Com menções a diversos políticos em atividade e, principalmente, à cúpula do PMDB, o Ministério Público Federal em Brasília (MPF-DF), por meio da força-tarefa Greenfield, encaminhou ofício à Caixa Econômica Federal (CEF) e à Casa Civil da Presidência da República recomendando a adoção de um novo modelo de seleção de altos funcionários da instituição financeira, uma das maiores da América Latina. O pedido visa garantir à CEF mais autonomia e transparência nas decisões estratégicas, evitando-se a ingerência política que, por meio de indicações a cargos estratégicos, é responsável por casos de corrupção na estatal. Além da alteração no processo seletivo de gestores, o MPF-DF pede a substituição imediata dos atuais vice-presidentes da CEF.
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O documento foi encaminhado nesta sexta-feira (15) ao presidente da Caixa, Gilberto Occhi. Na recomendação, os procuradores da República se fundamentam na compilação de resultados da investigação desenvolvida pelo Comitê Independente da CEF, instaurado pelo conselho de administração da instituição com o objetivo de aperfeiçoar a gestão institucional. O documento pede que a resposta à demanda seja dada pelos órgãos competentes em 15 dias e sugere ainda prazo de execução para cada uma das recomendações. A Greenfield é apura desvios nos maiores fundos de pensão brasileiros, como o próprio fundo da Caixa, o Funcef.
Os procuradores da República no Distrito Federal citam, entre vários outros caciques e ex-cacique do PMDB, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (RJ), cassado pela Câmara em 12 de setembro de 2016. Condenado a mais de 15 anos de prisão pela Operação Lava Jato, Cunha está entre os políticos que, por meio da indicação de prepostos, operavam de maneira a desviar recursos para o grupo criminoso apelidado de “quadrilhão do PMDB”, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
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“[…] pouco após a aprovação de sua indicação ao cargo de Vice-Presidente da Vice-Presidência de Corporativo – VICOP, foi procurado por EDUARDO CONSENTINO CUNHA, o qual: ‘(…) colocou três condições para manter Antônio Carlos Ferreira no cargo. A primeira condição era a exoneração de Hermínio Basso, da DECOP. A segunda condição era realizar reuniões semanais, às terças-feiras pela manhã, na casa de Eduardo Cunha. Antônio Carlos Ferreira não teria compreendido o propósito dessas visitas, e Eduardo Cunha teria replicado que o intuito era ‘prestar contas’. O terceiro pedido era de que Antônio Carlos Ferreira fornecesse listas de operações da VICOP de valor acima de R$ 50 milhões, que já houvessem sido aprovadas e nas quais o crédito estivesse prestes a ser liberado. Eduardo Cunha afirmou que a lista ajudaria a rentabilizar seu mandato”, diz trecho do documento.
No final da recomendação, o MPF-DF faz referência direta à ação dos investigados. “A existência de diversas figuras proeminentes na administração da CEF em casos investigados e/ou alvos de investigações, bem como a perene influência política sobre funções que deveriam ser essencialmente técnicas, além do aparente comprometimento em defender atos irregulares passados, comprometem a isenção dos agentes, a acessibilidade de informações necessárias à apuração interna e externa pelos órgãos de controle e a confiabilidade nas operações firmadas e em estágio de contratação. Não há impedimento que os atuais vice-presidentes não mencionados em investigações participem da seleção e passem a reassumir o posto após se submeterem ao processo seletivo objetivo, considerando, porém, a necessidade de análise detida do histórico criminoso e reputacional de cada candidato”, diz o documento assinado pelos procuradores Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, Frederico Siqueira Ferreira, Paulo Gomes Ferreira Filho, Sara Moreira de Souza Leite e Márcio Barra Lima.
Os procuradores pedem ainda a aprovação do Estatuto Social da Caixa, já avalizado pelo conselho administrativo da instituição financeira. O objetivo é a aplicação de critérios objetivos na escolha dos vice-presidentes, algo que o governo tem se mobilizado para impedir, ou ao menos adiar, para que sejam mantidas as indicações de aliados no comando do banco. A Caixa já informou ter sido notificada e garantiu que responderá formalmente à demanda do MPF-DF, “obedecendo o prazo legal”.
“Demandas” não republicanas
A recomendação também menciona parlamentares do PRB, como os deputados Celso Russomanno (SP) e Marco Pereira, este atualmente no comando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Segundo os procuradores, o vice de Corporativo da Caixa “teria recebido algumas demandas de parlamentares do PRB, como pedidos de patrocínio, apoio a operações de crédito ou de agendamento de reuniões com empresários. Antônio Carlos Ferreira afirma receber essas solicitações e repassá-las para as áreas pertinentes. E que as reuniões ocorreram após aparente condicionamento feito por MARCO PEREIRA e CELSO RUSSOMANO para que essas demandas fossem atendidas para sua permanência no cargo”.
Como este site mostrou em 7 de outubro, áudios entregues por delatores da J&F ao Ministério Público Federal mostram o empresário Joesley Batista em negociações suspeitas com Marcos Pereira. Preso por violar termos da lei de delação premiada, Joesley declarou ter pagado R$ 6 milhões em propina a Pereira em troca de favores, por meio de um indicado pelo partido, na Caixa Econômica Federal. As informações são da revista Veja, que divulgou a gravação.
Também é citado no ofício do MPF-DF o ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR), auxiliar de Temer flagrado ao fugir com uma mala com R$ 500 mil em espécie – dinheiro que, segundo a PGR, era a primeira de diversas parcelas de propina a serem repassadas pela JBS ao grupo de Temer, o que transformou Loures em réu e motivou uma das denúncias contra o presidente. “[…] após o afastamento de Giovanni Alves da CEF, o ex-Deputado Rodrigo Rocha Loures teria procurado [o ex-ministro] Gilberto Occhi e, depois, Antônio Carlos Ferreira, para tratar de operações de interesse da Rodrimar, empresa que opera no Porto de Santos. Além disso, Giovanni Alves teria sido visto nas dependências da Rodrimar, o que teria dado ensejo a um processo administrativo”, diz outro trecho do documento, que cita um e-mail enviado pelo então vice-presidente Temer, em outubro de 2015, como uma demanda à Superintendência Regional da Caixa Econômica em Ribeirão Preto.
Segundo o MPF-DF, o superintendente da Caixa “Roberto Derziê de Sant’Anna informou em sua entrevista que se tratava de uma indicação de uma pessoa para o cargo de Superintendente da Região de Ribeirão Preto/SP. Roberto Derziê de Sant’Anna indicou o nome solicitado para José Henrique Cruz, que comentou que era o ‘centésimo pedido’ pelo mesmo nome. A pessoa foi nomeada. Roberto Derziê de Sant’Anna afirmou que não haveria problemas se José Henrique Cruz negasse a nomeação e que a Vice-Presidência de Rede sempre foi protegida de influências políticas. Nese contexto, Roberto Derziê de Sant’Anna afirmou que não considera a VIGOV como um cargo do PMDB e que os Deputados do PMDB não o conhecem, com exceção de Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, e Michel Temer. Segundo Roberto Derziê de Sant’Anna, Michel Temer percebeu sua utilidade em termos de gestão dos repasses nas emendas parlamentares. Segundo Roberto Derziê de Sant’Anna, ele tem uma relação política personalizada, não partidária”.
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Blindagem
Também fazem parte da quadrilha peemedebista, segundo a PGR, nomes como os ex-ministros Geddel Vieira Lima, diversas vezes citado no documento do MPF-DF, e Henrique Eduardo Alves, que serviram aos governos Dilma Rousseff e Michel Temer, ambos presos. O próprio Temer é apontado como membro do quadrilhão pela Procuradoria, mas a investigação contra o presidente, por corrupção, organização criminosa e obstrução de Justiça, foi barrada pela Câmara em duas ocasiões neste ano. Para tanto, Temer se valeu estrategicamente da liberação de emendas parlamentares e da negociação de cargos com membros da base aliada no Congresso.
Outro mencionado como membro do quadrilhão – e, a exemplo de Temer, blindado pela Câmara – é o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência), também do PMDB e um dos homens de confiança do presidente. Como este site também mostrou ontem (sexta, 15), a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reforçando ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por seu antecessor, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer por meio do qual se posiciona contra a lei que concedeu status de ministro a Moreira Franco.
A legislação, sancionada por Temer em 3 de novembro, é vista por opositores do governo como uma lei encomendada para proteger Moreira Franco, também alvo da Operação Lava Jato, das investigações em primeira instância, que tem entre os julgadores Sérgio Moro, em Curitiba (PR), e Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro. Os magistrados, visto como implacáveis na cena do poder, são temidos por políticos e figurões envolvidos no esquema de corrupção descoberto pela Polícia Federal na Petrobras e em outras estatais brasileiras.
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