Fábio Góis
O Projeto de Lei 5.534/09 terá de enfrentar, literalmente, lutadores de diversas artes marciais – entre os quais até parlamentares – para ser aprovado na Câmara. De autoria do deputado José Mentor (PT-SP), o PL proíbe a transmissão, em TV aberta ou fechada, de esportes de combate não olímpicos (capoeira e o chamado “vale-tudo” entre eles) e considerados excessivamente violentos pelo parlamentar.
“Propomos tal providência (…) tendo em vista a banalização da violência nos canais da televisão brasileira (…). Em alguns programas, transmitem lutas que chegam a levar à lesão permanente, ou até mesmo, à morte em determinados combates de campeonatos internacionais ou nacionais. Assim, o projeto tem por finalidade resguardar que crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos, vejam cenas de violência explícita e voluntária, com o fito de saciar a sana de alguns, quase sempre em busca de fama e dinheiro fácil”, diz trecho da justificativa do projeto de Mentor.
Apresentada em julho do ano passado, a matéria foi retirada da pauta de votações e aguarda apreciação na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, onde será discutida em audiência pública ainda sem data definida. Segundo Mentor, a ideia é justamente promover o debate em torno da veiculação de programas de lutas que considera violentas.
“Temos de fazer um debate mais amplo. O importante é a compreensão de que o projeto proíbe as lutas marciais não olímpicas. As demais, como capoeira, podem ser transmitidas, mas têm de ter autorização da Secretaria Especial de Direitos Humanos [da Presidência da República]”, disse Mentor ao Congresso em Foco, adiantando que devem comparecer à audiência lutadores, representantes de emissoras de TV e associações de lutadores profissionais.
“O objetivo maior do projeto é proibir a transmissão de lutas de vale-tudo, que é degradante. Você tem cenas de violência explícita.”
“Coisa muito bruta”
Segundo Mentor, as cenas de vale-tudo incitariam a violência aos mais jovens, uma vez que, mesmo transmitidas em TV fechada, são facilmente acessadas. “Uma vez um cara virou o adversário de cabeça para baixo e bateu a cabeça dele no tablado como se fosse uma ‘mão de pilão’. É uma coisa muito bruta”, critica o deputado, referindo-se à luta que, hoje em dia, depois de estabelecidas restrições à violência gratuita, tem outra nomenclatura, mundialmente conhecida como MMA – sigla para “mix martial arts”, algo como artes marciais mistas.
“Eles podem fazer isso, não podem é transmitir [segundo o texto do projeto]. Quando eu era moleque, eu assistia aos programas de luta-livre, mas era tudo combinado, era mais espetáculo do que esporte. Hoje você vê a juventude reproduzindo isso na rua”, conclui o deputado petista.’
“Luta dá emprego”
No último dia 18, os senadores Arthur Virgílio (líder do PSDB-AM) e Magno Malta (PR-ES) criticaram com veemência em plenário o projeto de Mentor. Faixa-preta de jiu-jíts, praticante de mauy thai e entusiasta dos esportes de combate, Virgílio disse à reportagem que a proposta é nociva inclusive à economia brasileira.
“Além de ser esporte, [o MMA] é indústria do entretenimento, dá emprego para preparadores, a treinadores de atletas de todas as modalidades, bolsas para atletas em todo o mundo”, diz o tucano, lembrando que os setores de turismo (hospedagem de equipes e atletas em competições internacionais) e aviação comercial lucram com a realização dos combates. “É um esporte praticado por pessoas preparadas, que têm o queixo duro, e que já têm regras mais humanas, que priorizam a técnica. Não há notícia de gente que teve sequela por ter praticado vale-tudo.”
Segundo Virgílio, os praticantes das lutas marciais hoje em dia são inclusive mais preparados intelectualmente, e seguem uma doutrina baseada na disciplina. Ele adiantou ao site que levará para a audiência pública lutadores como Rickson Gracie (considerado o maior lutador de vale-tudo de todos os tempos e um dos expoentes do chamado “jiu-jitsu brasileiro”), Murilo Bustamante, Anderson Silva e Arthur Mariano, que estão entre os mais famosos e vitoriosos do mundo, cada um em sua modalidade.
“Eu vou pedir ao Fábio Faria [PMN-RN] para convocar o ministro [do Superior Tribunal de Justiça] Luis Fux, que é um faixa-preta de jiu-jítsu dos bons”, finalizou o senador, recorrendo à metáfora para defender o esporte de combate. “Os hematomas sociais, fruto da injustiça, são muito mais graves do que os daquela luta de iguais, que é uma luta dura com regras. Vale-tudo é o que o governo faz impedindo CPI de investigar, o que fazem à revelia das leis.”
Tanto Virgílio quanto Magno Malta dizem que vão prestigiar a luta do atual campeão peso médio do Ultimate Fight Combat, Anderson Silva, em Abu Dhabi (Emirados Árabes), no próximo dia 10, contra o brasileiro Vítor Belfort, um dos principais nomes do esporte. Trata-se da principal competição do MMA.
“Com todo o respeito que tenho ao deputado José Mentor, alguém tinha de avisar a ele que as academias estão cheias de atletas de jiu-jítsu, de boxe, de muay thai, de taekwondo. Esses jovens praticam esporte – e as artes marciais são esporte – com uma filosofia de vida, que ensinam o jovem a respeitar, a ter serenidade, a ter tranquilidade”, disse Magno Malta. “Quem não ouviu falar no Anderson Silva, o Pelé do MMA no mundo, um ídolo mundial?”
Ainda em plenário, Magno foi irônico ao criticar Mentor. “Eu sugiro ao deputado Mentor fazer um projeto mais corajoso que esse, que é propor tirar as novelas do horário de oito horas, com cenas de pornografia dentro das nossas casas, porque a concessão é pública. Mas isso ninguém tem coragem de fazer.”
Leia mais:
Suplicy e Virgílio: dois senadores bons de briga
Restrição de horário
A notícia da tramitação do PL não repercutiu bem, como era esperado, entre mestres, praticantes e admiradores de esportes de combate. Fundador e presidente da Confederação Brasileira das Lutas Vale Tudo, Sergio Batarelli diz que o deputado usa o assunto para ficar “em evidência”. “Eu acho uma total falta de preparo intelectual desse José Mentor. Ele deveria ao menos fazer um pesquisa do que é esporte e do que é briga”, disse Batarelli, campeão mundial de kickboxing nas categorias pesado e super-pesado, além de apresentador e comentarista de programas como Fight Zone (Band Sports), e Sábado Campeão (Rede TV!).
“Concordo com as palavras dos senadores Arthur Virgílio e Magno Malta. É mais uma vez um político tentando mudar o foco, para se aproveitar de um assunto que é popular e apaixonante. É exatamente isso o que ele queria, ficar em evidência, e pelo jeito está conseguindo”, acrescentou Batarelli, para quem o projeto é “pelo menos inconstitucional”, e que por isso não deve prosperar. “Nós vivemos numa democracia, e não numa ditadura.”
Para o mestre de Kung Fu Gabriel Pires de Amorim, deveria haver restrições a determinados programas, mas não proibição. “Eu não acho correto [o projeto]. Acho que determinados tipos de luta deveriam ter algum tipo de restrição. De horário, talvez, como fazem com os filmes pornô nas TVs fechadas”, disse Gabriel, ocidental que detém a mais alta graduação do estilo “louva-a-Deus” e é um dos mais antigos praticantes do kung fu no Brasil.
“Não é este tipo de luta [MMA] que vai gerar violência. O que falar dos filmes policiais, como os do Rambo [protagonizado por Silvester Stallone], em que matam 200 em apenas um filme, dando tiros na cabeça, de perto? As crianças estão vendo isso. Se fosse assim, deveriam proibir todos os filmes
Leia também
Deixe um comentário