Representantes de diversos setores e entidades se reuniram para debater a atual situação da saúde no Distrito Federal. O encontro ocorreu na noite da última quinta-feira (31) e tratou-se da primeira Oficina de Saúde do DF, cujo tema foi “Atendimento precário, judicialização e perspectivas”. A partir dos apontamentos dos participantes da Oficina, um relatório com propostas de intervenção será encaminhado para a Secretaria de Saúde, Ministério Público, Defensoria Pública e demais órgãos competentes como forma de demonstrar a organização do movimento.
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Um dos ganchos para o debate está retratado em reportagem publicada pelo Correio Braziliense sobre a qualidade – ou a falta de – dos atendimentos das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no DF. As seis unidades do DF deveriam fazer 6,7 mil atendimentos mensais, segundo regulamentação do Ministério da Saúde. Contudo, a média é de 3,7 mil, de acordo com cálculo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal – defasagem de 45% em relação à recomendação.
Diante de tal cenário, convidados que conhecem a realidade da saúde na capital federal debateram a estrutura do sistema, com reflexão sobre a demanda recebida e demais problemas. Por fim, uma segunda plenária discute as abordagens propostas anteriormente. Estiveram presentes o promotor de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Jairo Bisol; o defensor público no Núcleo da Saúde da Defensoria Pública do Distrito Federal, Danniel Vargas; a presidente do Instituto de Fiscalização e Controle, Jovita José Rosa, responsável pelo projeto da Auditoria Cívica na Saúde; o cardiologista e coordenador do Observatório da Saúde de Brasília, Geniberto Paiva Campos; e o médico da família Tiago Neiva; e contou com a mediação de André Rafael, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e um dos idealizadores da rede Brasil 2030.
Ao abrir a mesa, Bisol fez questão de enfatizar que o problema da saúde no DF é um problema de responsabilidade de toda a sociedade. “Existe um abismo radical entre o Estado real e o forma. E este abismo é visto de forma especialmente claro na saúde”, disse. “Não existe um ‘eles’ para colocarmos a responsabilidade. Essa é a estrutura de saúde que nós, enquanto brasilienses, criamos”, completou. Assim como outros convidados, o promotor afirmou que o modelo adotado atualmente é “caótico” e “ingovernável”. Geniberto Paiva Campos foi enfático: “os princípios do SUS são intocáveis. Precisamos nos manter vigilantes em defesa de sua Excelência, o usuário”. Para ele, em momento de crise política e econômica, é importante que não se perca o foco do cidadão. O cardiologista e coordenador do Observatório da Saúde de Brasília acredita que um dos pontos a serem revistos em busca de uma melhoria no sistema é a integralidade. “Temos de parar de olhar apenas para os hospitais. É preciso evitar que se chegue ao hospital, na verdade. Prevenir, cuidar da saúde como um todo”, avalia.
Como resultado, muitos cidadãos buscam a solução na Justiça. O defensor Danniel Vargas, no entanto, afirmou que a maioria das ações na Justiça poderiam ser resolvidas extrajudicialmente e o valor gasto com elas poderia ser realocado para melhorar a gestão do sistema. “A judicialização de conflitos resolve muito pouca coisa. Na gestão do sistema, é lamentável termos de recorrer a isso. Trata-se da transferência de recursos dos impostos para a rede privada”, avaliou. Ao mesmo tempo, não fosse a judicialização, o cidadão ficaria desassistido.
O problema, na opinião da presidente do Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), Jovita Rosa, remonta à formação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela lembra que o sistema nasceu a partir do movimento sanitarista, porém não chegou a ser totalmente efetivado por um adormecimento da sociedade, ao entender que a garantia em lei bastava. “A sociedade não continuou mobilizada para garantir sua completa execução. Caso não tenhamos consciência da importância desse sistema e despertamos um senso de pertencimento, corremos o risco de perdê-lo”, afirmou Jovita, que já realizou e capacitou cidadãos a fazerem auditoria de equipamentos públicos de saúde em mais de 80 cidades pelo país. No DF, a Auditoria Cívica da Saúde esteve em 63 Unidades Básicas de Saúde.
Na opinião de Tiago Neiva, o sistema de saúde precisa ser “poliárquico”. “Precisamos de sistemas integrados onde cada um exerça sua vocação prioritária, com uso de tecnologia da informação, reestruturação de processos de gestão de trabalho e pessoas”, detalha. Ele afirma que os servidores da saúde no DF estão sob constante estresse por serem submetidos a situações de pressão e necessidade de atuarem em áreas que não são a competência de cada um deles, além de conviverem com um sistema de desinformação, sem dados qualificados sobre a estrutura com a qual trabalham. Resolver essas questões, padronizar o sistema e aproveitar as potencialidades dos servidores é uma forma de dar início à transformação pretendida.
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