Há cerca de quatro meses, quando sancionou a Lei 13.709/18, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, o presidente Michel Temer vetou artigos significativos do texto que criavam a Autoridade e o Conselho Nacional de Proteção de Dados. Considerados órgãos fundamentais para a implementação e eficácia da nova lei – que entra em vigor no início de 2020 -, ambos foram vetados sob a justificativa de que sua criação só poderia partir de um projeto do Poder Executivo. Temer e parte da equipe do Planalto entenderam que a previsão de um órgão competente para fiscalizar o tratamento de dados pessoais no país, presente no texto enviado pela presidenta Dilma Rousseff ao Congresso em 2016 – e que resultou na lei deste ano –, não bastava.
“O veto foi pela inconstitucionalidade. Mas eu vou mandar logo, muito logo, muito brevemente, um projeto de lei, mais ou menos com os mesmos dizeres, mesmos termos, mas sem vício de iniciativa”, declarou Michel Temer na cerimônia de sanção no Palácio do Planalto. O PL não veio até hoje, estamos a 15 dias da posse do novo governo e esta semana, pela quinta vez, a “informação” que veio da Casa Civil foi a de que “a MP que criará a Autoridade Nacional de Proteção de Dados” (ANPD) está pronta e sairá até o final do ano. Talvez chegue junto com o Papai Noel, para quem acredita em ambos.
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Preocupados com o risco da agenda estar longe das prioridades da gestão Bolsonaro, empresas de tecnologia, academia e organizações de defesa dos direitos dos cidadãos lançaram, na última semana, um manifesto conjunto pedindo a imediata criação da ANPD (veja a íntegra). Ao todo, 42 entidades representativas chamam a atenção para o prazo de vacatio legis que está correndo, enquanto todo o processo de adaptação das empresas e órgãos públicos às novas normas, estabelecidas pela lei, segue parado, a espera de uma Autoridade que o coordene.
Os desafios e a urgência da Lei de Proteção de Dados Pessoais
Com a aproximação do fim dos trabalhos também no Congresso Nacional, organizações com a Coalizão Direitos na Rede, uma das subscritoras do manifesto, têm dialogado há diversas semanas com as lideranças partidárias, pedindo a derrubada dos vetos de Temer. Para a coalizão, este seria o melhor e mais eficaz caminho de criação da ANPD. Afinal, o texto com suas atribuições, composição e garantia de autonomia foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
A preocupação com a independência da Autoridade é um dos principais motivos que têm levado a sociedade civil a defender a derrubada dos vetos em vez de apostar numa nova proposta que venha do Executivo. Isso porque os diálogos feitos com a Casa Civil até o momento indicam que, diferentemente dos padrões internacionais para o setor e do próprio texto votado no Parlamento brasileiro, o modelo de ANPD que deve vir do Palácio – se ele vier mesmo – é de uma Autoridade subordinada ao Executivo.
Ou seja, em vez de um órgão autônomo, com condições de fiscalizar a coleta e tratamento de dados também pelo poder público, o Brasil ficaria com uma secretaria que passaria a responder ao novo chefe da Casa Civil. Precisa acreditar em Papai Noel também para perceber que, pelo menos do ponto de vista do monitoramento e responsabilização do próprio poder público, este arranjo não dará certo?
No manifesto conjunto lançado, as próprias empresas afirmam que a “Autoridade deverá gozar de características imprescindíveis tais como independência e autonomia decisória; o mandato fixo de seus dirigentes; a manutenção do rol de atributos listados no art. 56 do PLC 53/2018, objeto de veto presidencial; ser composta por um corpo funcional estritamente técnico para realizar o gerenciamento deste tema perante seus múltiplos e distintos atores; e ter em sua estrutura um conselho consultivo multissetorial. A criação da Autoridade com essas características é essencial para consolidar no país uma estrutura institucional, apta a propiciar segurança jurídica para o tratamento de dados no país, dar efetividade aos direitos assegurados na LGPD e possibilitar que o Brasil participe do livre fluxo internacional de dados”. A MP que “deve vir até o final do ano” está bem longe disso.
A aposta na derrubada dos vetos
A avaliação de que há espaço, sim, para derrubar os vetos presidenciais à criação da Autoridade e do Conselho Nacional de Proteção de Dados é crescente. Em primeiro lugar porque a compreensão de que haveria um vício de constitucionalidade na sua criação não é unânime. Um parecer legal assinado pelos juristas Jorge Octavio Lavocat Galvão, professor-adjunto da Universidade de Brasília, e Ilmar Nascimento Galvão, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, afirma o contrário.
“Não há que se falar (…) de falta de iniciativa. O que houve, em boa verdade, foi a adaptação do projeto encaminhado pelo Poder Executivo às circunstâncias concretas do serviço que se pretende prestar. (…) Uma vez deflagrada a iniciativa legislativa pelo Presidente da República, há alguma margem para o Legislativo customizar a forma de atuação estatal. (…) Caso entenda necessário modificar algum ponto, poderá fazê-lo, desde que não implique aumento de despesa (…) No caso em análise, a modificação da natureza jurídica do ente fiscalizador de órgão público para autarquia não implicou aumento de despesa. (…) Em verdade, delegou-se ao Poder Executivo a elaboração do regulamento e da estrutura organizacional da ANPD”, atestam.
Em segundo lugar, as chances de derrubada do veto crescem porque nem mesmo partidos da base de Temer como o PSD e o PR acreditam plenamente no envio da medida provisória este ano. Por fim, na última quarta (12), o presidente do Congresso, Eunício Oliveira, do partido de Temer, que já tinha declarado que alguns vetos feitos por razões técnicas são politicamente “inconvenientes para ajudar a destravar alguns setores da economia brasileira”, defendeu publicamente a derrubada específica destes vetos.
O maior adversário da derrubada é, neste momento, o tempo. A sessão do Congresso marcada para analisar vetos na quarta passada (12) não avançou na matéria em função do baixo quórum dos senadores/as. A próxima está marcada para esta terça (18) e precisa acontecer, já que os vetos presidenciais trancam a pauta e o orçamento de 2019 não poderá ser votado pelo Congresso antes disso. Eunício Oliveira foi enfático semana passada em plenário: “Se necessário, vamos ter sessões todos os dias até 28 de janeiro até dar quórum, mas não sairemos daqui sem votar o orçamento”.
Diante da omissão do Planalto, esta é a última chance dos deputados e senadores brasileiros – muitos em final de mandato, não reeleitos – deixarem sua marca na efetividade da implementação de uma Lei Geral de Proteção de Dados que já começa a ser referência para vários países.
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