A nova cara do parlamento brasileiro que tomará posse em fevereiro de 2019 se deve, em boa parte, a grupos de pessoas que, insatisfeitas com a qualidade de seus representantes, deixaram a inércia para encarar a ação. Pelo menos 33 eleitos levantaram as bandeiras de movimentos criados por cidadãos comuns para renovar o Legislativo e alterar radicalmente o jeito se fazer política.
Só para Câmara e Senado, foram lançados 176 candidatos por 11 movimentos sociais independentes, que se distribuíram em 14 partidos, a maioria aproveitando a oportunidade oferecida pelas legendas de servirem de canal para abrigar as candidaturas.
Dos 33 eleitos, 16 jamais exerceram cargos públicos. São 29 deputados federais e 4 senadores. Pode parecer pouco perto dos 513 deputados e 81 senadores que compõem o Congresso Nacional, mas já é um excelente e promissor começo para grupos formados pouco mais de um ano antes das eleições.
Isso sem contar os resultados nas assembleias estaduais, que também refletem esse esforço em direção a um novo momento do legislativo brasileiro. Sinal de oxigenação de um organismo intoxicado pela velha política do “toma lá dá cá”.
Na mesma linha dos movimentos independentes estão as candidaturas que se propõem a democratizar e compartilhar todo o mandato, com decisões tomadas coletivamente, com debates reunindo a população de forma frequente, com participação coordenada de apoiadores e prestação de contas permanente, entre outras iniciativas. Foram eleitos dois desses grupos coletivos, para as assembleias de São Paulo e Pernambuco. Eles dão seguimento e reforçam dois mandatos coletivos de vereadores que já funcionam há dois anos, em Belo Horizonte (MG) e em Alto Paraíso (GO).
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Todos se apresentam como um novo formato para o mandato parlamentar. Sai de cena aquele cargo pessoalizado, em que o eleito manda e desmanda, tem o voto, a voz, o posicionamento e a estratégia definidos entre poucos assessores, consultores ou marqueteiros remunerados, e entra um grupo de pessoas alinhadas aos mesmos ideais em que as decisões só acontecem após consultas ao coletivo, após debates profundos a respeito das alternativas e análise das consequências, buscando opiniões variadas para se alcançar o consenso, sempre que possível.
Os mandatos coletivos foram ainda tema de campanha de diversos candidatos que, apesar de não constituírem grupos unificados, se apresentaram com a proposta de colocar em prática mandatos mais próximos dos eleitores, com gabinetes abertos à participação popular. Alguns chegaram a usar este mote no próprio nome parlamentar.
É um avanço, ainda que tímido. Mas à medida em que essas experiências comecem a dar resultados, a tendência é atrair uma quantidade cada vez maior de eleitores, ganhar projeção nacional e provocar a verdadeira mudança. O primeiro passo é conquistar espaço no atual sistema político, de fora para dentro. O segundo passo é, dentro do sistema, transformar o jeito de fazer política, servir de exemplo, comprovar que é possível e, de alguma forma, constranger aquele político profissional que continua disseminando a ideia de que a única forma de conseguir alguma coisa no parlamento e adotar os mesmos e arcaicos procedimentos responsáveis pela maioria dos escândalos de corrupção denunciados nos últimos tempos.
O espírito do fazer coletivo devia ser a base da política, e não a exceção. Mas é animador para o país o surgimento de movimentos com esse propósito. Podem ser o caminho para a transformação que todos desejam, independente do credo, ideologia, raça, gênero, origem ou orientação sexual: a de um país atrasado e com a corrupção naturalizada para uma Nação desenvolvida, com oportunidades para todos e exemplo de solidariedade para o mundo.
Do mesmo autor:
As noções coletivistas são abstrações que levaram aos regimes mais bárbaros da história. O que existem são indivíduos, muitas vezes tratorados por um ideal social que apenas serve para enriquecer e dar poder aos que se colocam como seus propagadores.