Rudolfo Lago
Chega ao fim a luta renhida de José Alencar contra um câncer que há 13 anos lhe consumia o intestino. O ex-vice-presidente da República morreu, de falência múltipla dos órgãos, na tarde de hoje (29) aos 79 anos.
Alencar lutava de forma corajosa contra o câncer. Por causa dele, foi várias vezes internado e sofreu várias cirurgias. A tudo, Alencar parecia enfrentar com otimismo e bom humor. Um comportamento que gerava admiração das pessoas. “Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra”, costumava dizer.
Ao todo, nos 13 anos em que enfrentou o câncer, José Alencar foi submetido a 17 cirurgias, perdeu um rim, dois terços do estômago e partes dos intestinos delgado e grosso. Alencar era casado com Mariza Campos Gomes da Silva, pai de três filhos – Josué Christiano, Maria da Graça e Patrícia – e avô de cinco netos (em 2001 ele passou a responder a um processo de reconhecimento de paternidade ajuizado por Rosemary de Moraes).
O Lula rico
Durante os oito anos do governo anterior, Luiz Inácio Lula da Silva e José Alencar lembravam, muitas vezes, o velho quadro humorístico do Primo Pobre e Primo Rico. Eles pareciam iguais em tudo, exceto na quantidade de dinheiro que juntaram ao longo da vida antes de se tornarem presidente e vice, e nas opções políticas que tomaram. Ambos nasceram extremamente pobres. Ambos passaram por imensas dificuldades para sobreviver. Ambos se fizeram por si mesmos.
A escolha de Lula por José Alencar Gomes da Silva como parceiro buscava refletir exatamente isso. Lula queria, com José Alencar, aplacar as desconfianças do meio empresarial e dos eleitores mais conservadores com a sua candidatura. Como empresário bem sucedido, dono de um dos maiores impérios do setor têxtil no Brasil, Alencar funcionaria como um elemento tranquilizador, ao lado de Lula. Mas, ao mesmo tempo, Lula o via como uma espécie de espelho: lado a lado, o empresário e o trabalhador de trajetórias e experiências de vida semelhantes.
Filho de Antônio Gomes da Silva e Dolores Peres Gomes da Silva, José Alencar tinha nada menos que 14 irmãos e irmãs. As dificuldades o fizeram começar a trabalhar muito cedo. Aos sete anos, ajudava o pai em sua loja. Com 15 anos, começou a trabalhar numa loja de tecidos, na sua cidade natal, Muriaé, chamada A Sedutora.
Em 1948, Alencar deixa sua casa e sua cidade e vai para Caratinga, para trabalhar e estudar. Na Casa Bonfim, começa a se destacar como vendedor. Aos 18 anos, ele resolve iniciar seu próprio negócio. Pede emprestado a seu irmão, Geraldo Gomes da silva, 15 mil cruzeiros e abre sua própria loja: A Queimadeira.
A Queimadeira não era apenas uma loja de tecidos. Vendia de tudo: chapéus, calçados, guarda-chuvas. E tecidos. Foi o início da atividade empresarial, que transformou José Alencar num dos maiores empresários do país. O ex-vice-presidente manteve A Queimadeira até 1953. Abre em seguida um negócio na área de cereais e, depois, a Fábrica de Macarrão Santa Cruz.
Em 1959, o irmão de Alencar, Geraldo, também empresário, morre. E o ex-vice-presidente assume também seus negócios. Geraldo era dono da fábrica de tecidos União dos Cometas. Alencar a assume e muda a razão social para Geraldo Gomes da Silva, Tecidos S.A. Em 1963, a empresa passa a se chamar Companhia Industrial de Roupas União dos cometas. Que depois se chamará Wembley Roupas S.A. Em 1975, nasce a Companhia de Tecidos Norte de Minas, a Coteminas. Hoje, a Coteminas tem 11 fábricas espalhadas pelo país.
Vida política
A política entrou na vida de José Alencar pela via empresarial. Ele foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria. Em 1994, ele faz a sua tentativa de incursão na vida político-eleitoral. Candidata-se ao governo de Minas. Em 1998, elege-se senador, pelo PMDB, com quase três milhões de votos. No Senado, muda-se para o PL (hoje PR). Em 2001, Lula o escolhe como companheiro de chapa para as eleições de 2002. No final do primeiro mandato, em 2005, ele deixou o PL (hoje PR) para ajudar a fundar o PRB.
Os dois, Lula e Alencar, tornam-se grandes amigos. Ainda que, durante o governo, Alencar muitas vezes tenha divergido de algumas decisões, especialmente na área econômica. O ex-vice-presidente não escondia suas críticas à política monetária, que buscava conter a inflação com taxas altas de juros. Como empresário, Alencar repetia que tal prática impedia o desenvolvimento do país.
Ao mesmo tempo, Alencar era afável e político. Razão que o levou a cumprir uma das tarefas mais espinhosas do governo: o Ministério da Defesa, depois de várias tentativas fracassadas de civis que não se faziam respeitar pelos militares.
A luta contra o câncer, porém, sempre foi um obstáculo na carreira de Alencar. Em 2006, na montagem da chapa para a reeleição de Lula, chegou-se a discutir a hipótese da substituição do vice, por conta da doença do empresário. Alencar, no entanto, reelegeu-se e cumpriu seu mandato ao lado de Lula. No fim do governo, já estava muito doente. Razão que, por exemplo, impediu-o de vir a Brasília para a posse de Dilma Rousseff no início deste ano.
A última aparição pública de José Alencar foi em 25 de janeiro deste ano, quando recebeu a medalha 25 de Janeiro da prefeitura de São Paulo. Na ocasião, Alencar saiu do hospital para receber a condecoração. Ao entregar a medalha Dilma Rousseff ressaltou: ?Eu tenho certeza de que cada brasileira e brasileiro deste imenso país gostaria de estar agora em São Paulo ? esta cidade-síntese do espírito empreendedor do país que completa hoje 457 anos de existência ? para entregar junto conosco a Medalha 25 de Janeiro ao nosso eterno vice-presidente da República, José Alencar?.
Nessa última aparição pública, Alencar novamente demonstrou seu bom humor e otimismo: “Não posso me queixar. A situação está tão boa que não tem como melhorar, todo mundo está rezando por mim”. Numa cadeira de rodas, sorria e brincava com o público: “Aprendi com Lula que os discursos devem ser como um vestido de mulher: nem tão curtos que possam escandalizar, nem tão longos que possam entristecer”
Luta pela paternidade
Os últimos dias de vida de Alencar foram empanados, porém, pela luta de Rosemary de Moraes para que Alencar reconhecesse a sua paternidade. Rosemary, 55 anos, professora aposentada, diz ser filha de um relacionamento de Alencar com sua mãe, Francisca Nicolina de Moraes. O ex-vice-presidente recusou-se a fazer teste de DNA para comprovar a paternidade no processo movido por Rosemary. Alencar morreu negando o relacionamento com a mãe dela.