Esperança e otimismo tornaram-se mercadorias raras nesses tempos bolsonarianos. Confesso já ter me conformado com a ideia de que os próximos anos serão uma permanente mijada – perdoem-me o termo – na cara do bom senso, da inteligência e da racionalidade política. Mas nada capaz de abalar o meu Cândido interior, sempre pronto a encontrar um motivo para acreditar em dias melhores por vir.
Os olhos do incorrigível otimista voltaram a brilhar com a história da jovem Greta Thunberg. Com seu protesto solitário por ações concretas de combate ao aquecimento global, a suíça de trancinhas à la Obelix incendiou os jovens de todo o mundo e está à frente de uma greve global convocada para esta sexta-feira (15).
“Como nossos líderes comportam-se como crianças, nós teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito tempo atrás”, afirmou no final do ano passado a nossa heroína. Em um mundo capitaneado por Donald Trump, ela nem precisou conhecer o Mito e os excelentíssimos senhores ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores para fazer tal afirmação. Sorte dela!
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Cadê os estudantes brasileiros?
Entusiasmado com a história, comecei a procurar por notícias sobre a mobilização de estudantes brasileiros para a próxima sexta-feira. Resultado: o Cândido, coitado, quase morreu de desgosto. Com exceções das colunas de Eliane Brum, no El País, e Marcelo Leite, na Folha, o tema está sendo praticamente ignorado pela grande mídia. Fui procurar no site das entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e nada…
PublicidadeAs duas entidades, mais a Associação Nacional de Pós-graduandos ( ANPG), estiveram reunidas no mês passado em Salvador. No documento final do encontro, não aparece nenhuma vez os termos Mudanças Climáticas ou Aquecimento Global, apenas uma vaga defesa da biodiversidade e da preservação do meio ambiente. Ler o texto me provocou uma sensação de déja-vu dos meus tempos de movimento estudantil. Se trocassem Bolsonaro por FHC, e Paulo Guedes por Pedro Malan, poderia jurar que boa parte do texto foi escrita na década de 1990.
Desprezo ambiental
Enquanto ouço em minha mente a estudantada toda reunida, rouca de tanto gritar “Lula livre!”, lembro com amargura dos primeiros anos do governo petista. Lula iniciou seu mandato como paladino dos biocombustíveis, mas bastou a descoberta do pré-sal para que o discurso ecologicamente correto fosse deixado de lado e a esquerda se lambuzasse no dinheiro fácil do velho petróleo. Isso sem falar no fetiche por mais e mais fábricas de automóveis instaladas no país. Veio Dilma Rousseff e a política de controle de preços da gasolina (ou seja, subsídio para aumentar a poluição do planeta!) que quase mataram sufocada a cadeia produtiva do etanol. Vai tentar explicar uma coisa dessas para a Greta…
Aliás, esquerda e direita brasileiras compartilham o mesmo desprezo pela agenda ambiental do século 21. O tema foi praticamente ignorado na última eleição presidencial, até mesmo por Marina Silva, que, pragmaticamente, parece ter entendido que o discurso verde tem apelo reduzido entre o grosso dos eleitores. Quando chega na hora do vamos ver, nossos governantes não fazem mais do que construir uma ciclovia ali ou proibir o uso de canudos plásticos aqui.
Ainda está para nascer o político brasileiro com coragem para propor medidas mais drásticas como aumentos na taxação de combustíveis fósseis, políticas de desestímulo à venda e ao uso de automóveis, redução do consumo e da produção de carne bovina, entre outras. Como ensina a pequena Greta: “Todos acreditam que podemos resolver a crise (climática) sem esforço nem sacrifício”. Se fosse brasileira, ela acrescentaria: SQN!
Menos mal que no site oficial dos organizadores da greve mundial (fridaysforfuture.org), estão previstos pelo menos 4 eventos a serem realizados no Brasil no próximo dia 15. O meu Cândido, claro, está esperando por grandes manifestações de estudantes brasileiros inserindo na marra o tema das mudanças climáticas na pauta do governo e do Jornal Nacional. Coitado, né? Esses otimistas são incorrigíveis…
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