A futura Lei Geral da Copa do Mundo vai significar a submissão do Brasil aos interesses da Federação Internacional de Futebol Associados (Fifa). A conclusão é do promotor Maurício Antônio Ribeiro Lopes, do Plano Integrado de Atuação do Futebol do Ministério Público de São Paulo. “A Lei Geral da Copa vai instituir entre nós um estado de exceção. É um momento em que uma série de garantias hoje constitucionais deixarão de ter vigência”, afirmou ele em entrevista ao Congresso em Foco.
Como mostrou o site, os debates do governo federal sobre a futura lei e a minuta do texto prevêem liberdade para os organizadores do Mundial “discutirem” o fim da meia-entrada durante a competição, a liberação para consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, indenizações misteriosas e mudanças nas atuais normas de segurança dos torcedores.
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Lopes diz que o futuro projeto de lei ou Medida Provisória a ser enviada por Dilma Rousseff ao Congresso – a Lei Geral da Copa – vai agredir diversos direitos dos cidadãos. “Ela vai afetar o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Torcedor, vai criar um mecanismo que torna a Fifa isenta de ações judiciais no Brasil”, enumera. O promotor tem reservas sobre a eventual experiência de milícias privadas nos estádios no lugar da Polícia Militar na segurança da Copa. Lopes embasa parte de suas conclusões no chamado caderno de encargos da própria federação internacional, publicação com dois volumes (em 570 páginas) com recomendações e exigências para a realização do Mundial de 2014.
Para o promotor, se as leis do Brasil forem trocadas pelo acordo fechado com a Fifa em 2007, é melhor não receber o Mundial. “Eu devolveria a Copa”, dispara. “Do ponto de vista da probidade administrativa, a Copa do Mundo jamais deveria ter sido aceita nesses moldes.”
Lopes é o promotor que denunciou o deputado Tiririca (PR-SP) por forjar documento comprovando que ele era alfabetizado. Por lei, os analfabetos não podem candidatar-se a cargos públicos. Deputado federal mais votado nas últimas eleições, Tiririca fez um teste de alfabetização no ano passado e acabou absolvido pela Justiça Eleitoral.
PublicidadeVeja os principais trechos da entrevista com Maurício Lopes:
Estado de exceção
“A Lei Geral da Copa vai instituir entre nós um estado de exceção. É um momento em que uma série de garantias hoje constitucionais deixarão de ter vigência. Ela vai afetar o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Torcedor, vai criar um mecanismo que torna a Fifa isenta de ações judiciais no Brasil. Ou seja, a Lei Geral da Copa significa que o Brasil deixa de ser uma república federativa e passa a ser um estado-membro da Fifa. Se o preço for esse para realizar uma Copa, você pode dizer que o Ministério Público não tem nenhum interesse em realizar a Copa do Mundo no Brasil. É absurdo, é absurdo.”
O governo está cedendo sua soberania nacional à Fifa?
“Eu não tenho dúvidas.”
Há negligência do Executivo?
“Completa.”
Solução para o impasse
“Respeitar as leis em vigência no Brasil hoje. Nada mais do que isso. Qualquer lei no Brasil estabelece um conjunto de garantias mínimas. É um conjunto de situações que formam o direito adquirido. Isso não pode ser trocado por uma situação excepcional como a Copa do Mundo. Não há sentido em fazer uma lei que regulamente um único evento e que contrarie todo sistema que existe anteriormente a ele. O princípio da lei é que ela seja geral, que tenha um prazo de validade indeterminado. Essa é uma lei que tem prazo de validade. Começa daí. Ela tem um destinatário específico, que é a Fifa.”
Isenções fiscais
“Eu já achei um absurdo o conjunto de isenções fiscais dado para a Copa. Corre-se o risco de você não só ter a cervejaria dentro do estádio como a cerveja ser vendida sem que impostos sejam recolhidos para o estado, para o município, para a União.”
“Eu devolveria a Copa”
”Eu devolveria a Copa. Acharia muito melhor não ter feito a Copa. Eu devolveria a Copa com muito prazer e orgulho. A Copa do Mundo no Brasil tem um efeito claramente eleitoreiro. Era um ano de eleição, um grande interesse político em fazê-la, houve toda uma disputa, quase imoral, para estabelecer as sedes, quem vai ter isso, quem vai ter aquilo. E tudo isso sendo feito com dinheiro público. Do ponto de vista da probidade administrativa, a Copa do Mundo jamais deveria ter sido aceita nesses moldes. Tenho absoluta certeza que é possível fazer uma Copa do Mundo com moralidade administrativa. Se, para isso, vai se cumprir as leis e a Constituição ou se, para isso, vai se cumprir esse acerto com a Fifa, é uma distância muito grande. “
Cerveja e álcool
“Como membro integrante do grupo que cuida do futebol e Copa, [a lei] é um tema que nos preocupa, sim. Mas eu estou muito mais preocupado com as cervejarias. Estou preocupadíssimo. A cervejaria não está na lei, mas no caderno de encargos da Fifa. Se você pegar a publicação “Estádios de futebol, recomendações e requisitos técnicos”, capa dura, edição maravilhosa, caríssima… Na página 114 e seguintes, está ali a previsão de cervejarias. A Budweiser é patrocinadora da Copa do Mundo. Vou ler pra você o item “Tipos de instalações: ‘Há muitos tipos de instalações que servem alimentos e bebidas, inclusive: restaurantes, cervejarias, lojas e bares, com mesas e assentos’”. Está aqui. Essas são instalações que estão previstas que o estádio deve comportar. Um estádio, para ter jogo da Fifa, deve prever uma cervejaria.”
Idosos e vips
“Algumas garantias de que hoje dispõe o idoso, deixariam de existir. A meia-entrada não é só de estudante. É do idoso por disposição de lei federal. Deixaria de ser também. Você tem ali um espaço destinado com maior conforto para convidados vips do que para idosos e portadores de deficiência.”
Desrespeito ao Estatuto da Criança
“As mesmas razões. Se lá [Estatuto da Criança e do Adolescente] existe uma previsão de que o adolescente tem privilégio, um regime privilegiado em relação às demais pessoas, pelo que está aqui [caderno de encargos], isso desaparece.”
Estatuto do Torcedor e normas da Fifa
“O Estatuto confere uma garantia mínima. Qualquer coisa que venha a mais, nenhum louco vai se opor. A questão não é o que vem a mais. A questão é aquilo que é abreviado do Estatuto numa Lei Geral da Copa. Eu tenho sérias restrições a substituir o policiamento público oficial por uma milícia privada. Eu tenho seríssimas restrições. Eu acho que a questão de expertise, de treinamento, de direitos individuais. Não há possibilidade alguma de uma revista feita por um particular. Isso é algo inadmissível no nosso sistema. Nós não temos no Brasil uma empresa que tenha experiência em realização de segurança privada em grandes eventos como tem a Polícia Militar aqui em São Paulo, por exemplo. É uma atuação típica de Estado, e não de particular, o policiamento preventivo.“