Edson Sardinha e Renata Camargo
Tradição familiar não é sinônimo de sucesso na política. Mas é quase isso, a julgar pela atual composição da Câmara. Um em cada dois deputados da atual legislatura tem laços de parentesco com outras figuras da vida pública brasileira. Dos 564 deputados que assumiram mandato este ano, entre titulares, suplentes e licenciados, 271 (48%) são parentes de políticos. São filhos, netos, pais, irmãos, sobrinhos, tios, primos, cônjuges ou ex-cônjuges de quem tem ou já teve mandato, exerceu algum cargo de nomeação política ou participou de eleição.
Onze dos 22 partidos com assento na Câmara têm ao menos metade de sua representação formada por deputados com familiares políticos. O quadro é de amplo predomínio em algumas das principais legendas do país, como o PMDB, o DEM e o PP, campeões no número de parlamentares com parentes na política entre as cinco maiores bancadas da Casa. Os dados fazem parte de levantamento exclusivo feito pelo Congresso em Foco sobre as relações de parentesco entre os parlamentares no Legislativo federal.
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Dos 84 peemedebistas que assumiram mandato na Câmara este ano, 55 (65,5%) misturam vínculos políticos e familiares. Isso também ocorre com 31 (63,3%) dos 49 integrantes do Democratas. E ainda com 29 (63%) dos 46 representantes do PP. O PSC, o PTB, o PR, o PSDB e os nanicos PHS, PRP, PRTB e PTC completam a relação dos partidos em que a prática de fazer política em família alcança pelo menos metade de seus nomes.
A chamada ?bancada dos parentes? triplicou na Casa nos últimos quatro anos. O livro O que esperar do novo Congresso ? Perfil e Agenda da Legislatura 2007-2011, feito pelo Congresso em Foco em parceria com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), apontava a existência de 92 deputados com elos políticos familiares na legislatura passada.
Para o cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os números do novo levantamento confirmam o que ele já suspeitava: cresce nos estados a concentração de poder nas mãos de poucas famílias.
?O que estamos observando é o mesmo que aconteceu na primeira República, a República Velha. Cada vez é maior a existência de linhagens, de oligarquias, nos estados. Muitos achavam que era um fenômeno da República Velha, no início do século XX, mas é cada vez mais um fenômeno contemporâneo do início do século XXI. E está aumentando como se observa no levantamento do Congresso em Foco?, afirma o professor.
Nas duas Casas
Algumas famílias conseguem ter representantes nas duas Casas Legislativas. Oito deputados são filhos de senadores. Dois deputados têm filhos senadores. Dono da maior bancada no Senado e da segunda mais numerosa na Câmara, o PMDB abriga, por exemplo, os senadores Renan Calheiros (AL) e Wilson Santiago (PB) e seus herdeiros políticos, os deputados Renan Filho (AL) e Wilson Filho (PB). Outros peemedebistas também mantêm um pé nas duas Casas: o deputado João Arruda (PR) é sobrinho do senador Roberto Requião (PMDB-PR); a deputada Marina Raupp (RO) é casada com o senador Valdir Raupp (PMDB-RO); Teresa Surita (RR) é ex-mulher do senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o deputado Celso Maldaner (SC) é irmão do senador Casildo Maldaner (PMDB-SC).
Para Ricardo Costa, esse tipo de poderio mostra o quanto os partidos políticos têm sido dominados por famílias. ?O PMDB e mesmo legendas de esquerda estão sendo monopolizados por famílias que controlam o partido. Esse é mais um fator para reprodução das famílias na política parlamentar. E também isso é a ponta do fenômeno no poder Legislativo. São grandes redes de cumplicidade e de favores, conectando o Legislativo, o Judiciário, o Executivo e todas as instituições do sistema político?, diz o cientista político.
Donos do poder
Em vias de perder parte de sua bancada para o Partido da Social Democracia (PSD), ainda em fase de criação, o DEM tem na Câmara herdeiros de algumas das principais lideranças do antigo PFL. O atual líder, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), de 32 anos, representa a quarta geração da família do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), o mais poderoso integrante do clã. ACM, o avô, era filho do ex-deputado Francisco Peixoto de Magalhães.
O deputado Felipe Maia (DEM-RN), de 37 anos, é filho do atual presidente do partido, o senador José Agripino (DEM-RN), também filho e sobrinho de importantes lideranças políticas do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Agripino recebeu o comando do partido há um mês das mãos do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), filho de seu primo, o ex-prefeito do Rio César Maia. Rodrigo, por sua vez, sucedeu o ex-senador Jorge Bornhausen (DEM-SC) na presidência da sigla. Jorge é pai do deputado licenciado Paulo Bornhausen (DEM-SC).
Proporcionalmente, entre as maiores bancadas, o PP é o terceiro em número de deputados com parentes na política. A legenda abriga, por exemplo, os deputados Missionário José Olimpio (SP), Mário Negromonte (BA) e João Leão (BA), pais de deputados estaduais. Alvo de uma série de representações na Câmara por causa de declarações consideradas homofóbicas e racistas, Jair Bolsonaro (PP-RJ) tem um filho deputado estadual, Flávio Bolsonaro (PP), e outro vereador no Rio, Carlos Bolsonaro (PP).
De pai para filho
Metade da bancada do PSDB na Câmara também está amarrada por laços familiares a outros políticos. Uma prática que vai desde a novata Bruna Furlan (SP), de 27 anos, filha do prefeito de Barueri, o ex-deputado federal Rubens Furlan (PSDB), até o experiente Bonifácio de Andrada (MG), de 80 anos, que representa a quinta geração de parlamentares federais descendentes do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada. A família Andrada está no Congresso há 190 anos. O atual líder dos tucanos, Duarte Nogueira (SP), é filho do ex-prefeito de Ribeirão Preto Antonio Duarte Nogueira.
O parentesco também tem grande peso no Partido Social Cristão. Dos 19 deputados que assumiram mandato pelo PSC na Câmara, 12 são familiares de lideranças políticas. O deputado Filipe Pereira (RJ) é filho do vice-presidente do PSC e um dos líderes da Assembleia de Deus, Everaldo Dias Pereira. O líder do partido, Ratinho Júnior (PR), é filho do ex-deputado Carlos Massa, mais conhecido como o apresentador de TV Ratinho, atualmente no SBT. O PSC também traz um caso curioso e único na atual legislatura: o de um casal unido na política, mas que representa estados diferentes. O deputado Silas Câmara, do Amazonas, é casado com a deputada Antônia Lúcia (PSC), do Acre.
Em crescimento
Entre os principais partidos na Câmara, o PT é o que tem, proporcionalmente, menos parlamentares ligados a famílias de políticos. Dos 97 petistas que passaram pela Casa este ano, 23 têm algum parente na política. Alguns deles, são bastante conhecidos. O partido que nasceu no movimento sindical também vê o crescimento de alguns núcleos familiares dentro de sua estrutura.
Filho do ex-deputado e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP), Zeca Dirceu (PR), de 32 anos, exerce seu primeiro mandato federal depois de comandar a prefeitura de Estrela d?Oeste (PR). O deputado José Guimarães (PT-CE) é irmão do ex-deputado José Genoino (PT-SP), ex-presidente do partido. Vander Loubet (PT-MS) é sobrinho do ex-governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, e primo do senador Valdemir Moka (PMDB-MS). Jilmar Tatto (PT-SP) é irmão do vereador paulistano Arselino Tatto (PT) e do deputado estadual Enio Tatto (PT).
De todas as bancadas na Câmara, apenas as diminutas representações do Psol, formada por três nomes, e do PSL, com um deputado, não têm parentes políticos. Com apenas cinco deputados, o PMN abriga dois filhos de importantes lideranças locais: Jaqueline Roriz (DF), filha do ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz (PSC), e Fábio Faria (RN), filho do vice-governador do Rio Grande do Norte, o ex-deputado estadual Robinson Faria (PMN). Jaqueline é filha também de Weslian Roriz (PSC), candidata derrotada ao GDF no ano passado, e irmã da deputada distrital Liliane Roriz. A deputada está na mira do Conselho de Ética, acusada de ter recebido dinheiro do mensalão do ex-governador José Roberto Arruda e de ter usado indevidamente a verba indenizatória.
Menos privilégios
Para o professor Ricardo Costa de Oliveira, só há uma maneira de frear a ascendente familiarização da política brasileira: institucionalizar a política, reduzindo privilégios decorrentes do mandato. Na avaliação dele, as benesses oferecidas a quem ocupa cargos públicos no Brasil estimula a entrada e a longa permanência de famílias na política. O interesse imediato desses grupos, pondera o cientista político, nem sempre é servir ao público.
?Você teria de aprimorar a institucionalização da política. Quer dizer, um poder Legislativo com menos gastos, sem vantagens e privilégios para o parlamentar. Precisamos da institucionalização de um Congresso moderno, sem depender dessa rede de clientelismo e patronagem. O sistema só piorou com essas famílias ampliando os poderes no Estado?, considera o professor da UFPR.
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