O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF) ajuizou ação civil pública contra o plano de assistência médica de senadores e cônjuges, sob acusação de falta de parâmetros objetivos e alto custo da prestação dos serviços, entre outras irregularidades. A ação judicial – que pede a suspensão do reembolso das despesas médicas feito pelo Senado – teve embasamento em reportagem publicada pelo Congresso em Foco em 27 de março de 2009, segundo a qual a Casa guardava a sete chaves um ato que estende a ex-servidores que ocuparam os dois cargos mais altos na hierarquia da Casa um benefício garantido apenas a senadores e ex-senadores. Um dos beneficiários do Ato 18 da Comissão Diretora, que permitiu os excessos do plano de saúde, é o ministro do Tribunal de Contas da União Raimundo Carreiro.
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A ação foi aberta na última segunda-feira (18), mas só divulgada na tarde desta quarta-feira (20) pelo portal do Ministério Público. Na peça judicial, que registra um pedido de liminar, o MPF aponta distorções nos valores gastos, falta de critério nos procedimentos de autorização dos serviços de saúde e irregularidades formais nos atos que regulamentam o benefício – segundo o ministério, a prestação de serviço não poderia ter sido criada por “mero ato” da Comissão Diretora do Senado, mas por resolução aprovada por senadores em plenário.
A ação veiculada hoje (quarta, 20) na página oficial do MPF-DF (confira a íntegra do documento), considera “exorbitantes e desproporcionais” os gastos com saúde por parte de senadores e cônjuges, que são integralmente reembolsados pelo Senado com base na verba indenizatória a que tem direito cada mandatário. Segundo a ação civil pública – cuja apuração dos elementos da denúncia “foi motivada por notícias jornalísticas divulgadas no ano de 2009”, na referência a este site –, a prática em curso na Casa é “reprovável e permissiva”.
“Trata-se inquestionavelmente de benesse de largo espectro, visto que dá ensejo a todo tipo de cobertura ambulatorial, hospitalar e domiciliar […]. [O efeito do ato administrativo] decorre de uma reprovável sistemática permissiva adotada sucessivamente pelas Mesa Diretoras do Senado, que, no curso de mais de uma década, vem dando margem a evidentes distorções”, diz trecho da ação, lembrando que o programa de assistência médica abrange a totalidade dos tratamentos “médicos, odontológicos ou psicoterápicos”, no Brasil e no exterior, “sem ressalvas”.
A ação lembra ainda que o plano de saúde não dispõe de tabela de preços para pagamento de instituições e profissionais (“podem ser escolhidos livremente pelos beneficiários”), como em todo convênio de assistência médica, tampouco uma lista de procedimentos cobertos. Também não há, registra o documento do MPF, contrapartida por parte dos senadores, que não recolhem qualquer contribuição tributária durante a vigência dos serviços. Em outras palavras, a assistência médica é integralmente custeada com recursos públicos.
“A liberdade de contratação de serviços de profissionais/instituições, estejam ou não credenciados junto ao Senado, a falta de critérios predeterminados para a limitação dos gastos, a indefinição quanto a tabelas de procedimentos e de serviços/honorários que balizem os serviços e os valores cobrados e a ausência de contribuição por parte dos beneficiários tem provocado ao longo dos últimos anos índices de reembolso em milhares de reais, totalizando montantes anuais milionários. São desembolsos que envolvem valores exorbitantes e inimagináveis, que refogem a qualquer padrão de proporcionalidade, economicidade e moralidade administrativa”, diz outro trecho da ação.
Como lembra ainda a peça acusatória, o Senado gastou em 2010 quase R$ 98 milhões para atender a cerca de 23 mil beneficiários do plano. Na Câmara, a despesa total naquele ano foi de R$ 68 milhões para quase 26 mil usuários, enquanto o Ministério Público da União gastou R$ 31 milhões para prestar assistência médica a mais de 31 mil beneficiários – o que revela, segundo o MPF, a discrepância dos gastos daquela Casa legislativa em relação às demais instituições.
Histórico de excessos
Como este site já revelou em outras ocasiões – e o MPF resgata na ação protocolada segunda-feira (18) –, o benefício dos senadores é vitalício, sem limites de despesas médicas para mandatários em exercício e dependentes. Em 2007, como lembra o MPF a partir das reportagens, um único senador foi reembolsado em mais de R$ 740 mil, a título de ressarcimento justificado nos ditames da verba indenizatória, descritivo “assistência médico-hospitalar”. No caso de ex-senadores e cônjuges, lembra a ação, o teto anual de despesas é de R$ 32 mil (R$ 26 mil para tratamento odontológicos ), mas esse limite tem sido sistematicamente desrespeitado, como comprovam as investigações do ministério.
Outro exemplo de abuso no plano de saúde é o reembolso de quase R$ 78 mil a um senador (não identificado na ação), pela colocação de 22 coroas de porcelana, em 2009. Na ocasião, não foi caracterizada a urgência do procedimento, além de não ter sido realizada a perícia física no “paciente”, como exigem os planos de saúde convencionais. O reembolso, via verba indenizatória, foi autorizado mesmo assim pelo Senado, a título de tratamento odontológico em três anos consecutivos (2009, 2010 e 2011).
Seis meses de exercício de mandato são necessários para que o benefício seja garantido por toda a vida – inclusive a dos cônjuges, sem qualquer participação no custeio de despesas por parte do beneficiário: em caso de morte do titular, o “privilégio” é estendido ao cônjuge, até o fim de sua vida.
Matéria veiculada em 2009 por este site mostrou que o Senado liberou, apenas em 2008, R$ 1,19 milhão do total de R$ 1,6 milhão reservado no orçamento para ressarcir despesas médicas e odontológicas de 45 ex-senadores e outros dez dependentes de ex-parlamentares. Entre os beneficiários, aparece um suplente de senador que exerceu o mandato por apenas 45 dias. Nos últimos dez anos, essas despesas custaram R$ 16,7 milhões ao Senado (leia mais).
Por fim, a ação registra que notificações são feitas pelo MPF ao Senado desde 2010, com o objetivo de que a Casa passasse a adotar medidas correção das irregularidades. Nenhuma das recomendações do órgão, feitas depois das publicações das matérias do Congresso em Foco, foi acatada pelo Senado, motivo que levou o ministério a acionar a Justiça. Na liminar, o MPF pede que o Senado seja proibido de reembolsar e cobrir despesas médico-odontológicas que ultrapassem de R$ 32 mil anuais, até que o plano de saúde seja regulamentado por resolução aprovada em plenário, no prazo máximo de 90 dias. Além disso, requer que a Casa analise outras forma de prestação do serviço ou aprimore o regime em vigência. A ação corre na 21ª Vara Federal do DF.
Procurada, a Secretaria de Comunicação Social do Senado disse que não se manifestaria até a notificação formal do MPF. Segundo a assessoria da Casa, a Diretoria-Geral do Senado, a quem cabe a autorização dos benefícios, só se posicionará depois de orientação da Advocacia-Geral.