Em seu primeiro mandato, o deputado Cláudio Puty (PT-PA) é uma das principais vozes na Câmara contra a divisão do Pará. Economista e professor universitário, o petista acredita que a criação de “máquinas burocráticas”, ao contrário do que preconizam os “separatistas”, só vai trazer prejuízos ao invés dos alegados benefícios econômico-sociais. Membro titular da Comissão de Finanças e Tributação e da comissão externa instalada para acompanhar investigações de irregularidade na Assembleia Legislativa do Pará, Puty diz que “indícios” mostram que Carajás e Tapajós, as duas regiões com possibilidade de se transformar em estados, não teriam condições financeiras de sustentar a estrutura de criação (prédios públicos, aumento da estrutura funcional, ampliação da malha viária, etc), o que geraria a necessidade de novos gastos federais.
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O deputado evita taxar de oportunistas os idealizadores do desmembramento, mas vê oportunismo na “elite centralizadora” da capital paraense, Belém, e nos “políticos de ocasião” de olho em espaços políticos regionais. “Há uma tradição da elite de Belém, que é uma tradição concentradora na capital, então é necessário nós criarmos mecanismos, na legislação estadual, para forçar a redistribuição desses recursos. Inclusive para evitar que políticos de ocasião, oportunistas de ocasião, possam se utilizar disso como uma bandeira para vender ilusões naquelas regiões”, critica o deputado, para quem a desinformação do povo paraense é estimulada pelos políticos locais que não esclarecem, por exemplo, os riscos em torno do Fundo de Participação dos Estados, na iminência de ter seu critério de repasses alterado depois de intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Acho que falta é contar a história toda, e não estão contando. É como se o FPE fosse aumentar para todo mundo, como se a bancada [de parlamentares] fosse aumentar para todo mundo, como se tudo melhorasse com a simples criação de duas unidades federativas. Eles gostam muito de mencionar o exemplo de Tocantins, mas não mencionam outros estados onde a criação de unidades federativas deixou o estado aprisionado por conta de oligarquias locais, que tomaram conta da máquina estatal e o dirigem como se fosse a extensão de suas casas”, critica Puty, para quem os defensores da divisão usam os problemas do estado para “vender ilusões”.
Confira abaixo os principais pontos da entrevista concedida por Cláudio Puty ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – Por que o senhor é contra o desmembramento do Pará?
Cláudio Puty – Eu ser contra a divisão do estado não significa dizer que eu esteja satisfeito com o Pará do jeito que está. São coisas totalmente distintas. Nós temos problemas ambientais graves, temos problemas nas nossas cidades – e mal podemos chamar de cidades, porque elas são muito precárias. Temos um problema de desigualdades territoriais, temos também uma intensa pobreza na região metropolitana de Belém. Mas eu não acho que dividir estados seja uma solução mágica para o Brasil combater a pobreza, a falta de infraestrutura, os problemas de segurança, de educação. Não acho que seja uma boa maneira, no geral, porque se cria gastos desnecessários para combater aqueles problemas que você diz que são a causa e o sentido da divisão. Se o problema são as estradas não asfaltadas, a falta de segurança ou a péssima qualidade da escola, não me parece que a solução seja criar assembleias legislativas, novos tribunais e assim por diante. Há uma perda de foco, em primeiro lugar. Em segundo, há o uso, por parte de algumas lideranças locais que projetam a possibilidade de dar seguimento às suas carreiras políticas, a partir da abertura de novos espaços – novos senadores, deputados, deputados estaduais.
Seria uma manobra da velha política patrimonialista, então?
No caso específico do Pará, ainda há uma característica mais grave: há indícios de que os dois novos estados seriam insustentáveis financeiramente. O peso da máquina sobre a arrecadação dos futuros estados é insustentável, e isso é admitido inclusive pelos próprios separatistas, que contam com um suposto aumento do Fundo de Participação dos Estados. Nós sabemos que a regra do FPE vai mudar neste ano. Há uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que tratou a atual regra como inconstitucional, e que pede uma revisão dos critérios de distribuição do FPE. Então, não há garantia nenhuma de que, dividindo o Pará em três, será a primeira divisão que soma. Isso não faz sentido, acho que nós estamos perdendo uma boa oportunidade para debater os reais problemas do estado do Pará – que estão associados à legislação federal, que faz com que nossos minérios não paguem impostos para o estado; à necessidade de revermos os royalties sobre a mineração; em terceiro lugar, utilizar melhor os recursos que vêm para o estado, advindos dos royalties da mineração – temos muitas cidades mineradoras onde os recursos são muito mal empregados, e, claro, empreender um processo de descentralização administrativa, sim. É possível descentralizar.
O senhor acha que há oportunismo de quem propôs o desmembramento?
Eu não vou julgar, porque eu acho que, na política você pode tratar as coisas de maneiras distintas. Mas o fato é que há conseqüências para todo o Brasil com a mudança nas bancadas, já que alguém vai perder em relação ao número de deputados. O que não se conta é que, com a criação dos novos estados, alguém perde. E quem perde é o Pará remanescente, quem perde é o Brasil. Acho que falta é contar a história toda, e não estão contando. É como se o FPE fosse aumentar para todo mundo, como se a bancada fosse aumentar para todo mundo, como se tudo melhorasse com a simples criação de duas unidades federativas. Veja alguns exemplos – e eles gostam muito de mencionar o exemplo de Tocantins, mas não mencionam outros estados onde a criação de unidades federativas deixou o estado aprisionado por conta de oligarquias locais, que tomaram conta da máquina estatal e o dirigem como se fosse a extensão de suas casas. Temos que ter muito cuidado com isso, e tenho certeza de que, no dia 11 de dezembro, tenho certeza de que essa tese vai ser derrotada.
O que poderia ser feito, então, para que os vácuos territoriais do Pará deixassem de ser um problema e passassem a constituir uma região produtiva?
Eu iniciei a entrevista falando que o fato de eu ser contra a divisão não significa que eu esteja satisfeito com o Pará do que jeito que está. É necessário descentralizarmos os serviços públicos para essas áreas de ocupação recente, de 25 a 30 anos se comparadas à região ao redor de Belém, que tem 400 anos. É natural que, com o afluxo populacional súbito, principalmente com os projetos mineradores, haja um déficit nos serviços do estado. Há uma tradição da elite de Belém que é uma tradição concentradora na capital. Então, é necessário nós criarmos mecanismos, na legislação estadual, para forçar a redistribuição desses recursos, inclusive para evitar que políticos de ocasião, oportunistas de ocasião, possam se utilizar disso como uma bandeira para vender ilusões naquelas regiões.
Depois da resposta do povo no plebiscito, o projeto de desmembramento, na hipótese de aprovação, ainda teria de passar pela Assembleia Legislativa do Pará, por exigência da Constituição estadual, e depois retornar à apreciação do Congresso. Não se trata de um poder muito reduzido do povo paraense em decidir sobre a divisão?
É que é um plebiscito, e não um referendo. Se fosse um referendo, seria terminativo ali, no próprio ato [do voto]. É uma consulta…
Sim, e que aufere a vontade do povo, mas que depende não do povo, e não só de seus representantes, mas dos mandatários dos outros estados. Ou seja, uma democracia relativa…
Isso, e a maioria das pessoas não está sabendo, é uma contradição. Por que se criou um plebiscito? E, obviamente, se passar a divisão do estado, acho que é um constrangimento muito grande algum parlamentar do próprio estado defender contra. A tendência é seguirem o resultado do plebiscito – que eu acho que vai ser contra a divisão, diga-se de passagem, segundo as últimas pesquisas, na proporção de 60% a 30%, com alguns indecisos. Mas essa história não está sendo contada. É como se fosse, já, uma decisão final. Isso é mais um elemento que coloca lenha nessa confusão.
Diante das potencialidades do Pará, o que falta para que o estado estabeleça uma relação mais estreita com o resto do país?
O Pará é uma terra de muitas qualidades, mas de muitos problemas. Um dos problemas se expressa nessa tentativa de divisão, que é a área da fronteira. E essa fronteira significa presença recente, falta de unidade política, uma elite muito decadente ao redor de Belém e tudo o mais. Então, é um estado que sangra. Precisamos da presença do Estado, de uma reforma tributária que garanta ao Pará as receitas que ele merece – porque as riquezas não pagam impostos. Isso permitia uma maior presença do Estado nas regiões. O que significa isso? Proteção para as pessoas, melhor qualidade dos serviços públicos e um melhor trato da dimensão ambiental no desenvolvimento do Estado do Pará. Isso é uma grande oportunidade que estamos jogando fora.
E a questão fundiária? A presença do Estado seria capaz de mitigar conflitos que, não raro, levam a assassinatos de lideranças religiosas?
Sim. Nós temos a presença do Estado, como representação da União, que é ineficaz. Os Incras [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], Ibamas [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente] e os ICMBios [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] precisam ser remodelados. Eles conflitam, muitas vezes, em atribuições entre si – para não falar do conflito de atribuições com municípios e com o estado como um todo. Nós temos um estado cuja arrecadação não é suficiente para dar conta da pavimentação, provavelmente, da maior malha viária do Brasil, e uma das maiores do mundo, seguramente, com milhares de quilômetros de vicinais, e de estradas federais e estaduais não pavimentadas; uma diversidade regional – Marajó é totalmente diferente da região ao redor de Belém, que é diferente da região ao redor de Santarém, de Marabá, e ali mesmo tem uma grande dimensão territorial e uma identidade cultural distinta. Então, precisamos é de presença do Estado, mas a presença do Estado não é, necessariamente, a partir da criação de máquinas burocráticas.
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