Um pedido de vista do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) interrompeu a discussão, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da proposta de emenda à Constituição que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos (PEC 55/2016, que na Câmara tramitou como PEC 241). Depois da leitura do relatório apresentado pelo líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), que se declarou favorável à proposição, o presidente da CCJ, José Maranhão (PMDB-MA), acatou a solicitação de Ferraço e interrompeu os trabalhos, intensificando uma discussão já iniciada entre oposicionistas, que apresentaram requerimentos e queriam mais discussões, e membros da base.
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Responsável pela leitura do relatório, Eunício rejeitou de ofício uma emenda apresentada pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff (2010-2014). Uma das mais irritadas com o encerramento da discussão na CCJ, Gleisi queria condicionar a entrada em vigor da nova legislação a um primeiro teste, por meio de referendo popular autorizado pelo Congresso. A ideia da senadora contraria as intenções governistas, uma vez que o texto original da PEC determina vigência imediata, a partir do ato de sua promulgação. Vendo sua demanda rejeitada, e diante da decisão de Maranhão, membro da base de sustentação ao governo Temer, em pôr fim à sessão, a parlamentar petista protestou.
“Para quê esse açodamento? Por que o governo não quer o debate?”, questionou Gleisi, para quem o governo quer impor a conta do ajuste fiscal aos mais pobres.
PublicidadeCom a tática de aceleração nos debates sobre o texto, os governistas impuseram a prerrogativa de comando da CCJ e, entre uma ou outra troca de acusações com os oposicionistas, impediram que mais críticas como a de Gleisi tivessem espaço no colegiado, cujos trabalhos são transmitidos em tempo real nos canais de comunicação do Senado (rádio, TV, internet). Antes do bate-boca, Eunício advertiu, durante a leitura de seu parecer, que caso o Congresso não aprove a PEC 55, sepultando o novo regime fiscal pretendido por Temer, o país mantterá a tendência de “estagnação econômica ou crescimento mínimo”.
Eunício disse ainda que a PEC não modifica preceitos constitucionais, além de resguardar cláusulas pétreas da Constituição e a estrutura federativa do Estado. O peemedebista rebateu ainda a tese de que a proposta significará redução de recursos para saúde e educação. “Em relação à saúde, o novo regime fiscal elevará o piso em 2017, de 13,7% da Receita Corrente Líquida para 15%”, contestou, imediatamente contestado pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Eunício disse ainda que a PEC assegura a manutenção do piso constitucional para o setor da educação, fixado para o próximo ano em 18% da arrecadação de impostos. “A partir daí, tal como ocorrerá com o piso para gastos com saúde, os valores serão corrigidos pela inflação, garantindo seus valores reais”, justificou o relator.
Reflexos
A PEC 55 impõe novos limites na elaboração e execução do Orçamento por 20 anos e prevê uma das mais importantes alterações no modelo de Estado desenhado pela Constituição de 1988. Também obrigará modificações em outros artigos constitucionais e em várias leis ordinárias que regem programas de governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terá de ser feita nas leis que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que vierem a prever aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão ser nem mesmo negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos previstos na emenda. Todas as leis municipais e estaduais que regem os servidores ficarão submetidas ao limite constitucional de gastos.
Também haverá mudança nos critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada (BPC) que prevê um salário mínimo a quem tem pelo menos 65 anos e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da emenda, mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, pelas regras atuais, o BPC consome 54% do orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social. A projeção é que, em 20 anos, o percentual do orçamento da pasta comprometido com o benefício suba para 177%.
Projeção feita pela Sociedade Brasileira de Economia Política estima a redução das despesas primárias da União dos atuais 20% do PIB, neste ano, para 16% em 2026; e apenas 12% em 2036, prazo final da vigência prevista na emenda. Isso ocorreria porque a União se desobrigaria de abrir novas vagas em programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Ou terá de reduzir drasticamente as compras públicas, tanto para custeio quanto para investimentos. Nesta conta estão as obras que deixarão de ser feitas, novos hospitais ou escolas abertos para atender a demanda.
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