Fábio Góis
A discussão sobre o Projeto de Lei 25/2002 – o chamado PL do Ato Médico – ainda vai dar o que falar no Congresso. Em tramitação há mais de sete anos na Casa, no vai-e-vem entre e Senado (onde a matéria teve origem) e Câmara, o projeto foi também aprovado pelos deputados, em 21 de outubro. O problema é que ele ameaça restringir a médicos ações de saúde que hoje são exercidas por outros profissionais, como acupunturistas, terapeutas e psicólogos. Ao reservar essas atividades para os profissionais de medicina, o PL do Ato Médico tem provocado fortes reações dessas outras categorias.
Tendo recebido alterações dos deputados, a matéria voltou ao Senado e aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde recebe relatoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE). Valadares ainda não definiu se manterá ou não as restrições previstas no texto. Mas as demais profissões do setor já advertem: não aceitarão proposta que centralize atribuições – leia-se diagnósticos e definição de tratamento, bem como execução de alguns procedimentos – para os médicos profissionais. Ou seja: polêmica à vista.
“Esse para nós é o ponto central [definição de atribuições]. Sem isso não tem negociação”, disse o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto Verona, ao Congresso em Foco. Sobre o fato de existirem vários médicos profissionais no Senado, o que poderia representar conflito de interesse na análise do projeto, Humberto é enfático: “É um risco. A gente vai fazer pressão”, advertiu.
Apenas na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde a matéria também será apreciada, são quatro os senadores médicos por formação: Mão Santa (PSC-PI), Papaléo Paes (PSDB-AP), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Rosalba Ciarlini (DEM-RN). A Casa também tem entre os médicos nomes como o do senador Tião Viana (PT-AC).
“Esses médicos estão no Senado para representarem o povo, e não corporativamente. O que se espera é que esses senadores defendam o verdadeiro interesse do povo”, disse à reportagem o presidente da Associação dos Fisioterapeutas do Brasil (AFB), Reginaldo Bonatti, para quem o interesse da população passa pelo “livre acesso da população aos serviços de saúde, sem precisar da tutela médica”.
“Hoje, o desenvolvimento científico de cada profissão permite que a população busque os profissionais sem recorrer ao médico. Cada profissão faz o seu diagnóstico relacionado ao seu objeto de trabalho. O da fisioterapia, por exemplo, tem um critério biológico e funcional”, acrescentou Reginaldo, para quem o sistema de saúde brasileiro, que “já é congestionado”, ficará pior se as atribuições forem centralizadas nos médicos profissionais.
Ato público
A iminente pressão das demais profissões de saúde já teve desdobramentos práticos nesta semana. Na última terça-feira (9), um ato público com marchas e atividades culturais, além de serviços de atendimento ao público, movimentaram as seguintes cidades: Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Natal (RN), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP) e Vitória (ES), além de três municípios de Santa Catarina (Florianópolis, Lages e Chapecó).
A mobilização, intitulada “Não ao ato médico”, teve o apoio de 61 entidades do setor, capitaneadas pelos conselhos Federal e Regional de Psicologia.
Veja a relação de entidades envolvidas no movimento
Segundo Reginaldo, planeja-se uma nova há a possibilidade de que manifestação também na Esplanada dos Ministérios, caso uma proposta não consensual seja apresentada pelos senadores.
Diagnóstico
Apresentado em fevereiro de 2002 pelo então senador Geraldo Althoff (PFL-SC), o PL define ato médico como “todo procedimento técnico-profissional praticado por médico habilitado e dirigido para promoção primária (promoção da saúde e prevenção de enfermidades), prevenção secundária (contra evolução de enfermidades e execução de procedimentos diagnósticos e terapêuticos) e prevenção terciária (invalidez ou reabilitação de enfermos)”.
Em síntese, o projeto estabelece que todos os procedimentos com fins terapêuticos “são atos privativos do profissional médico”, excluindo a possibilidade de que profissionais das chamadas terapias alternativas possam também executar legalmente tais procedimentos. A proposição ainda confere ao Conselho Federal de Medicina as tarefas de “normatizador e fiscalizador” do exercício da medicina no Brasil.
Papaléo Paes diz que a pressão em torno do projeto, como a que mobilizou os profissionais de saúde nas dez capitais, é fruto do “desconhecimento”. “Não sei porque isso, não tem motivo nenhum. É um ato político”, disse Papaléo, membro titular da CAS. “Não sei às custas de que, mas fundamentalmente pelo desconhecimento do projeto, eles ficam fazendo esses movimentos isolados.”
O senador diz que já está em curso uma “conversa informal” no sentido de “resgatar” o parecer da colega Lúcia Vânia (PSDB-GO), que foi alterado na Câmara e “discutido profundamente” no âmbito do Senado. A relatora, diz, obteve uma proposta que atende a todas as classes. “A maioria deles [profissionais paramédicos] não conhece o que é isso [o PL do Ato Médico]. Tem que haver um diagnóstico médico. O fisioterapeuta, por exemplo, vai executar as sessões de acordo com o diagnóstico que eu dei. Já o psicólogo vai atuar a partir da análise do psiquiatra”, exemplificou Papaléo, médico cardiologista formado na Universidade Federal do Pará.
“Pressão fortíssima”
Sanitarista e doutor em Medicina Tropical, o senador Tião Viana (PT-AC) disse ao Congresso em Foco que o Parlamento perdeu, nos idos dos anos 40 e 50, a oportunidade de elaborar uma legislação adequada para os profissionais de saúde. “Estamos pagando por não termos feito isso”, resignou-se Tião, afirmando que, em meados do século passado, o contexto profissional era mais propício para a tarefa.
“Há um lobby muito comum quando um debate, como o do ato médico, entra em confronto com todas as demais atividades paramédicas. Isso gera uma área de atrito em relação à sobreposição de funções. Acho que haverá uma fortíssima pressão dos médicos profissionais na salvaguarda de suas prerrogativas”, avalia Tião.
Mas o senador pelo Acre discorda da tese de que senadores médicos atuem de maneira corporativa quando da apreciação do projeto nas comissões. “Seis dentro de 81 não formam um universo de decisão”, argumentou, referindo-se ao número total de senadores no exercício do mandato, a quem caberá decidir a questão em plenário. “Esse debate vai ocorrer na legitimidade da democracia, do processo legislativo. Ganhará quem tiver mais habilidade de discussão e conseguir formar a maioria.”
Maioria e consenso. É o que o relator da matéria na CCJ, Antônio Carlos Valadares, diz estar à procura em reuniões com os profissionais de saúde. Ele disse à reportagem que já se reuniu com todas as categorias e definiu um grupo de trabalho para alcançar um parecer “o mais consensual possível”, a fim de “minimizar” a controvérsia causada pelos deputados.
“As alterações da Câmara levantaram o cabelo das outras profissões”, declarou o senador sergipano, para quem a primeira proposta primeiramente relatada na CAS pela senadora Lúcia Vânia, que não é médica, foi feita “com muita agilidade e competência”. Também para Valadares, a hipótese de atuação corporativa não procede. “Essa não é a intenção dos senadores. O Senado é a Casa do diálogo, de pessoas com muita experiência política. No meu caso, não farei nada à
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