Em palestra na Caixa Econômica Federal, em fevereiro, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, esclareceu o conceito de “notáveis” adotado pelo governo Michel Temer para preencher o seu primeiro escalão: o partido que se comprometesse a votar a favor das propostas do Palácio do Planalto ganhava o direito de indicar o seu “notável”. A estratégia, que tem sido repetida à exaustão pelos mais diversos governos, garante a Temer vitórias no Congresso Nacional. Mas também imprime uma marca negativa à equipe do presidente – o “ministério dos investigáveis”. Dos atuais 28 ministros, ao menos cinco já respondem a acusações criminais no Supremo Tribunal Federal (STF). Entre eles, o mais novo titular do Ministério das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), suspeito de ter recebido caixa dois de uma empreiteira investigada na Operação Lava Jato para sua campanha ao Senado em 2010.
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Mas a lista dos ministros sob suspeita é maior. Envolve ainda outros nove auxiliares apontados em delações ou mencionados na planilha da Odebrecht, investigada como lista de propina. O teor dos documentos apreendidos e dos depoimentos prestados por 77 executivos da empreiteira é analisado pela Procuradoria-Geral da República, que deve pedir a abertura de inquéritos contra parlamentares e ministros nas próximas semanas. Citado 43 vezes na delação de um ex-vice-presidente do grupo, Temer já avisou: só demitirá o assessor arrastado pela Lava Jato que for denunciado ou virar réu no Supremo.
Já tiveram seus nomes citados por delatores da empreiteira os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicações), Leonardo Picciani (Esportes) e Moreira Franco (Secretaria-Geral de Governo). Na lista da Odebrecht figuram os nomes de Bruno Araújo (Cidades), Mendonça Filho (Educação), Raul Jungmann (Defesa), Ricardo Barros (Saúde) e Roberto Freire (Cultura). Os investigadores ainda apuram se essa relação, apreendida na casa de um ex-diretor da empresa, se refere ao pagamento de propina, caixa dois ou doação legal de campanha.
Também estão entre os investigados na Lava Jato dois líderes do governo – Aguinaldo Ribeiro (PP), na Câmara, e Romero Jucá (PMDB-RR), no Congresso. A liderança do Senado está vaga com a ida de Aloysio para o Itamaraty. Desde o início do atual governo, oito ministros já deixaram seus cargos. Metade deles é investigada na Lava Jato: além de Jucá (Planejamento), Henrique Eduardo Alves (Turismo), Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e José Serra (Relações Exteriores), o último a sair, que deu lugar a Aloysio.
Gilberto Kassab já está pendurado no Supremo. Fiador dos votos da bancada do PSD para o governo, o ex-prefeito de São Paulo responde atualmente a três inquéritos por crimes da Lei de Licitações, de responsabilidade e de lavagem de dinheiro. Ministro das Cidades de Dilma, Kassab virou a casaca em tempo recorde. Entregou o cargo à petista em 15 de abril para orientar os parlamentares do partido que fundou a votarem, dois dias depois, a favor do impeachment. Pelos serviços prestados, ganhou uma nova pasta criada por Temer, resultado da fusão dos ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia.
“Nosso notável”
Conduzido ao comando do Ministério da Saúde mesmo sem ter qualquer vínculo com a área, Ricardo Barros é alvo de inquérito por corrupção passiva, peculato, crimes da Lei de Licitações e contra a administração em geral. Em sua palestra, Padilha explicou como o deputado licenciado do PP paranaense herdou uma das pastas mais importantes do governo. O chefe da Casa Civil relatou o que disse à direção do partido aliado na ocasião: “A Saúde é de vocês, mas gostaríamos de ter um notável”. A legenda, segundo ele, respondeu da seguinte maneira: “Diz para o presidente que nosso notável é o deputado Ricardo Barros”. “Vocês garantem todos os votos do partido nas votações?”. “Garantimos”. “Então o Ricardo será o notável”, sentenciou o peemedebista gaúcho.
Afilhado político do ex-presidente do Senado e atual líder do PMDB no Senado, o deputado Marx Beltrão (PMDB-AL), de 38 anos, é réu por falsidade ideológica no Supremo. Na véspera de sua nomeação, o peemedebista chegou a detalhar a denúncia ao presidente Michel Temer para garantir o cargo. Ex-prefeito de Coruripe, município alagoano de 52 mil habitantes, o advogado assumiu o Ministério do Turismo, em outubro do ano passado, mesmo sem ter credenciais na área.
Outro representante de Alagoas no ministério, Maurício Quintella Lessa (PR) é investigado por peculato no Supremo. O inquérito, que tramita na corte desde 2009, não impediu a nomeação do deputado licenciado para os Transportes. A pasta é controlada pelo PR desde o início do primeiro governo Lula, ainda em 2003. Nesses 14 anos não foram poucas as denúncias de irregularidades atribuídas à gestão da legenda no ministério. Mesmo assim, Lula, Dilma e, agora, Temer preferiram deixar o controle da área com o Partido da República.
Indicações políticas
Embora tenha apostado em nomes de peso na equipe econômica, como o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, Temer insiste em indicações políticas para setores essenciais para a vida do cidadão, como a segurança pública, a saúde e a educação. Sua mais nova escolha para o Ministério da Justiça, o deputado Osmar Serraglio (PMDB), tem um currículo modesto para a área. Ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e ex-relator da CPI dos Correios, Serraglio é mestre em Direito do Estado, foi professor universitário e aluno do próprio presidente.
Administrador de empresas, o ex-líder do DEM na Câmara Mendonça Filho virou ministro da Educação sem nunca ter atuado em posições de destaque na área. O deputado federal licenciado já foi vice-governador (condição que lhe rendeu quase um ano de mandato de governador), deputado estadual e secretário de Governo e da Agricultura em seu estado natal.
Engenheiro civil e empresário, Ricardo Barros, “o notável do PP” para a Saúde, nunca exerceu qualquer cargo na área. Político com grande experiência na Comissão de Orçamento, recebeu do controlador de um plano de saúde (Aliança) a sua maior doação individual, no valor de R$ 100 mil, na campanha à Câmara de 2014.
Em fevereiro, uma nomeação de Temer foi decidida pelo Supremo. Amigo do presidente, Moreira Franco foi alçado da secretaria-executiva do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) para a Secretaria-Geral da Presidência, em meio ao acirramento das denúncias contra ele na Lava Jato. Entre outras coisas, o ministro é acusado de receber R$ 3 milhões em propina da Odebrecht. A promoção foi interpretada pela oposição como parte da estratégia do presidente para blindar o colega de partido. Após uma disputa judicial, o ministro Celso de Mello, do Supremo, concedeu liminar favorável à posse do peemedebista.
Mal na rua, bem no Congresso
Com índices elevados de rejeição nas ruas, Temer tem investido na consolidação de sua ampla maioria parlamentar. Desde que assumiu o comando do país, interinamente em 12 de maio e de forma definitiva em 31 de agosto, o peemedebista tem registrado apoio recorde no Congresso. Situação que contrasta com os crescentes índices de desaprovação popular à sua administração. De acordo com pesquisa feita em fevereiro pela MDA, encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), indica que apenas 10,3% dos brasileiros aprovam o atual governo. Em outubro, o índice dos que consideravam ótima ou boa a gestão dele era de 14,6%.
De lá para cá, cresceu, por outro lado, o percentual dos que consideram a administração federal ruim ou péssima – de 36,7% para 44,1%. Já os que julgam regular o atual governo passaram de 36,1% para 38,9%. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais e o índice de confiança, de 95%. Ao todo, a MDA ouviu 2.002 pessoas de 138 cidades das cinco regiões do país, entre 7 e 11 de fevereiro.
Com forte presença entre os parlamentares, Temer conseguiu, no ano passado, uma média de 81% de apoio entre os deputados nas votações realizadas pela Câmara até 15 de dezembro, de acordo com levantamento feito pela Revista Congresso em Foco com base no Basômetro, ferramenta desenvolvida pelo jornal O Estado de S. Paulo. O dispositivo, no entanto, não possui dados atualizados para o Senado (veja como os senadores votaram nas principais votações de 2016).
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