Dada a largada para a campanha eleitoral, as pesquisas divulgadas logo nos primeiros dias de disputa reforçam o caráter inusitado deste que já entra para a história como um dos mais imprevisíveis pleitos presidenciais do país.
Pode-se dizer que a única certeza – e ainda assim, aparente – seja a realização de segundo turno para definir quem governará o Brasil até 2022. São 13 candidatos, o maior número desde 1989, quando impressionantes 23 nomes postularam o cargo na primeira eleição direta após a redemocratização e sob a tutela da então recém-nascida Constituição de 1988. Numa campanha mais curta e entremeada por possíveis disputas judiciais, dificilmente um dos candidatos atingirá a metade mais um dos votos válidos para quitar a fatura ainda no primeiro turno.
O inusitado fica por conta de uma série de fatores. A começar pela liderança, em todas as sondagens, de Lula (PT), um ex-presidente por dois mandatos que deixou o cargo em 2011 com popularidade alta, inclusive elegendo a sucessora, mas que se encontra preso em Curitiba após condenação em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, resultado de investigações da Operação Lava Jato.
Também surpreende o tamanho da liderança, com índice próximo de 40% das intenções de voto, rompendo um teto histórico de primeiro turno em eleições passadas, o que denota sucesso, pelo menos até o momento, da arriscada estratégia do partido de manter a candidatura e brigar na Justiça pela suspensão da prisão. Mais curioso ainda é que, mesmo sem participar de atividades de campanha, debates ou entrevistas, tem o dobro do percentual do segundo colocado Bolsonaro (PSL).
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Esse, por si só, representa outra ponta do surrealismo eleitoral a que o país assiste. Representante de uma voz até então calada da sociedade, ou, com boa vontade, rouca, mas quase inaudível, o ex-militar empunha bandeiras que reverberam com força na população ao mesclar uma pretensa novidade à radicalização de discurso, em especial no enfrentamento da crise de segurança pública e na defesa do armamento generalizado da população, mas também atingindo como um míssil temas delicados como direitos humanos e sociais, tolerância, defesa de minorias, combate à discriminação e à desigualdade, entre outros.
A inexistência de um candidato declaradamente defensor do atual governo responde por mais um tom dentro deste inédito e multicolorido cenário eleitoral. O fardo de carregar a rejeição recorde de Temer caberia a Meirelles (PMDB), mas o discurso do ex-ministro da Fazenda tem sido de afastamento do antigo chefe e de proximidade com seu chefe anterior, novamente Lula, que o manteve por oito anos à frente do Banco Central.
Já o que dificulta a previsão de um resultado em 7 de outubro é o eventual impedimento de Lula, situação tida como mais provável, mas que ainda depende de definição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na simulação sem a presença de Lula na cédula de votação, a soma de indecisos, votos nulos e em branco dobra e se aproxima dos 30%.
A clara tentativa de transformar Haddad, vice na chapa de Lula, em herdeiro natural desses votos esbarra em dois obstáculos de difícil transposição: o primeiro deles é que quase um terço do eleitorado declara não conhecer o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação de Lula; e o segundo é que o impedimento turbina as candidaturas de Marina (Rede) e Ciro (PDT), que praticamente dobram seus índices, e dá uma ajuda até mesmo a Alckmin (PSDB), adversário histórico.
Também ajuda para a indefinição a redução do período de campanha de 90 para 45 dias, o que poderá ser determinante para manter inalterada essa tendência. Conta a favor de Haddad o fato de ter a menor rejeição entre os demais, mas não muito distante de Marina e Ciro.
Por fim, o tempo de exposição nos pouco mais de 30 dias de horário eleitoral em rádio e TV, a partir de 1º de setembro, é mais um potencial gerador de surpresas: Alckmin terá direito a 5 minutos e meio por dia, mais que o dobro de Lula (ou Haddad), com pouco mais de 2 minutos. O terceiro com mais tempo será Meirelles, com quase 2 minutos.
Já Bolsonaro, líder na sondagem sem Lula, terá meros 8 segundos diários, menos que Guilherme Boulos (Psol), com 13 segundos. Marina, segunda colocada sem Lula e hoje principal herdeira dos votos do petista, ficará no ar por apenas 21 segundos. E Ciro, terceiro colocado no mesmo cenário, terá direito a 38 segundos, dois a menos que Alvaro Dias (Podemos).
Tanta indefinição abre um gigantesco campo para reviravoltas. E uma das possibilidades, por exemplo, resultaria na mesma polarização experimentada pelo Brasil desde 1994 entre PT e PSDB. Para tanto, basta Alckmin conseguir ocupar o espaço de Bolsonaro e, simultaneamente, Haddad convencer como herdeiro de Lula e conquistar a maioria desse eleitorado.
A chance de uma surpresa, portanto, é grande. Ainda mais inusitado, no entanto, é perceber, num contexto com 13 candidatos a presidente, a ausência de um profundo debate sobre o futuro do país e sua gente, suas urgências, prioridades e desejos, bem como a apresentação de projetos consistentes e objetivos estratégicos. Nossa democracia ainda engatinha.
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