O Partido Solidariedade e Liberdade (Psol) ajuizou, na tarde desta quarta-feira (21) uma representação contra o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) no Conselho de Ética da Câmara (leia íntegra abaixo). O partido pede a cassação do mandato do parlamentar por quebra de decoro parlamentar ao ter divulgado, em seu perfil no Twitter, mentiras sobre a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, executada na semana passada.
O presidente do colegiado, Elmar Nascimento (DEM-BA), prometeu que dará celeridade ao processo.
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No documento entregue pelos deputados do partido, há cópia da mensagem divulgada no Twitter do deputado, em que ele reproduz notícias falsas sobre a vereadora carioca. “A calúnia, em si, já é um crime lamentável porque tenta atingir a honra e a imagem da pessoa. Quando acontece, todavia, após a morte, é conduta ainda mais reprovável, por ser absolutamente covarde, ao não permitir ao outro aplicar meios de defesa”.
O partido também aponta que Fraga fez outra postagem em seguida, de cunho racista, sobre o assassinato de um vereador em Porto Seguro (BA). “Na Bahia, não tem intervenção, muito menos ele era ‘nego’, sem falar que não era mulher nem gay… Você ficou sabendo dessa execução?”, escreveu o deputado.
Mais tarde, o deputado excluiu a publicação e admitiu que reproduziu as informações falsas sem checar a veracidade, mas que não se arrependia da publicação. Mesmo assim, com a repercussão negativa, Fraga encerrou suas contas no Twitter e no Facebook.
A representação assinada pelo presidente do Psol, Juliano Medeiros, questiona ao Conselho de Ética o uso da prerrogativa constitucional da inviolabilidade do discurso prevista no art. 53 da Constituição para calúnias. “Será realmente que, sob a égide da proteção constitucional sobre palavras, opiniões e votos, permite-se ao parlamentar dizer qualquer coisa, inclusive caluniar, difamar ou injuriar?”.
Leia a íntegra da representação:
REPRESENTAÇÃO Nº , DE 2018
O PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE – PSOL, partido político devidamente registrado no TSE, com sede em Brasília-DF e com representação no Congresso Nacional, e por seu representante legal abaixo subscrito, vem,diante de Vossa Excelência, com base no artigo 55, II e §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, nos artigos 17, VI, “g”, 231, 240, 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e artigos 3º, II, III, IV, VII, 4º, I e VI, 5º, X e 9º do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, apresentar
REPRESENTAÇÃO POR QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR contra o senhor JOÃO ALBERTO FRAGA DA SILVA (DEM/DF), deputado federal, brasileiro, com endereço na Praça dos Três Poderes, Câmara dos Deputados, Gabinete: 511 – Anexo IV, CEP: 70160-900 – Brasília – DF, por práticas incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar. Requer-se que apresente representação seja encaminhada ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar desta Casa, para que esta adote as medidas previstas no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, no Regimento Interno e na Constituição Federal, conforme o que relatado a seguir.
1. DOS FATOS
Conforme amplamente noticiado, a vereadora da cidade do Rio de Janeiro,eleita pelo PSOL com mais de 46 mil votos, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, foram brutalmente assassinados na noite de 14 de março do corrente ano. Ambos voltavam de evento organizado pelo mandato intitulado“Jovens Negras Movendo as Estruturas”, uma roda de conversa sediada pela Casa das Pretas, na Lapa (centro), quando foram interceptados pelos criminosos.
As investigações estão sob sigilo e, até o presente momento, nenhuma possibilidade foi formalmente descartada, apesar da presença de fortes indícios de uma execução política.
O Partido Socialismo e Liberdade, ora Representante, chora a dor de ter uma grande lutadora social arrancada covardemente de suas trincheiras. E, por tudo o que o assassinato de Marielle simboliza, vimos grandes homenagens e manifestações de rua se desencadearem por todo o Brasil, ecoando o grito: Marielle, presente! Hoje e Sempre!
É importante lembrar o luto por qual passam o povo brasileiro e as/os companheiras/os de Partido dela. Pois trata-se de um luto duplo. Perdemos uma das principais figuras e mais importantes vereadoras de todo o Brasil, o que acarreta falta e sofrimento político. Perdemos também uma amiga no sentido mais autêntico da palavra.
Em meio ao luto e em total desrespeito à memória de Marielle, o Deputado Alberto Fraga, ora Representado, abusou de suas prerrogativas constitucionais para caluniá-la, nos termos dos arts. 138 do Código Penal. Entre outras notícias falsas, acusou a vereadora do PSOL de ter sido casada com o traficante Marcinho VP, ser usuária de drogas e de ter sido eleita com apoio do Comando Vermelho. A calúnia, em si, já é um crime lamentável porque tenta atingir a honra e a imagem da pessoa. Quando acontece, todavia, após a morte, é conduta ainda mais reprovável, por ser absolutamente covarde, ao não permitir ao outro aplicar meios de defesa.
O Representado, por meio da rede social Twitter, escreveu:
Pouco depois da primeira postagem, o Deputado ora Representado fez outra postagem, dessa vez com cunho racista ainda mais evidenciado. Nela, fala sobre o assassinato do ex-vereador de Porto Seguro (BA) Aldair Silva Andrade: “Na Bahia, não tem intervenção, muito menos ele era ‘nego’, sem falar que não era mulher nem gay… Você ficou sabendo dessa execução?”.
Apesar de o Parlamentar ter excluído sua postagem diante da grande repercussão negativa, a mensagem direcionada à vereadora Marielle teve mais de mil e duzentas “curtidas”, 690 comentários e 580 compartilhamentos.
Em entrevista concedida à Band no mesmo dia da postagem inicial, o deputado disse que recebeu as informações pelas redes sociais, não apurou a veracidade do conteúdo, mas que não se arrepende de tê-la feito 3 . Isto é: não obstante aparentar que a retirada da postagem no Twitter tenha se dado por arrependimento, o próprio Parlamentar esclareceu que não é o caso. Ele excluiu seus comentários em razão do repúdio popular expressado através das redes sociais.
Marielle Franco era carioca do Complexo da Maré, negra, feminista, mãe aos 19 anos. Socióloga pela PUC/RJ e Mestre em Administração Pública pela UFF. Autora da dissertação “UPP – A redução da favela a três letras”.Defensora dos Direitos Humanos por 20 anos. Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado de Marcelo Freixo, na qualidade de assessora parlamentar. Vereadora eleita pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL – numa das cidades mais violentas do Brasil e da América Latina: Rio de Janeiro. Com mais de 46 mil votos, foi a quinta candidata mais votada na cidade em 2016. Sua tríade programática como parlamentar: Gênero, Raça e Cidade.
Seu currículo demonstra sua dedicação à vida pública e à militância social,de forma que não podemos admitir que o ora Representado extrapole suas prerrogativas constitucionais para violar a memória e a imagem da companheira que nos deixou. Por repercutir mentiras, calúnias e desrespeitar o luto de seus familiares, amigos e eleitores, o Representado abusou das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso Nacional incidindo na incompatibilidade com o decoro prevista no §1° do art. 55 da Constituição Federal.
2. DA QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR
As ações do deputado Alberto Fraga revelam uma clara afronta ao comportamento compatível com o decoro parlamentar, como o que estabelece a Constituição Federal e, por conseguinte, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, quando determina no seu art. 55, §1º, “ser incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.
Seguindo o espírito da Constituição, o Código de Ética e Decoro Parlamentar pune com a perda do mandato aquele que:
Art. 4º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, §1º); (…)
É sempre bom lembrar que a Constituição é quem cria os poderes e os cargos que os acompanham. E todos eles servem aos objetivos elencados na Carta Maior. Não se pode falar em prerrogativas de função em razão do cargo se estes não estiverem ancorados nos princípios e objetivos democráticos da Constituição Federal. Às vezes esquecemos que quando os constituintes se reuniram para elaborar o texto que hoje rege toda a nação, eles queriam se afastar de um regime autoritário que torturou e matou milhares de militantes, muito parecidos com Marielle Franco. A Constituição, mais do que um texto jurídico, é um compromisso político e social com um poder que não abuse de suas prerrogativas para atacar e vilipendiar adversários. É contra essa lógica que nós,enquanto nação, fundamos esta atual República.
As prerrogativas de função dos Parlamentares servem, inclusive, para resguardá-los dos ataques que o Executivo historicamente protagonizou contra as Casas Legislativas. O mau uso delas (das prerrogativas) é um desrespeito a essas conquistas. Mais: o mau uso delas para atacar, caluniar e difamar uma parlamentar que foi morta por exercer cargo político é algo inaceitável.
Impõe-se, portanto, uma reflexão necessária a este Conselho de Ética: será realmente que, sob a égide da proteção constitucional sobre palavras, opiniões e votos, permite-se ao parlamentar dizer qualquer coisa, inclusive caluniar, difamar ou injuriar? O Deputado Alberto Fraga, ao imputar falsamente fato definido como crime (uso de droga, associação ao tráfico, associação criminosa etc.) à Vereadora Marielle Franco, mesmo que post mortem, incide no tipo penal previsto no art. 138, CP.
O Supremo Tribunal Federal, invocando lições doutrinárias, assentou:
“Os direitos individuais, conquanto previstos na Constituição, não podem ser considerados ilimitados e absolutos, em face da natural restrição resultante do princípio da convivência das liberdades, pelo quê não se permite que qualquer deles seja exercido de modo danoso à ordem pública e às liberdades alheias. Fala-se, hoje, não mais em direitos individuais, mas em direitos do homem inserido na sociedade,de tal modo que não é mais exclusivamente com relação ao indivíduo,mas com enfoque de sua inserção na sociedade, que se justificam, no Estado Social de Direito, tanto os direitos como as suas limitações”.(AI 595395, Relator(a): Min. CELSO de MELLO, julgado em 20/06/2007, publicado em DJ 03/08/2007 PP-00134)
Vê-se, portanto, que a manifestação parlamentar pode, a depender dos termos, ultrapassar as barreiras da razoabilidade, como no caso em tela, onde há a imputação de ato criminoso flagrantemente mentiroso à memória da vereadora.Torna-se imoral, além de criminoso, e, assim, passível de sanção política.
Cumpre-nos registrar que o Supremo Tribunal Federal em recente decisão envolvendo outro Parlamentar desta Casa, decidiu pelo recebimento de denúncia por prática dos delitos de incitação ao crime de estupro e injúria. O Ministro Relator, Luiz Fux, entendeu que as declarações do Deputado Jair Bolsonaro não têm relação com o exercício do mandato, logo, não incide a imunidade prevista na Constituição: “O conteúdo não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal”. O Relator acrescentou que, apesar de o Supremo ter entendimento sobre a impossibilidade de responsabilização do parlamentar quanto às palavras proferidas na Câmara dos Deputados, as declarações foram veiculadas também em meios de comunicação, não incidindo, assim, a imunidade.
Não há dúvidas que a declaração caluniosa do ora Representado não guarda qualquer relação com o exercício do mandato, razão pela qual não incide a imunidade prevista na Constituição Federal.
Conquanto se discuta, no âmbito do Poder Judiciário, acerca do alcance da imunidade parlamentar sobre a manifestação de opiniões, palavras e votos, certo é que, tal blindagem, nos termos do caput do art. 53 da Constituição da República, diz respeito à responsabilidade penal e civil, não se referindo à responsabilidade político-disciplinar. Compete ao Conselho de Ética aferir em que medida o Representado atuou em respeito aos preceitos éticos que devem nortear a atuação parlamentar.
De toda forma, a própria Constituição Federal expressamente define que o abuso das prerrogativas por parte de congressista configura quebra de decoro parlamentar, punível com perda de mandato:
“Quanto ao decoro parlamentar, o § 1º do art. 55 atesta seja-lhe incompatível o abuso das prerrogativas dadas aos congressistas, ou seja, as imunidades materiais e processuais e as prerrogativas trazidas no art. 53.” (grifamos)
Ora, trata-se exatamente do ocorrido no caso em tela: há claro abuso de imunidade material conferida a congressista para, de maneira odiosa, caluniar a Vereadora Marielle. Resta, portanto, evidente que o Representado deve ser punido por esta Casa com a perda de seu mandato.
Por fim, cabe ressaltar que o parlamentar, assim como qualquer a gente público, deve obediência aos princípios da administração pública, trazidos no art. 37 da CF. Portanto, os integrantes do poder legislativo estão submetidos aos princípios da administração pública, e a quebra do decoro parlamentar, mais que uma infração funcional, afronta o princípio da moralidade pública. Para os autores Luiz Lênio Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes, isso, por si só, justifica a sanção da perda do mandato.
3. DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, requer-se:I – o recebimento da presente Representação pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e a competente instauração do Processo Disciplinar, ante o abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional, ato incompatível com o decoro parlamentar do Deputado Alberto Fraga, com a designação de relator;
II – a notificação do Representado para que responda, se lhe aprouver, a presente Representação, no prazo regimental;
III – o depoimento pessoal do Representado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, sem prejuízo da defesa técnica;
IV – a produção de provas por todos os meios permitidos em lei, além das apresentadas nesta oportunidade, principalmente a prova documental e testemunhal;
V – ao final, a procedência da presente Representação com a recomendação ao Plenário da Câmara dos Deputados da cassação do mandato parlamentar, uma vez que as condutas cometidas pelo Representado são incompatíveis com o decoro parlamentar, na forma do disposto no art. 55, §1° da CF e art. 4º, incisos I e VI do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, cuja pena, inscrita no próprio caput do referido art. 4º, é a perda do mandato.
Termos em que pedimos e esperamos deferimento.
Brasília, 21 de março de 2018.
JULIANO MEDEIROS
Presidente do Partido Socialismo e Liberdade
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