Rogério Boueri, Adolfo Sachsida e Clarissa Borges *
Em regimes federativos, existem, em geral, mecanismos que permitem a distribuição de recursos tanto entre as unidades federativas (UFs) de esferas diferentes, as chamadas transferências verticais, quanto entre as mesmas esferas de governo, as transferências horizontais. As transferências federativas podem atuar de forma positiva para a redução das desigualdades regionais. No Brasil, duas modalidades de transferências equalizadoras existentes entre entes federativos são o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Atualmente existe uma anomalia na distribuição do FPE. A distribuição do fundo aos estados não segue mais nenhum dos critérios legalmente assinalados, quais sejam, população, renda per capita (inverso), e área geográfica. As proporções de repartição vigentes atualmente são as mesmas que vigoravam em 1991, permanecendo congeladas desde aquele ano, a despeito da evolução populacional e econômica dos estados brasileiros de lá para cá. Esse problema, embora amplamente reconhecido pelos formuladores de políticas e pelo Congresso Nacional, não vinha sendo discutido seriamente, até que uma sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no 875, de 10 de fevereiro de 2010, declarou o critério de proporções estaduais fixas inconstitucional e demandou sua reforma até 31 de dezembro de 2012.
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Magnitude do problema
Para deixar clara a magnitude do problema atual, associado às transferências do FPE, apresenta-se a Tabela 1, na qual são apresentados:
i) a diferença percentual entre o que o estado deveria receber de FPE, de acordo com o Código Tributário Nacional (CTN) e o que está atualmente recebendo (valores negativos implicam que o estado está recebendo mais do que deveria, de acordo com o CTN);
ii) o montante total de FPE recebido pelo estado em 2009;
Publicidadeiii) a importância das transferências de FPE em relação ao PIB estadual;
iv) o volume total de perdas ou ganhos que o estado teria se o FPE fosse transferido de acordo com o CTN (valores negativos significam que o estado deixaria de receber aquele valor caso a distribuição pelo CTN fosse seguida); e
v) a magnitude das perdas ou dos ganhos em relação ao PIB do estado.
Para ilustrar, analisar-se-á o caso do estado do Tocantins. Se o determinado no CTN estivesse valendo, o estado do Tocantins teria uma redução de 46,3% nas transferências de FPE. Em valores de 2009, isto implicaria em uma redução aproximada de R$ 727 milhões nas transferências do FPE, algo equivalente a 5,0% do PIB estadual. Por seu turno, o estado do Ceará se defronta com uma realidade diferente: caso o disposto neste código estivesse valendo, o Ceará teria recebido, em 2009, um aumento nas transferências do FPE da ordem de 9,6%, ou algo como um aumento de R$ 255 milhões. Ou seja, um aumento das transferências de FPE da ordem de 0,4% do PIB estadual.
Tabela 1: Magnitude do Problema, dados referentes a 2009.
UF | diferença | FPE2009 | FPE/PIB | GANHO/PERDA | Em relação ao PIB |
Rondônia | -37.3% | 1,019,427,719 | 5.0% | 380,435,098 | -1.9% |
Acre | -34.0% | 1,238,621,334 | 16.8% | 421,615,754 | -5.7% |
Amazonas | -8.6%< | 1,010,303,703 | 2.0% | – 87,273,005 | -0.2% |
Roraima | -29.2% | 898,172,447 | 16.1% | – 262,044,209 | -4.7% |
Pará | 2.9% | 2,212,935,864 | 3.8% | 63,171,075 | 0.1% |
Amapá | -42.0% | 1,235,362,757 | 16.7% | – 518,489,184 | -7.0% |
Tocantins | -46.3% | 1,571,358,254 | 10.8% | -727,772,910 | -5.0% |
Maranhão | -15.2% | 2,613,451,187 | 6.6% | -397,586,746 | -1.0% |
Piauí | -18.2% | 1,564,623,862 | 8.2% | -285,284,283 | -1.5% |
Ceará | 9.6% | 2,656,428,197 | 4.0% | 255,253,501 | 0.4% |
Rio Grande do Norte | -34.4% | 1,512,667,661 | 5.4% | -520,717,026 | -1.9% |
Paraíba | -28.6% | 1,733,888,835 | 6.0% | -496,081,946 | -1.7% |
Pernambuco | -6.9% | 2,498,314,798 | 3.2% | -172,813,216 | -0.2% |
Alagoas | -18.2% | 1,506,222,920 | 7.1% | -274,491,829 | -1.3% |
Sergipe | -41.0% | 1,504,485,012 | 7.6% | -617,226,902 | -3.1% |
Bahia | 7.3% | 3,402,026,826 | 2.5% | 248,493,515 | 0.2% |
Mato Grosso do Sul | 17.4% | 482,269,400 | 1.3% | 84,130,828 | 0.2% |
Mato Grosso | -24.2% | 835,607,769 | 1.5% | – 201,878,186 | -0.4% |
Goiás | -1.5% | 1,029,384,482 | 1.2% | -15,513,828 | 0.0% |
Distrito Federal | -21.0% | 249,896,652 | 0.2% | -52,531,913 | 0.0% |
Minas Gerais | 90.2% | 1,612,814,595 | 0.6% | 1,454,065,553 | 0.5% |
Espírito Santo | -26.0% | 543,096,171 | 0.8% | -141,029,536 | -0.2% |
Rio de Janeiro | 203.1% | 553,125,347 | 0.2% | 1,123,299,264 | 0.3% |
São Paulo | 320.9% | 362,064,114 | 0.0% | 1,161,768,747 | 0.1% |
Paraná | 45.0% | 1,043,903,253 | 0.5% | 469,514,067 | 0.2% |
Santa Catarina | 39.8% | 463,369,653 | 0.4% | 184,540,464 | 0.1% |
Rio Grande do Sul | 62.0% | 852,588,576 | 0.4% | 528,548,555 | 0.2% |
Proposta de solução
Esta proposta alternativa baseia-se na hipótese de que seria politicamente inviável uma mudança brusca dos coeficientes ou uma mudança que, mesmo suavizada por uma regra de transição, apontasse ganhadores e perdedores ex-ante. Por seu turno, a proposição deveria ser flexível o suficiente para acomodar modificações na dinâmica socioeconômica dos estados brasileiros. Assim, se uma UF aumentar a sua população relativa ou diminuir sua renda per capita relativa, ela deveria ser compensada com uma cota relativamente mais elevada de FPE.
Dessa forma, modificações na demografia e na economia das UFs brasileiras se refletiriam na distribuição do fundo, sem que houvesse, contudo, quebra de continuidades nas receitas estaduais. Quebras estas que levariam ao duplo problema da inviabilidade política da proposta e da desorganização das finanças daqueles estados negativamente afetados. De acordo com esse raciocínio, a proposta apresentada neste trabalho parte dos coeficientes vigentes de distribuição do FPE e os atualiza marginalmente de acordo com as variações relativas do contingente populacional e da renda per capita dos estados brasileiros.
Em consonância com essa proposta, estados que aumentassem a sua participação relativa na população nacional ou que sofressem uma redução relativa em sua renda per capita – em relação aos outros estados – teriam um aumento de sua parcela percentual de FPE. Essa proposta tem a vantagem de permitir ajustes dinâmicos dos coeficientes do FPE, ajustes estes que favorecem o papel de equalização socioeconômica que justificam a própria existência do fundo.
A operacionalização – e as fórmulas matemáticas aliadas a verificações estatísticas – contidas nessa proposta estão detalhadas no texto para discussão do Ipea “Uma proposta para atualização dinâmica do FPE”.
* Rogério Boueri Miranda é o diretor da Direção de Estudos Regionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Adolfo Sachsida é técnico do Ipea. Clarissa Borges é Bolsista-IPEA. Em caso de dúvidas, mande e-mail para: rogerio.miranda@ipea.gov.br ou sachsida@hotmail.com.
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