Investigadores da Operação Lava Jato manifestaram sua insatisfação, por meio de notas (leia as íntegras abaixo), contra a decisão da Polícia Federal de desfazer um grupo especial de agentes da força-tarefa no Paraná com a alegação de que eles passarão a trabalhar de forma integrada em Delegacias de Combate à Corrupção e Desvios de Verbas Públicas (Delecor). Também por meio de nota, a PF justificou, nesta quinta-feira (6), que o atual efetivo na Superintendência Regional no Paraná será adequado à demanda e “reforçado em caso de necessidade”, mas que isso não indica o fim da Lava Jato ou de seus desdobramentos. Mas a explicação oficial não parece ter convencido membros da força-tarefa no Paraná, formada por procuradores do Ministério Público Federal no estado, e entidades como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
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“O Ministério Público Federal espera que a decisão possa ser revista”, diz trecho da nota assinada pela Procuradoria da República no Paraná.
PF confirma fim do grupo de trabalho da Lava Jato em Curitiba, mas fala em “realocação” de pessoal
“A anunciada integração, na Polícia Federal, do Grupo de Trabalho da Lava Jato à Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas, após a redução do número de delegados a menos de metade, prejudica as investigações da Lava Jato e dificulta que prossigam com a eficiência com que se desenvolveram até recentemente”, acrescenta a força-tarefa paranaense, acrescentando que o número de agentes da PF envolvidos com a Lava Jato foi “reduzido drasticamente no governo atual”.
O anúncio de “realocação” de pessoal é feito pouco mais de um mês após o corte de verbas, por parte do governo Michel Temer, para a Lava Jato e a Superintendência da Polícia Federal do Paraná, que tiveram quase um terço de seu orçamento diminuído em 2017. O Ministério da Justiça, a quem a PF é subordinada, destinou para ambos R$ 20,5 milhões neste ano (R$ 3,4 milhões para os gastos extras da operação), redução de quase 50% em relação aos R$ 29,1 milhões de 2016, quando R$ 4,1 milhões foram especificamente para a Lava Jato. A queda dos repasses específicos para a operação representa um percentual de 29,5%.
Segundo os procuradores do Paraná, nem a questão orçamentária nem previsões como a de que o intercâmbio de informações aumentará com a redistribuição dos agentes por delegacias especializadas podem ser utilizados como justificativa para a dissolução do grupo. “Pelo contrário, a distribuição das investigações para um número maior de delegados e a ausência de exclusividade na Lava Jato prejudicam a especialização do conhecimento e da atividade, o desenvolvimento de uma visão do todo, a descoberta de interconexões entre as centenas de investigados e os resultados”, lamentam os procuradores. “Embora já tenham sido recuperados, de modo inédito, mais de R$ 10 bilhões, há um potencial de recuperação de muitos outros bilhões, se os esforços de investigação prosseguirem.”
Na mesma linha segue a ANPR, que alerta para a importância de que as restrições orçamentárias impostas à PF não interferiam no papel institucional, ainda mais quando se trata de combate à corrupção. “A diminuição da força e das horas de trabalho da equipe até agora designada com exclusividade para atuar na maior investigação de combate à corrupção do país pode representar um retrocesso indelével para a operação mais extensa e importante de combate à corrupção do país, e que já recuperou mais de 10 bilhões de reais para os cofres públicos”, diz trecho do comunicado assinado pelo presidente da entidade, José Robalinho Cavalcanti.
“Rearranjos administrativos não podem colocar em risco o funcionamento dos órgãos do Estado, nem comprometer a continuidade de trabalhos estratégicos marcados pela excelência nos meios e nos resultados, como é exemplo a Operação Lava Jato”, conclui a ANPR.
Fator impeachment
As dificuldades que têm sido enfrentadas pela Lava Jato – em que pesem as críticas recorrentes de autoridades do calibre de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), à operação – começaram a ser apontadas durante os dias que antecederam o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, concluído em 31 de agosto de 2016. Em maio do ano passado, por exemplo, vieram à tona as famigeradas conversas secretamente gravadas pelo ex-presidente da Transpetro (subsidiária da Petrobras) Sérgio Machado, delator da Lava Jato, com próceres do PMDB, entre eles o então ministro do Planejamento e atual líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e o ex-presidente da República José Sarney.
Em um dos diálogos, que ainda hoje são citados como demonstração de que a Lava Jato sempre esteve sob ataque, Jucá sugere a Machado que uma “mudança” no governo federal resultaria em um pacto para “estancar a sangria” provocada pelas investigações do petrolão, que ameaça dezenas de peemedebistas. A informação foi veiculada à época pelo jornal Folha de S.Paulo, que publicou a transcrição das conversas gravadas em março, semanas antes da primeira votação do impeachment na Câmara, em 17 de abril.
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Jucá: troca de governo “estanca sangria” da Lava Jato
Mais de um anos depois dos primeiros indícios reais de afronta à Lava Jato, os cortes orçamentários têm representado uma asfixia aos trabalhos da força-tarefa, com consequências diretas em pagamento de diárias, realização de diligências e outras ações necessárias à continuidade da operação. No entanto, a PF não menciona o assunto na nota sobre a “realocação” de pessoal e nem cita o fim do grupo especial como uma consequência do corte de verbas, mesmo diante do fato de que o dinheiro posto à disposição da instituição é muito inferior àquele repassado nos últimos anos.
Em 2014, por exemplo, no início da Lava Jato, os recursos para a Superintendência da PF no Paraná cresceram 44%, saltando de R$ 14 milhões em 2013 para R$ 20,4 milhões. Já em 2015, manteve-se o mesmo nível de gastos autorizados pelo governo federal, ainda na gestão Dilma Rousseff. Assunto que ganhou o noticiário nos últimos dias, até a emissão de passaportes, tarefa que cabe à PF, foi interrompida devido à escassez de recursos, prejudicando milhares de pessoas em todo o país.
A redução do quadro de pessoal que trabalhava nas equipes da Lava Jato também era uma preocupação dos investigadores em Curitiba. O grupo chegou a ter 11 delegados em dedicação exclusiva à operação e, atualmente, apenas seis delegados continuam a trabalhar com esse foco.
Leia a nota da Procuradoria da República no Paraná:
“Dissolução do Grupo de Trabalho da Lava Jato na Polícia Federal prejudica as investigações
Os procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba (PR) vêm manifestar sua discordância em relação à dissolução do Grupo da Lava Jato no âmbito Polícia Federal.
1. A Operação Lava Jato investiga corrupção bilionária praticada por centenas de pessoas, incluindo ocupantes atuais e pretéritos de altos postos do Governo Federal. Foram realizadas 844 buscas e apreensões em 41 fases que ensejaram a apreensão de um imenso volume de materiais – apenas na primeira fase, foram mais de 80 mil documentos. São rastreadas, hoje, mais de 21 milhões de transações que envolvem mais de R$ 1,3 trilhão. Já foram acusadas por crimes graves como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa mais de 280 pessoas, e centenas de outras permanecem sob investigação. Embora já tenham sido recuperados, de modo inédito, mais de R$ 10 bilhões, há um potencial de recuperação de muitos outros bilhões, se os esforços de investigação prosseguirem.
2. A anunciada integração, na Polícia Federal, do Grupo de Trabalho da Lava Jato à Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas, após a redução do número de delegados a menos de metade, prejudica as investigações da Lava Jato e dificulta que prossigam com a eficiência com que se desenvolveram até recentemente.
3. O efetivo da Polícia Federal na Lava Jato, reduzido drasticamente no governo atual, não é adequado à demanda. Hoje, o número de inquéritos e investigações é restringido pela quantidade de investigadores disponível. Há uma grande lista de materiais pendentes de análise e os delegados de polícia do caso não têm tido condições de desenvolver novas linhas de investigação por serem absorvidos por demandas ordinárias do trabalho acumulado.
4. A redução e dissolução do Grupo de Trabalho da Polícia Federal não contribui para priorizar ainda mais as investigações ou facilitar o intercâmbio de informações. Pelo contrário, a distribuição das investigações para um número maior de delegados e a ausência de exclusividade na Lava Jato prejudicam a especialização do conhecimento e da atividade, o desenvolvimento de uma visão do todo, a descoberta de interconexões entre as centenas de investigados e os resultados.
5. A necessidade evidente de serviço, decorrente inclusive do acordo feito com a Odebrecht, determinou que a equipe do Ministério Público Federal na Lava Jato em Curitiba tenha aumentado, o que ocorreu em paralelo ao aumento das equipes da Lava Jato no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, no mesmo período em que a Polícia Federal reduziu a equipe dissolveu o Grupo de Trabalho da Lava Jato em Curitiba.
6. A Polícia Federal, assim como a Receita Federal, são parceiras indispensáveis nos trabalhos da Lava Jato. Reconhece-se ainda a dedicação do superintendente da Polícia Federal no Paraná, Rosalvo Franco, e do Delegado de Polícia Federal Igor de Paula, às investigações. Contudo a medida tornada pública nesta quinta-feira (6) é um evidente retrocesso. Por isso o Ministério Público Federal espera que a decisão possa ser revista, com a consequente reversão da diminuição de quadros e da dissolução do Grupo de Trabalho da Polícia Federal na Lava Jato, a fim de que possam prosseguir regularmente e com eficiência as investigações contra centenas de pessoas e de que os bilhões desviados possam continuar a ser recuperados.”
Agora, leia a nota da ANPR:
“Lava Jato: Procuradores da República lamentam fim do grupo de trabalho da Polícia Federal de Curitiba
Brasília (06/07/2017) – A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recebeu com preocupação a notícia de que o grupo de trabalho da Operação Lava Jato, da Polícia Federal de Curitiba (PR) foi, na prática, encerrado, e substituído por uma atuação sem exclusividade. A diminuição da força e das horas de trabalho da equipe até agora designada com exclusividade para atuar na maior investigação de combate à corrupção do país pode representar um retrocesso indelével para a operação mais extensa e importante de combate à corrupção do país, e que já recuperou mais de 10 bilhões de reais para os cofres públicos.
Muito tem se falado ultimamente sobre os impactos do contingenciamento orçamentário a que estão submetidos diversos órgãos do governo, entre eles o MPF e a Polícia Federal. Contudo, a eficiência, sobretudo em tempo de severas restrições financeiras, é um dever constitucional do Estado. Rearranjos administrativos não podem colocar em risco o funcionamento dos órgãos do Estado, nem comprometer a continuidade de trabalhos estratégicos marcados pela excelência nos meios e nos resultados, como é exemplo a Operação Lava Jato.
Nos últimos três anos, com a Operação Lava Jato, o país vem acompanhando os resultados de um trabalho conjunto, coeso e técnico que está desnudando esquemas de corrupção da mais elevada complexidade. Há ainda muitas linhas de investigação a serem desenvolvidas, documentos a serem analisados e recursos a serem a devolvidos ao país, muitas destas iniciativas a cargo ou dependendo da colaboração da Polícia Federal.
Noticia-se que a decisão que afetou a atuação da Polícia Federal foi interna, tomada pelas mesmas direção geral e superintendência no Paraná que lá estão desde o início da operação. Pois bem: a Polícia Federal é um órgão de Estado, e é fundamental que todas instituições de Estado tenham responsabilidade na hora de escolher os projetos e políticas prioritários. O MPF tem tido este cuidado. De fato, o MPF, a despeito de estar sujeito às mesmas restrições orçamentárias impostas à Polícia Federal, aumentou nos últimos tempos as equipes dedicadas à Lava Jato, inclusive em Curitiba. O País espera também de todos os demais órgãos envolvidos na investigação, em particular da Polícia Federal, que, como até hoje têm feito, mantenham o mesmo esforço, e a mesma prioridade.
José Robalinho Cavalcanti
Procurador Regional da República
Presidente da ANPR”
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