. O ponto de partida é a Caetés da família de Elenir. Do município, vão partir dois ônibus, com aproximadamente 90 pessoas, entre agricultores, assessores técnicos, jornalistas, jovens, enfim, mulheres e homens do semiárido.
De lá, o grupo vai a Feira de Santana (Bahia), atravessa o semiárido mineiro (região norte e Vale do Jequitinhonha), passa por Belo Horizonte, cruza São Paulo e chega à capital paranaense. O destino é simbólico. “É no sentido de fazer um certo reconhecimento de que o presidente Lula, ao longo desses anos, acolheu essas políticas de combate à fome, através do programa Fome Zero, e efetivamente conseguiu construir um conjunto de políticas e de programas que contribuíram para a diminuição dessa situação de fome que a gente viveu no Brasil”, argumenta Alexandre. Ele acredita que a prisão de Lula é uma represália a um projeto de atendimento de demandas da população mais pobre do Brasil.
Retorno ao nordeste
De Curitiba, a caravana inicia a viagem de volta, incluindo Brasília no trajeto. Pelo planejamento, a chegada à capital federal será no dia 4 de agosto. No dia 6, o movimento tentará uma audiência no STF. “Nosso desejo é de sermos recebidos por um dos ministros, para podermos apresentar um documento que fale um pouco dessas nossas preocupações e que faça os apontamentos que estamos vendo sobre o que tem causado essa volta da fome. Eu sei que o Supremo Tribunal Federal tem a sua competência de julgar e fazer justiça, mas ao mesmo tempo, é um Poder da República, e não está necessariamente desvinculado da responsabilidade sobre o conjunto daquilo que o Executivo e o Legislativo constroem”, pondera Alexandre.
Em todo o percurso, inclusive na visita ao Supremo, os participantes pretendem promover debates sobre a conjuntura política e econômica do país, sempre com base em alertas da FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura) quanto à piora da fome em países da América do Sul, incluindo o Brasil. Também no escopo, estarão dados do possível enfraquecimento de políticas públicas para populações mais vulneráveis.
A ASA, por exemplo, critica a exclusão de 1,1 milhão de famílias do programa Bolsa Família, um corte que atingiria mais de 4 milhões de pessoas, em sua maioria crianças. A rede protesta ainda contra cortes em programas de alimentação escolar e de compra de alimentos de agricultores familiares para posterior distribuição a famílias em risco social (o chamado Programa de Aquisição de Alimentos – PAA – modalidade “Compra com Doação Simultânea”).
Em nota a esta coluna, o Ministério do Desenvolvimento Social afirmou que, no caso do Bolsa Família, auditorias apontaram 1,1 milhão de benefícios pagos irregularmente. A pasta destacou ainda o reajuste de 12,5% em junho de 2016, que teria sido o maior da história do programa, e uma segunda revisão mais recente, de 5,67%, o que deve injetar R$ 680 milhões nos próximos seis meses. Ainda segundo o ministério, a fila do Bolsa Família está zerada há 11 meses, período em que 3,4 milhões de famílias teriam ingressado no programa. Sobre o PAA, o ministério destacou aumento de investimentos em outra modalidade, a “Compra Institucional”, que adquire alimentos de agricultores familiares para destinação a órgãos e entidades do governo. Ele teria passado de R$ 44 milhões em 2015 para R$ 150 milhões em 2017. Para 2018, a previsão é de R$ 300 milhões.
Números que, frios em sua essência, dizem muito pouco ou quase nada a Elenir, a Lucivânia e às tantas famílias do semiárido. O medo da fome, esse sim, fala, ou melhor, grita por si só.
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Quando eu era criança meus pais me levavam a uma igreja onde, em sua fachada, estava escrito algo como “dar o anzol e não o peixe”. Depois de me explicarem seu significado, aquilo pareceu-me sensato, afinal não se saciará ninguém apenas com esmolas e, sim, dando-lhes conhecimento e possibilidades para alcançarem seu próprio sustento.
Porém, nos governos petistas, populistas como eles só, distribuiu-se peixes de montão e, provisoriamente, sanou-se a fome do povo, mas anzol que é bom, neca de pitibiribas… Acabou-se o peixe e não há mais como pescá-los.
E muito oportuno terminar o passeio em Curitiba. Mas não vai adiantar nada, o encantador de asnos não tem mais poder para enganar o povo distribuindo peixe…