Há uma semana, o Congresso tomou conhecimento da proposta de “reforma tributária” pretendida pelo governo Bolsonaro e alinhavada por seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Ainda que apresentado como “uma primeira etapa”, é sintomático que o texto de Guedes entregue aos presidentes da Câmara e do Senado passe ao largo da principal tarefa relativa ao aperfeiçoamento do nosso desenho tributário: construir mecanismos para cobrar dos magnatas um quinhão de contribuição ao financiamento do Estado proporcional a suas altas rendas e riqueza.
Em síntese, esta “primeira etapa” da proposta de Paulo Guedes seria a unificação de dois tributos federais sobre consumo: o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social), que seriam fundidos em uma Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota geral de 12%.
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Especialistas em tributação de todos os quadrantes do espectro políticos já alertam que essa medida, se aprovada, aumentaria a tão criticada carga fiscal no Brasil —não para todos, já que bancos, planos de saúde e seguradoras arcariam com alíquotas de 5,8%.
Trocando em miúdos: o governo Bolsonaro inaugura sua incursão na reforma tributária sem tratar da taxação da riqueza e do grande patrimônio e aumentando o peso de dois dos principais tributos sobre o consumo.
Alguns vão lembrar que o governo desistiu de extinguir a desoneração dos produtos da cesta básica — como se o simples fato de ter cogitado cobrar a nova CBS do pão e do leite já não fosse um descalabro, em país que, pela primeira vez na história, tem mais da metade (50,5%) da população desempregada, como registrou o IBGE no começo de julho.
O resultado mais previsível desse cenário de pandemia e derretimento econômico é o aprofundamento da maior tragédia brasileira, nossa monumental desigualdade.
Nosso modelo tributário é o grande alimentador da concentração de renda e da consequente desigualdade.
Os números organizados pelo Instituto Justiça Fiscal são estarrecedores. Cerca de 30% de toda a renda produzida anualmente no Brasil estão nas mãos de apenas 1% da nossa população.
Metade da riqueza das famílias brasileiras, cerca de R$ 8 trilhões, pertence a apenas 1% das famílias.
Em 2019, o Brasil registrava 206 bilionários, com patrimônio de R$ 1,2 trilhão. Na outra ponta, 25 milhões de pessoas viviam com apenas R$ 117 por mês. Outros 28 milhões de brasileiros tinham renda média de R$ 243 mensais e mais 23 milhões contam com apenas R$ 534 por mês.
Frente a esse quadro, nem a dita “primeira etapa” nem os balões de ensaio já anunciados como próximos passos da reforma tributária de Bolsonaro/Guedes têm sequer um olhar para os pilares de injustiça e concentração de riqueza do nosso modelo de cobrar impostos.
É claro que isso não é um lapso ou esquecimento. É a versão “e daí?” aplicada a uma reforma cosmética, deliberadamente incapaz de tratar do que interessa à vasta maioria dos brasileiros e brasileiras.
Tenho defendido que a justiça tributária deva sempre ser listada entre os indicadores do grau de democracia em um país, ao lado do respeito às liberdades individuais, direitos civis e liberdade de expressão, por exemplo.
E não se pode chamar de democracia plena um País onde quem ganha mais de R$ 300 mil por mês tenham 70% de sua renda livre de impostos, enquanto um assalariado que receba R$ 1.903,99 (menos de 1,5 salário mínimo) já seja tributado com Imposto de Renda — sem contar os tributos que paga sobre o consumo.
A reforma tributária que o Brasil precisa terá que inverter a lógica injusta atualmente em vigor, cobrando imposto sobre as altas rendas, a riqueza e o patrimônio de quem está no topo da pirâmide e aliviando a carga sobre a grande massa de assalariados e sobre o consumo.
Está claro que a dupla Guedes/Bolsonaro não está à altura nem está afinada com essa tarefa. Alguma surpresa?
Paulo Guedes é um completo canalha a serviço do alto escalão financeiro nacional.