Esqueçam Temer e os “golpistas”. Daqui a pouco, mais de 300 dias não existirão mais. São meros coadjuvantes que souberam aproveitar a oportunidade que lhes caiu no colo. Do ponto de vista histórico não representam nada. Olhando em perspectiva, menos ainda.
Quem condenou as contas de Dilma, argumento usado para derrubá-la? O Tribunal de Contas da União (TCU). Quem transformou o Estado num antro de corruptos, no inimigo a ser combatido? A Controladoria-Geral da União (CGU). Quem vem atacando a política, tentando destruir sua legitimidade, caçando especialmente a esquerda? O Ministério Público. Quem impede a posse de ministros (Lula e Cristiane Brasil), vaza áudios ilegais e condena por convicções? O Judiciário. Quem indiciou Haddad por “intuir que ele sabia de supostos crimes”? A Polícia Federal.
Quantos votos os representantes destas corporações receberam? De onde vem o poder que exercem de forma exibicionista todos os dias? Da Constituição Federal. Um poder derivado, vindo da Carta Magna redigida e consagrada pelo povo através de seus representantes eleitos. Todo poder emana do povo?
No parecer do MP pelo afastamento dos vice-presidentes da CEF uma questão chama a atenção. Segundo os procuradores, as indicações devem ser técnicas, não podem ser políticas. Onde está escrito isso? Em qual legislação? Para ocupar determinada função é recomendável que a pessoa possua conhecimentos correlatos, mas o fato de não possuir a desqualifica? Como é na alta administração privada? Por que um CEO de uma empresa de bebidas vira no mês seguinte CEO de uma empresa de plásticos ou cosméticos? Conhecimento técnico específico? Visão estratégica? E por que a indicação política, através de pessoas eleitas, forma pela qual o povo expressa seu poder e garante a aplicação do programa aprovado nas urnas, virou algo tão abjeto?
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Não é mera coincidência o surgimento de grupos políticos tachados de “novos”, criando “fundings” de campanha, provas para selecionar candidatos, e o discurso ideológico meritocrático de parcela da alta burocracia estatal. Ambos, corporações e mercado, têm o mesmo objetivo: sequestrar o Estado para preservação e perpetuação de suas benesses e de seus interesses. Atacam a política, vilipendiam a democracia por um motivo simples: querem o povo fora do jogo.
O capitalismo viverá nos próximos anos uma radicalização. Estima-se que mais de 70% dos empregos existentes hoje deixarão de existir nos próximos 10 anos. Com o advento da chamada indústria 4.0, inteligência artificial e etc., teremos uma concentração de renda e capital jamais vista na história da humanidade. Esta situação é incompatível com a democracia. Como manter sociedades equilibradas, um sistema político democrático com tamanha exclusão, com uma indecente concentração de riqueza?
Setores da classe média acreditam que terão vaga neste trem espremido de prosperidade. Outros, percebendo que será difícil, olham para o orçamento público e vêem nele a oportunidade de conquistar o apartamento de frente para o shopping com o fake da Estátua da Liberdade na fachada.
Sob o falso discurso meritocrático vai se justificando a exclusão pelo mercado. E com o mesmo argumento tenta-se tirar o povo do orçamento público impedindo que a política, representante legítima do interesse da maioria, exerça seu poder. O objetivo é um estado mínimo, que entregue o ouro ao mercado, a prata para as corporações e o lixo para o povo.
Sem recolocar a política no seu devido lugar, resgatando a soberania do povo sobre os destinos da nação, nenhum governante eleito irá governar de fato. Viveremos numa democracia de fachada, com votos cada vez mais desvalorizados, com valores de face podres.
Uma república de governantes tutelados pela chantagem do capital de um lado e pela ameaça dos donos do estado de outro.
Esqueçam os coadjuvantes. O inimigo é outro.
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