Entidades do funcionalismo público já se mobilizam contra a “modernização da gestão de pessoas” pretendida pelo governo federal, na verdade um plano do Ministério do Planejamento que implicará redução de salários a ponto de equipar as remunerações do servidor público às da iniciativa privada. O projeto, ainda sob elaboração e a ser encaminhado ao Congresso ainda em 2017, visa diminuir os gastos da União com pessoal como forma de ajudar no ajuste fiscal imposto pelo governo Michel Temer. Em manifestação encaminhada ao Congresso em Foco (veja íntegra abaixo), a pasta nega que a matéria entrará na pauta imediatamente e diz que não haverá redução de salários, mas admite que “deverá ser postergada para 2019 a data de efetivação da medida”.
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O assunto revolta entidades do funcionalismo. Desde agosto, quando o assunto veio à tona, grupos como Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) e Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) passaram a denunciar o “desmonte do funcionalismo público” e reforçaram a disposição para greves gerais, como este site mostrou na ocasião. Na versão oficial, o governo diz querer conter o ritmo de crescimento da folha de pagamentos em quase R$ 70 bilhões em dez anos e reduzir em 70% o custo médio dos funcionários públicos, apenas com a diminuição do salário inicial. Em 20 anos, almeja o Executivo, o objetivo é cortar em R$ 294 bilhões os compromissos com salários. Mas, para entidades como o Sindicato dos Gestores Governamentais de Goiás (SindGestor), trata-se de uma forma de colocar a culpa do rombo fiscal no funcionalismo público – atualmente, a segunda maior despesa obrigatória do orçamento federal (12,6% do total de gastos; Previdência Social, em primeiro lugar, consome 57,1%).
Publicidade“Estamos começando uma movimentação nacional, uma articulação nacional no Congresso para tentar barrar isso”, disse à reportagem o presidente do Sidgestor e da Federação Nacional de Carreiras de Gestão de Políticas Públicas (Fenagesp), Eduardo Aires, para quem o governo aproveita um relatório do Banco Mundial, encomendado pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy e entregue à equipe econômica de Temer, para tentar justificar a política de redução salarial. Eduardo trata do assunto no artigo intitulado “Diminuir salário de servidor para enfrentar deficit é tapar sol com a peneira”, que este site leva ao ar neste sábado (2).
Intitulado Um Ajuste Justo – Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil, o relatório encaminhado em 21 de novembro aos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) diz que o país ainda sofre com a ineficiência da gestão pública e gasta excessivamente com a remuneração e a estrutura do funcionalismo, situação que impõe corte de privilégios e redução dos custos com pessoal. Além disso, o trabalho expõe as discrepâncias salariais do mercado de trabalho, em um contexto de valores muito superiores reservados à remuneração do servidor público em relação aos trabalhadores da iniciativa privada.
“Eles leram errado o relatório. Nos texto eles [analistas do Banco Mundial] falam, principalmente, de distorções no Legislativo e no Judiciário. Nós vamos nos articular para mostrar que o relatório não foi lido na íntegra, que só foram pinçadas as partes que interessavam para o governo criar o discurso”, acrescentou o dirigente, acusando o governo de manipular informações sobre os supostos privilégios dos servidores e, consequentemente, de colocar a população contra a classe.
“Quem vai criticar uma medida do governo que vai reduzir gastos? Ninguém critica – nem nós, gestores públicos, servidores. Achamos que o caminho é esse mesmo. Só que eles estão querendo imputar a responsabilidade sobre o deficit público ao serviço público. Falam que o Banco Mundial está dizendo que esta é a razão. Mas não é. O relatório do Banco Mundial não diz isso”, arrematou Eduardo Aires.
O dirigente diz ainda que o governo, com o discurso de cortar privilégios no serviço público, distorce a realidade com a proposta de redução salarial. “Eles dizem: vamos fazer a isonomia [salarial]. Mas é economia de uma conta que ainda não foi feita, porque não vai reduzir o valor de quem já está [na folha], mas vai reduzir o inicial da carreira, ou seja, só para quem vai entrar por concurso nos próximos anos – o que, pela PEC do Teto de Gastos, provavelmente nem vai ter”, lamenta o presidente do SindGestor, referindo-se à Emenda Constitucional 95, uma das primeiras providências legislativas da gestão Temer, que engessou o gasto público pelos próximos 20 anos (leia mais).
O plano
Segundo o plano de reformulação de política salarial, o salário inicial para ingresso na carreira de gestor, que exige nível superior e é um das cerca de 250 carreiras do Executivo, cairia de R$ 16,9 mil para R$ 5 mil. Naquela categoria estão analistas do Tesouro Nacional e do Banco Central, por exemplo.
Já para os concursos de nível médio, que inclui técnicos legislativos do Senado e da Câmara, por exemplo, o salário de ingresso cairia para R$ 2,8 mil, no máximo. A depender da situação, como livre destinação de verba de gabinete com comissionados, essa remuneração pode ultrapassar R$ 10 mil na atual legislatura, em ambas as Casa legislativas.
Atualmente, o servidor concursado que entra no quadro da União com salário de R$ 16,9 mil alcança a remuneração máxima da carreira em 13 anos (R$ 24,1 mil). Caso os planos do governo se concretizem, o que promete uma batalha com uma classe de mais de dois milhões de pessoas, o salário de ingresso no funcionalismo não só será reduzido, como também serão impostos 30 níveis de progressão funcional. Além disso, segundo o projeto em gestação, toda e qualquer promoção será concedida por mérito.
A princípio, as mudanças valem apenas para os servidores do Executivo, mas podem ser copiadas pelos demais Poderes (Legislativo e Judiciário), que são independentes e praticam remunerações muito mais altas. Em agosto deste ano, quando foi atropelado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), no anúncio de um pacote fiscal (rombo de R$ 159 bilhões para 2017 e 2018), o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, deu a senha para o Congresso.
“Vamos mandar [o projeto] para o Congresso para tudo ser aprovado ainda neste ano. Contamos com a aprovação, pois é importante para o país”, disse Dyogo, que ocupou a vaga no Planejamento aberta por Jucá. Considerado um ministro informal da pasta, o senador deixou o Executivo após ter sido flagrado em escutas telefônicas falando em estancar a sangria da Operação Lava Jato. Ele exerceu o posto por cerca de dez dias, no início da gestão Temer.
Leia a manifestação do Ministério do Planejamento:
Não haverá redução de salários.
Os reajustes acordados com as categorias de servidores do Executivo que optaram pelo pagamento escalonado dos novos índices serão cumpridos. Apenas deverá ser postergada para 2019 a data de efetivação da medida.
Sobre a movimentação dos sindicalistas este Ministério não se manifesta.
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