O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu hoje (18) mais uma vez o julgamento sobre a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Por mais de oito horas, os ministros da mais alta corte do país ouviram o voto vista de Marco Aurélio Mello. Ele se posicionou contra a demarcação da área e a posição de Celso de Mello. Amanhã o STF deve se reunir novamente para ouvir as manifestações do presidente do Supremo, Gilmar Mendes, sobre o caso.
Apesar de o resultado ainda não ter sido proclamdo, já que ainda falta a posição do presidente do STF, a tese da demarcação contínua deve prevalecer. Com nove votos favoráveis e um contrário, é altamente improvável que os ministros mudem de posição. No fim da sessão, Gilmar Mendes afirmou que "a questão indígena não será mais a mesma a partir de amanhã". "O processo de demarcação é muito sério para ser tratado pela Funai. Estamos pela primeira vez fixando a questão da demarcação por todas as vezes", disse Mendes.
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Até o momento, já se manifestaram pela continuação da demarcação contínua os ministros Carlos Ayres Britto, relator da ação, Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Celso de Mello. Anteriormente, Menezes Direito havia pedido vista ao processo. Quando revelou seu voto, trouxe uma lista de 18 condições para que a ação continuasse.
Em plenário, durante as mais de 10 horas de sessão, os ministros analisam a ação protocolada pelos senadores Augusto Botelho (PT-RR) e Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), que pedem a revogação da Portaria nº 534/05, do Ministério da Justiça, homologada pelo Presidente da República em 15 de abril de 2005, que definiu os limites da Raposa Serra do Sol. Durante toda a sessão, Marco Aurélio fez uma forte esplanação contra a demarcação da reserva.
Na parte da manhã, Marco Aurélio, ao iniciar seu voto vista, propôs o saneamento da ação. Para o ministro, existem vícios na condução do processo que poderiam acarretar a sua nulidade. Ele disse que principais interessados não foram citados para se manifestar na fase de instrução do processo, já concluída. Aí o membro do STF propôs que o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o presidente Lula fossem citados.
O ministro propôs, além disso, a citação do estado de Roraima e dos municípios de Uiramutã, Pacaraima e Normandia, localizados na área indígena demarcada; a intimação do Ministério Público para acompanhar o processo, desde o início; a citação de todas as etnias indígenas interessadas; a produção de prova pericial e testemunhal e a citação dos detentores de títulos de propriedade consideradas frações da área envolvida, em especial dos autores de ações em curso na Suprema Corte.
Outro ponto que Marco Aurélio foi contra à decisão do STF que não considerou necessário o governo do Estado e os três municípios figurarem na relação processual, embora sejam titulares do patrimônio público lesado. Segundo ele, o estado – com 7,79% de seu território em jogo – somente foi admitido como interessado no processo, quando já estava encerrada a fase instrutória e probatória, enquanto os municípios “jamais compuseram a lide”
Marco Aurélio observou que também o MP só foi intimado a manifestar-se quando já estava finda a instrução processual. Assim, não pôde acompanhar a instrução probatória nem lhe foi aberta vista para eventual pedido de produção de provas. A ausência da determinação de produção de provas pelo STF foi outro suposto vício apontado pelo ministro Marco Aurélio. Ele recordou que foi aberto prazo de 10 dias para produção de provas, mas que a União afirmou nada ter a requerer. E, conforme assinalou, isso tampouco ocorreu na parte das alegações finais.
Votos
Depois da lida da preliminar, a sessão, que iniciou às 9h30, foi interrompida para o almoço. Por volta das 14h40, os ministros voltaram para que Marco Aurélio lesse o mérito de seu voto. "Essa demarcação deixou de ser, há muito tempo, de um instrumento de proteção ao sílvicola, e passou a ser um instrumento de segurança nacional", afirmou o ministro.
Ele baseou o mérito da sua manifestação em três argumentos: o compromentimento do princípio da soberania, as fragilidades do laudo técnico elaborado para a demarcação e os efeitos na economia de Roraima. Também comentou sobre o "direito de ir e vir" dos brasileiros. "O Supremo não pode ignorar: índios ou não índios, todos tem o direito de circular livremente dentro do território brasileiro. Não permitir o ir e vir seria um verdadeiro apartheid", comentou.
Marco Aurélio afirmou que a reserva corresponde a quase 8% da área do estado. E que os índios são produtores de milho, arroz e feijão, além de trabalharem com gado, vendendo cerca de 3 mil bezerros por ano. "Os índios contribuem com a economia do estado, que é frágil e altamente dependente dos recursos federais". Ele opinou também que a demarcação em área contínua traria fortes impactos na pecuária, gerando prejuízos nas pesquisas realizadas comprometer a futura expansão da fronteira agrícola.
No extenso voto, Marco Aurélio citou uma decisão do ex-presidente do STF Maurício Correa, uma entrevista do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), uma palestra do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) em 2000 e até Dom Pedro II.
Depois dele, foi a vez do ministro Celso de Mello se manifestar. Ele seguiu o relator Ayres Britto pela continuação da demarcação da reserva. "Para os índios a terra tem um valor de sobrevivência física e cultural. Por isso é necessária a posse permanente e a riqueza das terras. As terras constituem o núcleo, tanto que não podem ser vendidas", opinou o ministro.
Discussão
Após a extensa manifestação de Marco Aurélio, o ministro Carlos Ayres Britto pediu a palavra. Disse que pretendia rebater os argumentos colocado pelo colega em seu voto vista. Os dois chegaram a discutir. Marco Aurélio pediu "respeito ao voto alheio" a Ayres Britto, que havia classificado uma parte da manifestação do colega como "voto periférico". Antes Marco Aurélio havia qualificado a manifestação do relator como "romântica e poética".
O clima ficou pesado durante toda a tréplica de Ayres Britto. Marco Aurélio o interrompeu várias vezes, chegando inclusive a questionar se o relator ficaria mais à vontade caso ele se retirasse. A situação só foi contornada com o término da explanação de Ayres Britto, que reforçava seu voto e contrapôs os argumentos de Marco Aurélio. (Mário Coelho)
Atualizada às 20h38
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