Na avaliação do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e da Associação Brasileira dos Jornalistas Investigativos (Abraji), a orientação do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis) para que os funcionários do Senado que recebem salários acima do teto constitucional entrassem com ações individuais contra o Congresso em Foco configura uma afronta clara à liberdade de imprensa. Para o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas, Jonas Valente, trata-se de uma tentativa de “calar a imprensa” diante da divulgação de fatos de interesse público. A Abraji divulgou nota em que afirma que o que se tenta é fechar um “cerco judicial” contra o site (leia abaixo a íntegra da nota).
“A toda sociedade interessa saber se aquilo que está na Constituição está ou não sendo cumprido”, afirma Jonas Valente. Para ele, a iniciativa de propor 43 processos individuais visa cercear a publicação de informações que demonstrem as irregularidades no pagamento de supersalários. “O Congresso em Foco está fazendo uma denúncia relevante sobre o abuso nas remunerações”, afirmou ele.
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Valente destaca que é direito legítimo de qualquer pessoa ir ao Judiciário caso se sinta atingido por alguma notícia, desde que o expediente usado não provoque um prejuízo que equivale a uma condenação prévia. “Essa estratégia de entrar com várias ações gera uma demanda jurídica muito grande. Mesmo que essas ações resultem em vitória do veículo de comunicação, vai ser gasto tamanho tempo e tanto dinheiro na defesa que isso vai gerar um tipo de fragilidade que parece ter como objetivo inviabilizar a continuação do trabalho do site”, explica.
O Sindicato dos Jornalistas vai reunir sua diretoria para discutir o assunto. “Vamos discutir esse fato na diretoria para nos pronunciarmos e tomarmos uma atitude para que o Sindilegis não leve a cabo essa prática”, disse Valente.
Direito da sociedade
A sociedade tem o direito de saber quanto ganham os funcionários públicos, cujos salários são igualmente públicos. Essa é a posição da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que considerou um “cerco judicial” ao Congresso em Foco a iniciativa de servidores do Senado de proporem 43 ações idênticas contra o site por ter publicado lista com a relação de funcionários que ganham mais que o teto constitucional. Nos processos, orientados pelo Sindilegis, os servidores pedem quase R$ 1 milhão de indenização.
“Os salários dos servidores são pagos com dinheiro público. Dados sobre seus vencimentos são, igualmente, públicos e devem ser do conhecimento de toda a população”, diz a nota da Abraji. A associação lembra que a jurisprudência dos tribunais e a futura sanção do projeto sobre direito de acesso a informações embasam essa posição.
A associação lembrou caso recente da prefeitura de São Paulo, que publicou o nome de todos os seus servidores e os respectivos salários. Insatisfeitos, os funcionários recorreram à Justiça paulista, mas foram derrotados duas vezes. O caso agora está no Supremo Tribunal Federal. O ministro Carlos Ayres Britto declarou que esse “é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano”. Para a Abraji, é preciso entender que esse pensamento, “parte da evolução do país rumo a um patamar civilizado e maduro de transparência”.
Para a associação, a iniciativa dos servidores do Senado que ganham acima do teto constitucional vai na contramão do recém-aprovado projeto de direito de acesso a informações públicas, que foi à sanção da presidente Dilma Rousseff. “Medidas como a tomada pelos servidores do Senado só contribuem para retardar a instalação de uma cultura de transparência no país.”
A Abraji relembrou ainda que a jornalista Elvira Lobato e o jornal Folha de São Paulo já foram alvos de estratégia semelhante depois que revelaram o império empresarial ao redor da Igreja Universal do Reino de Deus. Pastores e fieis da igreja passaram a processar a repórter e o jornal com ações praticamente iguais em várias cidades do Brasil, dificultando o trabalho da defesa.
Procurados, o presidente do Sindilegis, Nilton Rodrigues da Paixão Júnior, e o diretor jurídico, José Carlos de Matos, não retornaram os pedidos de entrevista feitos pelo Congresso em Foco desde a semana passada. O site pede esclarecimentos sobre os supersalários desde o mês de agosto. Nunca foi atendido pelo sindicato.
Íntegra da nota da Abraji
31/10/11 – 18h02
Abraji repudia cerco judicial a “Congresso em Foco
””
O site de notícias “Congresso em Foco” é alvo de 43 ações individuais idênticas de servidores do Senado com pedidos de indenização por danos morais. Seus nomes e vencimentos estão na lista dos 464 servidores da Casa com salário acima do teto do funcionalismo divulgada pelo site. A notícia do “Congresso em Foco” que originou a polêmica, de 29 de agosto de 2011, está neste link: http://bit.ly/uZCAbt (http://bit.ly/uZCAbt).
Os salários dos servidores são pagos com dinheiro público. Dados sobre seus vencimentos são, igualmente, públicos e devem ser do conhecimento de toda a população. A jurisprudência brasileira já aponta para este caminho, e o arcabouço legal que respalda essa tendência está prestes a incluir o PLC 41/2010, o projeto de Lei de Acesso a Informações Públicas aprovado no Senado em 25 de outubro e que aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff.
Apesar disso, o Sindilegis, sindicato dos servidores do Congresso, disponibilizou advogados para entrarem com as ações, todas com texto idêntico, pedindo indenizações de exatamente R$ 21.800,00 por danos morais. Este é o valor máximo permitido para que os processos tramitem nos chamados tribunais de pequenas causas. A soma das indenizações pedidas já passa de R$ 937 mil.
Leia aqui a íntegra de uma das ações: http://bit.ly/vnfXPi (http://bit.ly/vnfXPi)
Veja aqui as ações abertas contra o “Congresso em Foco”: http://bit.ly/rJwz0c (http://bit.ly/rJwz0c)
A estratégia passou a ser usada depois que duas ações do próprio Sindilegis contra o “Congresso em Foco” foram negadas, uma delas em caráter liminar. Entre 2007 e 2008, a Igreja Universal usou expediente similar: incentivou fiéis a entrarem com ações individuais em todo o país contra a jornalista Elvira Lobato, da Folha de S.Paulo. A repórter teria de se submeter a uma impraticável sequência de depoimentos. Os religiosos não conseguiram nenhuma vitória, o que mostra que esse tipo de estratégia não encontra guarida no sistema judicial brasileiro. Provoca, no entanto, prejuízos para o veículo e para o repórter.
A censura judicial já foi apontada por organizações internacionais como o Committee to Protect Journalists como a principal ameaça à liberdade de expressão na América Latina. A Abraji confia que a estratégia usada pelo Sindilegis será considerada litigância de má-fé pela Justiça do Distrito Federal e torce para que nenhuma decisão seja favorável à opacidade.
O Brasil viu seu projeto de Lei de Acesso a Informações Públicas ser aprovado no Senado em 25 de outubro. Medidas como a tomada pelos servidores do Senado só contribuem para retardar a instalação de uma cultura de transparência no país. O ministro do STF Carlos Ayres Britto já declarou, durante debate similar sobre servidores da prefeitura de São Paulo, que esse “é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano”.
Entender esse pensamento é parte da evolução do país rumo a um patamar civilizado e maduro de transparência.
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