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Porém, as duas sindicâncias inocentaram Agnelo de participação nos quatro episódios, indiciando apenas servidores, considerando não haver provas da responsabilidade do hoje governador do DF nas irregularidades. Ocorreu que, com base em pelo menos parte dos mesmos documentos, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, abriu esta semana um inquérito no Superior Tribunal Justiça (STJ) para investigar o governador de Brasília em sua passagem pela Anvisa. Assim como o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), Agnelo também responde a inquérito por eventual envolvimento com a “organização criminosa” do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, alvo de uma CPI no Congresso.
Uma das empresas que recebeu autorização para fabricar remédios pertence ao ex-proprietário da casa de Agnelo no Laso Sul, área nobre de Brasília. A casa, porém, foi comprada antes de Agnelo se tornar diretor da Anvisa.
O porta-voz do Governo do Distrito Federal, Ugo Braga, destacou que a Anvisa “já declarou publicamente a correção de todos os atos de Agnelo Queiroz enquanto ocupou a diretoria de Inspeções”.
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União Química
As duas sindicâncias da Anvisa foram abertas em novembro 2011 e janeiro de 2012, respectivamente. Suas conclusões foram apresentadas à Controladoria-Geral da União (CGU) em janeiro e fevereiro deste ano. Ao menos uma delas, que apura a autorização para a União Química, chegou também às mãos de Gurgel. Na segunda-feira passada (11), ele assinou pedido ao STJ para investigar o governador por fatos relacionados à sua gestão na Anvisa. O documento foi protocolado na terça-feira (12), segundo a assessoria de Gurgel.
Na sexta-feira (15), o procurador-geral da República, que se recupera de um acidente doméstico, não foi localizado pela reportagem e por sua assessoria para esclarecer o teor de seu pedido. Porém, nas sindicâncias da Anvisa 25351.702225/2011-31 e 25351.012650/2012-79, obtidas pelo Congresso em Foco, o corregedor Ivon Nelson Carrito, mostra quais são as irregularidades na concessão de autorizações ao laboratório União Química.
Nas sindicâncias, o especialista em regulação da agência Domingos Sávio Silva prestou depoimento em que contou que, desde 2006, a União Química estava pendente de uma inspeção da Vigilância Sanitária de São Paulo, apesar dos apelos para que essa fiscalização fosse realizada. Mesmo assim, a Anvisa fez um memorando que resultou na autorização para que o laboratório produzisse remédios. A União Química foi doadora da campanha eleitoral de Agnelo em 2010. Assim como o corregedor da Anvisa, Sávio diz que houve descumprimento da legislação.
Acompanham-nos na argumentação outros dois servidores. A especialista em regulação Lúcia Sciortino declarou à comissão de sindicância que “houve favorecimento à empresa União Química”. Ela lembrou que outras empresas estavam na mesma situação, mas não tiveram o mesmo tratamento. Lúcia Sciortino disse que os outros laboratórios só conseguiram a autorização depois. O servidor Norberto Recch disse que a certificação do laboratório descumpriu “frontalmente” o prazo de 120 dias estabelecido em norma interna da Anvisa.
A União Química obteve o certificado em 25 de janeiro de 2008, quando Agnelo era diretor da agência. Em 30 de setembro de 2010, o laboratório de São Paulo doou R$ 200 mil à campanha do petista ao Palácio do Buriti.
Pressões
Domingos Sávio afirmou à comissão de sindicância que o gerente de Inspeção, Insumos e Medicamentos, Antônio Kakida, “o pressionou a incluir a certificação da empresa” União Química “no memorando”. Disse ainda que a inclusão da empresa foi feita a pedido da gerente substituta Marília Coelho Cunha e do gerente Roberto Wagner Barbirato. Sávio relatou até desentendimentos dentro da Anvisa por causa disso. “Que outras solicitações desta natureza já foram feitas pela gerente geral (sra. Marília), mas que o depoente se recusou a atender, inclusive tendo ocorrido discussões ásperas com a sra. Marília por conta destas solicitações”, afirmou Sávio. O especialista em regulação considerou que os pedidos “não eram morais”. Kakida e Marília negaram à comissão as pressões denunciadas por Sávio. Barbirato disse que estava de férias quando foi concedida a autorização à União Química.
Em depoimento à sindicância, o governador Agnelo Queiroz também negou pressões e privilégios a quaisquer empresas durante sua gestão na Anvisa. Disse que a certificação da empresa aconteceu “de forma rotineira após avaliação da área técnica”. Domingos Sávio produziu uma nota técnica sobre o tema. Agnelo disse que o documento não indicava nenhum problema com a concessão para a União Química. O governador e ex-diretor da Anvisa disse que não viu todos os documentos que fundamentavam o processo e aos quais foi apresentado.
“Basicamente para assinatura”
Agnelo ainda disse que “a documentação que recebida era basicamente para assinatura, já vistos e revistos os atos nas instâncias anteriores”. O governador lembrou ser “preciso haver uma confiança institucional na cadeia hierárquica”. Em nota ao Congresso em Foco, o porta-voz do governo do Distrito Federal, Ugo Braga, disse que “nunca aconteceu, desde a criação da Anvisa, de qualquer diretor, não apenas Agnelo Queiroz, assinar ou negar o certificado em sentido diferente do apontado pelo corpo técnico”.
No depoimento, o ex-diretor disse que “deve ter” assinado a autorização para a União Química. Agnelo afirmou que “provavelmente” se reuniu com representantes da empresa, mas, que, se isso aconteceu, “certamente estaria acompanhado” de técnicos da agência e houve registro em ata desses eventuais encontros.
Na sindicância, o corregedor Ivon Nelson Carrico entendeu que as suspeitas contra Agnelo deveriam ser arquivadas. Ele lembra que o processo de certificação da União Química já tinha problemas desde antes da chegada de Agnelo à Anvisa, em outubro de 2007. No despacho 14/12, datado de 27 de janeiro de 2012 e que faz parte do processo de sindicância, Carrito afirma que Agnelo tinha “ascendência funcional tão somente” sobre dois setores administrativos e um chamado Núcleo de Inspeção da Gerência de Inspeção e Certificação (Gimep) da agência.
O corregedor ainda escreve que, como o pedido da União ficou parado 49 dias no setor de protocolo, isso é prova suficiente para se demonstrar que Agnelo não atuou para apressar o andamento do processo.
Infração e publicação indevida
No despacho de Carrico, ele determina a abertura de processo administrativo disciplinar contra o servidor que denunciou pressões, Domingos Sávio, contra os supostos autores da pressão, Antônio Kakida e Marília Cunha, e contra a servidora Joana Darc Carballo. O objetivo é apurar “possível cometimento de infração administrativa quando da concessão do CBPF (…) à União Química”.
Carrico disse ainda que houve “publicação indevida da autorização” da União Química. Em outro trecho das investigações, ele usa conclusões da comissão de sindicância para justificar o problema: houve “publicação indevida da certificação de BPF [boas práticas de fabricação] da empresa União Química (…), pelo não cumprimento do prazo de 120 dias de antecedência estipulado na RDC [resolução da agência] 66/07”.
Dinheiro de lobista
Em janeiro de 2007, o lobista do laboratório União Química Daniel de Almeida Tavares depositou R$ 5 mil na conta corrente de Agnelo, ainda antes de o petista assumir a Anvisa. No ano passado, ele disse – e depois recuou – que o valor se referia a um pagamento de propina ao governador e que, ao todo, havia pago R$ 50 mil.
Em nota, o porta-voz do GDF disse que Agnelo “repudia veementemente” a relação entre o depósito de dinheiro em sua conta e a liberação da autorização à União Química em janeiro de 2008. Os auxiliares do governador reafirmam que o valor depositado se deve a um empréstimo feito a Tavares, militante do PCdoB, o ex-partido do governador.
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