O procurador geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ofício por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) nega aos membros do Conselho de Ética e da Corregedoria do Senado acesso aos autos do inquérito que investiga o envolvimento do senador Demóstenes Torres (sem-partido-GO) e de deputados com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso desde fevereiro na penitenciária de Mossoró (RN). A alegação do ministro do STF Ricardo Lewandowski, que indeferiu o pedido dos senadores Randolfe Rodrigues (Psol-AP) e Pedro Taques (PDT-MT), é que os colegiados não têm “prerrogativa constitucional” para conhecer movimentações bancárias e fiscais dos investigados, uma vez que o processo corre sob segredo de Justiça. Tais dados só poderiam ser requisitados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Na Câmara, pedido de instalação de CPI já foi protocolado na Mesa Diretora, e espera apenas definição do presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), para que a comissão enfim possa ser instalada.
Leia também
Leia outros destaques de hoje do Congresso em Foco
A negativa do Supremo teve repercussão imediata no Senado. Por meio do Twitter, o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), adiantou que, já que os colegiados não têm prerrogativa de analisar documentos sob sigilo judicial, a saída será a instalação de uma CPI. “Como Conselho de Ética não poderá ter acesso a documentos da PGR s/Demóstenes, vamos coletar assinatura para uma CPI”, escreveu o líder no Twitter.
Mas a obtenção das assinaturas não será tão fácil para o líder petista. Além do número mínimo exigido pelo regimento (27 assinaturas no Senado; 171 na Câmara), há, segundo um senador petista, uma orientação do governo para que a CPI não se instale, diante da imprevisibilidade da sua repercussão política e o alcance que as investigações podem tomar (há parlamentares ligados ao governo também citados nas investigações sobre Cachoeira). “O que a bancada [do PT] decidir, eu acompanho. Mas não será uma decisão tranquila na bancada, viu? O Planalto não quer a CPI”, resumiu ao Congresso em Foco o senador petista. Walter Pinheiro não informou se a CPI que pretende será mista ou restrita ao Senado (no primeiro caso, serão necessárias 198 adesões para viabilizar o requerimento de instalação).
Waldomiro Diniz
O temor palaciano tem a ver, de acordo com parlamentares governistas, com a eventual relação de Cachoeira com petistas no Congresso – cabe lembrar que Cachoeira foi flagrado em vídeo, em 2004, pagando propina para o então diretor dos Correios Waldomiro Diniz, filiado ao PT à época. O caso resultou na CPI dos Correios, no que viria a ser o mais grave escândalo de corrupção do primeiro mandato do governo Lula, culminando com o inquérito sobre o mensalão petista em curso no Supremo.
PublicidadeUm dos requerentes do pedido de informações sobre o caso Demóstenes-Cachoeira à Procuradoria-Geral da República, Pedro Taques comentou em plenário o fato de a ação no STF estar “acobertada pelo sigilo judicial”, o que obrigatoriamente levaria à CPI. Ele lembrou que ao menos quatro deputados e dois governadores (o petista Agnello, do Distrito Federal; e o tucano Marconi Perillo, de Goiás) foram citados no inquérito – o que implicaria a abertura de comissão mista. “Não interessa se esse governador é do partido A ou B. O que interessa é que o Senado tem que cumprir a sua função em relação a este caso.” Os deputados mencionados pelo senador, na verdade, são cinco: Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), Sandes Júnior (PP-GO), Rubens Otoni (PT-GO), Stepan Nercessian (PPS-RJ) e Jovair Arantes (PTB-GO).
O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), reforçou o entendimento de que não há alternativa para o Senado que não seja a criação da CPI – no caso, defende o tucano, uma CPMI, uma vez que deputados estão implicados nas investigações. “Estamos autorizados a imaginar que figurões estão sendo protegidos por este sigilo. A quem interessa o sigilo do processo?”, questionou o senador, que costumava compartilhar posições legislativas com Demóstenes, e acabou por ser surpreendido pelo colega de oposição. Ele e mais 43 senadores, no mínimo.
Leia também: Os 44 ex-defensores de Demóstenes no Senado
Cachoeira de lama
A Polícia Federal descobriu, em escutas autorizadas, que o ex-líder do DEM defendia os interesses do bicheiro por meio de proposições legislativas em tramitação no Congresso, em relação que lhe rendia favores, dinheiro e até presentes caros. Em um primeiro momento, Demóstenes subiu à tribuna do Senado para dizer que era apenas amigo de Cachoeira, e que não sabia de suas atividades criminosas. Depois de revelados os áudios, irrevogavelmente incriminadores para o senador, configurou-se que ele havia mentido aos seus pares – fator que, aliado às denúncias de envolvimento com o esquema criminoso de jogos de azar, levou à decisão do Psol de acioná-lo por quebra de decoro.
Desde o discurso em plenário, uma sequência de denúncias deixou ainda mais delicada a situação do parlamentar goiano. Assim, Demóstenes se tornou alvo de pedido de processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética. No entanto, o colegiado está acéfalo desde setembro, depois da licença do titular, senador João Alberto (PMDB-MA), que assumiu secretaria de governo no Maranhão. Caberá ao PMDB, maior bancada no Senado e com membro empossado no posto, fazer a indicação do novo presidente. O conselho está repleto de membros às voltas com a Justiça, como este site revelou com exclusividade.
Leia:
Um terço dos Conselhos de Ética na mira do STF
Veja a lista dos senadores do Conselho sob investigação
Jayme Campos (DEM-MT), vice-presidente do colegiado e ex-colega de partido de Demóstenes – que apresentou pedido de desfiliação para não ser expulso no DEM –, em um primeiro momento disse não haver problema em julgar o ex-correligionário, mas mudou o discurso e não vai presidir o conselho.
Na manhã desta segunda-feira (9), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tiveram longa reunião com o corregedor da Casa, Vital do Rêgo (PMDB-PB), para convencê-lo a assumir o posto. Vital disse aguardar apenas a manifestação da Mesa Diretora sobre a eventual “incompatibilidade funcional” do acúmulo de cargos. Caso esta seja confirmada, o senador deixaria a corregedoria para assumir o Conselho de Ética, ao mesmo tempo em que o PMDB indicaria um substituto para o órgão de correição.
A consulta já foi formalizada por José Sarney junto à Mesa Diretora. Segundo Vital do Rêgo, a decisão serão tomada até amanhã (terça, 10). Ele diz que, caso seja instado a tomar posse na presidência do conselho, o fará por determinação partidária, e não por vontade pessoal. O Senado só cassou um senador em toda a história – o empresário brasiliense Luiz Estevão, em junho de 2000, então filiado ao PMDB. Ele foi condenado recentemente por envolvimento no desvio de R$ 169 milhões nas obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.