Na última quarta-feira (7), a vítima foi o ex-diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestes (ANTT) Bernardo Figueiredo. Ontem (8), o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, viu-se obrigado a reconhecer: o clima anda tenso no Congresso Nacional entre o governo e a sua base de sustentação. Agora, a decisão do Supremo Tribunal Federal de que considerará inconstitucional qualquer medida provisória que seja aprovada sem que o Congresso examine antes a sua urgência e relevância vai tornar ainda mais inflamável o clima no Parlamento.
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Há muito tempo que os senadores reclamam que recebem as MPs da Câmara sem ter tempo para examiná-las. Para resolver o problema, empenharam-se na construção de um projeto, de autoria do próprio presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que estabelecia um rito de tramitação para as medidas provisórias. Sem qualquer explicação, porém, a Câmara sentou-se em cima do projeto e não avança um milímetro na sua análise. Diante da pressão do STF, somada ao clima tenso de insatisfação com o governo, os senadores articulam agora uma resposta drástica contra as medidas provisórias: ameaçam simplesmente devolvê-las. Essa atitude derrubaria a vigência das medidas provisórias.
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Um dos principais nomes da oposição no Senado, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi o relator do projeto de Sarney no Senado. Ele disse ao Congresso em Foco que a situação está insustentável, com a iminência de (mais uma) rebelião de senadores com o que é considerado excesso do Planalto em relação à atividade parlamentar. “Estamos cogitando a hipótese de devolver as medidas provisórias para a Câmara, já perto de ser encerrado o prazo de validade. A gente vai começar a rejeitá-las, simplesmente”, declarou o tucano, adiantando que os partidos de oposição encaminharão uma “questão de ordem” à Mesa Diretora para que seja instalada uma comissão especial para analisar cada MP apreciada pela Câmara.
A hipótese de devolução das MPs não é mera retórica oposicionista. A exemplo do que aconteceu com a rejeição da recondução de Bernardo Figueiredo, quando 36 votos derrotaram os 30 que votaram com a orientação de bancada de PT e PMDB, Aécio não teria dificuldades em arregimentar apoio junto à base aliada para contestar a renitente emissão de MPs prestes a perder validade. Desde o ano passado, diversos senadores de todos os partidos sobem à tribuna do plenário para proferir fortes críticas à postura do Planalto.
Decisão do STF
PublicidadeA iniciativa dos senadores insatisfeitos com o atual rito das medidas está em sintonia com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), formalizada ontem (8) pelos ministros da corte, sobre uma questão de ordem ajuizada pela Advocacia Geral da União (AGU). De acordo com o entendimento do STF, a partir de agora todas as medidas provisórias editadas pelo governo federal devem passar por comissão mista do Congresso para que sejam examinados os preceitos constitucionalmente exigidos de urgência e relevância. Na verdade, a decisão do STF é até menos radical do que seria de início. Um dia antes, os ministros do Supremo tinham considerado inconstitucional a criação, por medida provisória, do Instituto Chico Mendes, justamente porque o Congresso não examinou sua urgência e relevância.
A Suprema Corte voltou atrás na decisão de ontem: manteve a vigência da MP do Instituto Chico Mendes porque, do contrário, teria que tornar inconstitucionais mais de 500 MPs. Isso mesmo: em mais de 500 casos o Congresso Nacional não examinou se as medidas provisórias eram urgentes e relevantes. A Constituição diz que a MP é uma ferramenta que só pode ser usada pelo Poder Executivo nesses casos. O problema é que o governo abusa da ferramenta. Além disso, a Câmara tem usado todo o prazo atual entregando as MPs para o Senado na véspera do final da sua vigência. Para não criar problemas jurídicos, o Senado acaba aprovando as MPs de qualquer jeito.
Para Aécio, trata-se de uma “desfiguração do processo legislativo”. “Isso será um tema recorrente. O atual rito de MPs é um equívoco, e humilha o Parlamento, que deixou de cumprir seu papel de legislar”, criticou o senador, denunciando a prática do “contrabando”, em que parlamentares orientados pelo governo “pegam carona nas matérias” e enxertam diversos artigos em seu texto principal (os chamados destaques), com assuntos totalmente desconexos do teor central da MP.
MP ornintorrinco
A reação sugerida por Aécio Neves é drástica, mas não terá sido a primeira dos senadores contra o abuso das MPs. A reunião de temas não correlatos na mesma matéria levou ao arquivamento, em 2011, de cinco medidas provisórias pelo Senado. São as chamadas MPs ornintorrinco, uma referência ao animal australiano que tem bico de pato, nadadeiras, pelos, põe ovos e é mamífero. Em uma dessas ocasiões, o clima de tensão foi tão grande que os senadores quase trocaram sopapos.
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Nada disso coibiu o ímpeto do Planalto: sete medidas estão à espera de votação dos senadores, algumas delas trancando a pauta. Segundo a AGU, 50 MPs editadas neste ano já constam da pauta da Câmara, cuja assessoria só admite a tramitação de 13 delas.
Descumprimento de palavra
Vistas como uma afronta ao papel legislador do Congresso, uma vez que são elaboradas pelo Executivo sob medida para projetos e interesses governistas, as medidas provisórias têm sido uma das principais fontes de descontentamento de parlamentares diversos, independentemente de suas doutrinas partidárias. Para Aécio, o assunto pouco discutido pelo cidadão comum, que tem a vida alterada por muitas dessas medidas, uma hora vai ganhar as ruas. “A sociedade vai perceber que a base do governo na Câmara não está trabalhando em defesa do Legislativo, mas em defesa do Executivo”, acrescentou.
O senador tucano foi o relator, na Comissão de Constituição e Justiça, da a Proposta de Emenda à Constituição 11/2011, que altera os procedimentos de tramitação das medidas, tornando-os mais céleres e propensos à discussão dos textos. Assinado pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) e aprovada em 17 de agosto passado, a matéria impede, entre outras coisas, que uma medida provisória chegue ao Senado prestes a expirar por decurso de prazo. Também ficam proibidos temas não correlatos na mesma MP, bem como a reedição de medida provisória no mesmo ano do arquivamento, ou de edição de outra medida, no mesmo ano, que traga em seu texto o mesmo assunto rejeitado pelo Congresso. Essas são duas das principais críticas de senadores, inclusive da base governista, quanto à edição desse instrumento legislativo utilizado pelo Executivo.
Confira a íntegra da PEC 70/2011
No mesmo dia da aprovação da PEC no Senado, uma comitiva de senadores atravessou os limites que separam os salões Azul e Verde, da Câmara, e se reuniu com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). O objetivo era sensibilizar o colega de Legislativo para a importância e a necessidade de que a questão fosse logo resolvida naquela Casa, com a rápida tramitação nas comissões e votação em plenário. Do petista, os senadores receberam a garantia de que o texto celebrado como um avanço pelos senadores seria rapidamente posto em pauta. Mais de sete meses depois,porém, nenhum passo foi dado em direção à promessa de Maia.
Na Câmara, a proposição passou a tramitar como PEC 70/2011, sendo distribuída em 1º de setembro à Comissão de Constituição e Justiça. Em 19 de outubro, ganhou no colegiado relatoria do deputado governista Ricardo Berzoini (PT-SP). Esse foi o único procedimento cumprido desde o protocolo da matéria na Mesa Diretora, em 17 de agosto daquele ano – não há prazo para apresentação do parecer de Berzoini. Depois de cumprida a jornada na CCJ, a matéria ainda tem de passar por comissão especial.
Se a deliberação da matéria não avança na Câmara, há quem reclame dessa conduta. Na última quarta-feira (6), o líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE), recorreu ao artigo 52 do regimento interno e apresentou requerimento para que a proposição fosse imediatamente encaminhada à comissão especial, “tendo em vista o esgotamento do prazo regimental de cinco sessões (art. 202, RICD) destinado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para proferir parecer de admissibilidade”. O requerimento ainda não foi votado, e também não há prazo para que isso aconteça.
Risco de mal estar
Para o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), a questão deve ser tratada como prioridade sob o risco de ser criado um mal estar entre as Casas legislativas. “Isso já foi conversado com o presidente Marco Maia. De certa forma, foi feito um primeiro contato. Agora, temos que negociar politicamente, e procurar construir essa alternativa [apresentada pela PEC 70/2011]. É importante, tanto para a Câmara quanto para o Senado, que haja prazos viáveis para discussão e votação. Do jeito que está, não pode continuar, porque nós ficamos, em muitos casos, sem poder contribuir, sem poder emendar, sem apreciar a medida provisória da forma que é necessária”.
Procurado pela reportagem para falar sobre a demora do trâmite, o deputado Marco Maia disse, por meio de sua assessoria, que não se manifestaria sobre o assunto. O petista Berzoini também foi procurado nesta quarta-feira (8), mas não atendeu nem deu retorno aos telefonemas.
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