Como antecipou o Congresso em Foco, o Ministério Público foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a legalidade da lei que criou o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Como mostrou este site, uma nota técnica de um grupo de trabalho de procuradores avaliou que a norma, bancada pelo governo de Dilma Rousseff para apressar as obras para os eventos esportivos, permitia “graves desvios de verbas” e superfaturamentos.
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O procurador geral da República, Roberto Gurgel, que já havia antecipado a disposição de ir ao Supremo, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade dizendo que a lei não esclarece corretamente os objetos da obras, uma porta aberta para subjetivismos. O Ministério Público viu ilegalidades na criação da lei 12.462/11 e pediu ao Supremo que, liminarmente, suspenda a norma.
Publicidade“Obras e serviços serão contratados sem que previamente se tenha definido, de forma clara, o seu objeto”, escreveu o procurador na ação, protocolada nesta sexta-feira (9) e que será relatada pelo ministro Luiz Fux. Gurgel lembra que “é a partir [do objeto] que as propostas podem ser objetivamente comparadas”. Sem ele, a definição e comparação de preços pode ser arbitrária.
Gurgel criticou o fato de que o RDC prevê que as licitações sejam feitas sem projeto básico. O vencedor é que vai fazer esse estudo, que, antes, era obrigação do poder público. “A definição das características e do valor das obras contratadas sob tal regime somente serão aferíveis após assinado o contrato e realizado o projeto básico pela pessoa contratada”, criticou Gurgel.
O Ministério Público cita o caso de uma obra do metrô de Salvador (BA), que foi contratada pelo modelo integral, definido pelo RDC, o chamado turn key. Em 2008, o Tribunal de Contas da União (TCU) criticou os projetos básicos mal feitos daquele empreendimento, que não continham detalhes. Para o tribunal, a má elaboração do projeto causou inúmeras modificações na obra, que elevaram seu preço acima dos limites legais. Para Gurgel, “com muito mais razão” isso vai acontecer com o regime diferenciado, já que sequer haverá projeto básico prévio.
Qualquer coisa
O Ministério Público ainda criticou o fato de que, a rigor, qualquer coisa poderá ser considerada obra da Copa e das Olimpíadas. Para isso, bastará o desejo do Poder Executivo, já que a lei 12.462/11 dá margem para que todo empreendimento seja considerado necessário aos dois eventos esportivos.
Além disso, o MP está preocupado com os custos da Copa e das Olimpíadas. “Deficiências graves no planejamento do Poder Executivo (…) da Copa (…) também já se anunciam.” Gurgel lembra que a matriz de responsabilidade não está atualizada com todas as despesas a serem arcadas pelos governos. Na realização do Pan Americano de 2007 no Rio de Janeiro, essa falta de informação transformou uma previsão de gastos de R$ 300 milhões num custo efetivo superior a R$ 4 bilhões.
Outra ilegalidade apontada por Gurgel é a pré-qualificação permanente dos concorrentes antes da licitação. O chefe do Ministério Público destacou que o texto do RDC permite afastar da disputa as empresas que não se qualificaram antes da concorrência pública. Gurgel lembrou que o Tribunal de Contas da União já detectou nesse sistema direcionamento de licitações, conluio entre participantes e sobrepreços.
Meio ambiente
Gurgel pede ainda que seja decretada a inconstitucionalidade parcial de artigos que podem permitir interpretações desfavoráveis à preservação do meio ambiente. O texto do RDC fala que os impactos ambientais serão compensados com obras mitigadoras. Mas o procurador lembra que a lei determina serem sempre necessários estudos de impacto ambiental para saber como fazer essa mitigação e se a própria obra é viável do ponto de vista da sustentabilidade.
Para Gurgel, a lei inteira deve ser considerada inconstitucional porque foi feita de forma viciada. A Medida Provisória 527 tratava da criação da Secretaria Nacional de Aviação Civil. Mas, a pedido do Palácio do Planalto, o relator da matéria, José Guimarães (PT-CE), incluiu o capítulo do regime diferenciado no texto. Gurgel diz que se trata de “matéria estranha” e “sem qualquer pertinência”com a criação da Secretaria de Aviação Civil.
O Congresso não poderia fazer isso porque, diz o procurador, só o presidente da República pode enviar um assunto novo para uma Medida Provisória, que pressupõe um tema que necessite de urgência e relevância. “Fosse permitido (…), estaria se transferindo para esse Poder [Legislativo] uma atribuição que a Constituição reserva exclusivamente ao presidente da República – o de decidir casos de urgência e relevância.”
Veja a íntegra da lei 12.462/11
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