Marcelo Almeida*
Há mais de dez anos da promulgação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e há dois da vigência da Lei Seca, a legislação de trânsito nacional está passando por uma reforma ampla e profunda no Congresso Nacional. É esse o objetivo da Subcomissão Especial para a Reforma do Código de Trânsito, estabelecida em abril de 2009 pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, da qual sou o relator.
A subcomissão reuniu mais de 170 projetos de lei que têm por finalidade modificar o Código e emitiu parecer para cada um deles. Os projetos com parecer pela aprovação foram inseridos em um anteprojeto de lei, anexado ao relatório, propondo a alteração de 78 artigos e acrescentando 18 novos dispositivos ao Código. Além disso, o relatório apresenta sete requerimentos com sugestões e pedidos de informação para autoridades governamentais.
Após analisado e aprovado pela subcomissão, o relatório será submetido à apreciação da Comissão de Viação e Transportes e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para, então, ser remetido ao plenário da Câmara dos Deputados.
Esse anteprojeto foi construído com a participação de todos os agentes envolvidos diretamente no assunto trânsito. Durante os trabalhos da subcomissão, foram ouvidos representantes do poder público e do setor privado; organizações não governamentais com atuação específica, como, por exemplo, a Criança Segura; órgãos estaduais e municipais de trânsito; o Departamento de Política Rodoviária Federal; a Agência Nacional de Transportes Terrestres; e inúmeras outras entidades, associações e fóruns especialistas. Além disso, contribuíram nessa construção as audiências públicas realizadas, em particular a última, ocorrida no dia 26 de maio de 2010, com a presença de juristas que debateram a aplicabilidade da parte criminal do Código de Trânsito.
Uma das principais mudanças propostas pelo anteprojeto da subcomissão é a reforma do artigo 306 do Código, adotando tolerância zero para o álcool na direção. Em vigor há dois anos, a Lei Seca não teve fôlego para mudar a cultura comportamental do motorista brasileiro. Ao contrário da obrigatoriedade do cinto de segurança, que teve uma campanha educativa de massa de longo período e uma fiscalização permanente, a Lei Seca ainda não teve aderência na sociedade brasileira.
A Lei Seca teve resultados somente no seu primeiro ano de vigência, pois as pessoas eram lembradas por mensagens da proibição de dirigir alcoolizado e viam as blitzen sendo realizadas diariamente nas ruas das cidades. Depois, tudo arrefeceu. Os motoristas começaram a testar as estruturas de fiscalização e verificaram que elas estão enfraquecidas ou são inexistentes no momento. A sensação de impunidade voltou! Em 2009, com fiscalização da Lei Seca, 3 mil vidas foram preservadas. Em 2010, sem uma fiscalização intensiva, voltamos aos patamares de 35 mil mortes no trânsito por ano.
Um dos grandes obstáculos para a aplicação da Lei Seca sempre foi a questão da recusa dos motoristas em se submeterem à fiscalização para aferição do nível alcoólico, seja por meio do bafômetro ou do exame de sangue. Para mim, o direito de dirigir não é um direito universal, que nasce com o cidadão, e também não são todas as pessoas que detêm a aptidão para exercê-lo. Daí, a necessidade de realização de testes para a expedição da carteira de habilitação e os testes periódicos de saúde.
Diante disso, a pergunta que se faz, é: por ser a habilitação para dirigir um direito concedido pelo Estado, o cidadão não está obrigado a se submeter aos exames que forem necessários para comprovar suas condições de exercer esse direito? Constitucionalmente, ninguém pode ser obrigado a gerar prova contra si mesmo. Mas o ato de dirigir é, na verdade, um direito precário. Estaríamos fazendo prova contra nós mesmos no instante em que somos reprovados no exame de vista ou no teste de legislação? Não!
Para não entrar nesse tipo polêmica, que mais prejudica do que contribui para as soluções de um trânsito mais seguro no Brasil, estamos propondo a reforma do artigo 306 do código, retirando o índice de seis decigramas do texto da lei, tornando a mera conduta de dirigir embriagado o suficiente para se caracterizar a infração.
O atual artigo 306 do CTB determina que, para incidir nas penas da lei, a pessoa não pode ter concentração superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue. No entanto, para comprovar tal fato, as autoridades precisam lançar mão ou do exame de sangue ou do bafômetro. Diante disso, na prática, a lei está morta, tendo em vista que a maioria dos infratores, cerca de 80%, se recusa a efetuar os testes de alcoolemia. Se a mudança no artigo 306 for acatada, a Lei Seca terá mais eficácia no Brasil.
O reajuste das multas é outra alteração importante. A idéia é a de resgatar a intenção do legislador originário. A preservação dos valores das multas tem por finalidade principal manter o caráter de desestímulo às infrações ao código. Com o passar dos anos, os condutores perceberam que os valores impostos não mais desestimulavam condutas, hoje tidas como simples, justamente pelo baixo valor, como, por exemplo, estacionar de forma irregular.
Resgatando o espírito da lei, o anteprojeto reajusta em 89,94% nos valores das multas com base no IPCA desde a extinção da Ufir. Desse modo, os valores das multas de trânsito passarão a ser de R$ 363,80, R$ 242,53, R$ 161,69 e R$ 101,05, para as infrações de natureza gravíssima, grave, média e leve, respectivamente. Estes valores podem ser agravados em até 5 vezes, podendo atingir o valor máximo de R$ 1.819,00.
Outra sugestão de mudança, que entendo ser de extrema relevância, é a alteração no Anexo II do CTB, que cuida da sinalização semafórica. Pela proposta, os órgãos ou entidades de trânsito terão até dois anos para adequar os semáforos brasileiros às necessidades visuais das pessoas portadoras de discromatopsia, os daltônicos, que são quase 15 milhões de brasileiros. Com a mudança, os focos semafóricos passarão a contar não apenas com a forma luminosa como sinal, mas também uma figura geométrica, que poderá ser até mesmo um adesivo parcialmente transparente colado sobre a superfície do foco. Para a cor vermelha, quadrado; para a amarela, triângulo; e para a verde, um círculo.
O relatório é somente uma das inúmeras propostas do Parlamento para o aprimoramento da segurança nas ruas e estradas brasileiras. Independentemente dos esforços dos legisladores, através da construção de um corpo normativo coerente e eficaz, precisamos trabalhar em conjunto com o Poder Executivo, que possui responsabilidade fundamental na segurança de condutores e pedestres. A solução para o problema da violência em nosso trânsito reside nas seguintes iniciais: EEFP – educação, engenharia, fiscalização e punição. O Parlamento está trabalhando para avançar na quarta letra: punição. Mas o Executivo e os órgãos de trânsito precisam avançar nas outras três, promovendo campanhas, melhorando as condições de tráfego e a sinalização e fiscalizando ostensivamente.
*Deputado Federal pelo PMDB-PR e engenheiro civil, foi diretor-geral do Detran-Paraná e é o relator da Subcomissão Especial para a Reforma do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) na Câmara dos Deputados.
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