Depois de quase três anos de tramitação, a reforma administrativa do Senado pode permitir que senadores nomeiem chefes de gabinete sem qualquer vínculo com a Casa, como exige o regulamento atual. Anunciada como instrumento de redução da megaestrutura, de desburocratização e do aprimoramento da gestão institucional, a medida significa dar poderes a funcionários que, indicados livremente pelos mandatários, ficarão responsáveis, entre outras coisas, por administrar orçamentos anuais que podem ultrapassar R$ 50 milhões.
A possibilidade está prevista na “Parte III” do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 96/2009, na seção que dispõe sobre “atribuições dos titulares de cargo em comissão e função comissionada” (página 179). Diz o “parágrafo único” do artigo 144: “(…) o senador titular do gabinete poderá delegar as atribuições de chefe de gabinete a um dos ocupantes do cargo em comissão de assessor, símbolo SF-2, lotado na respectiva unidade”.
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E, segundo o próprio artigo 144, estão entre as competências dos chefes de gabinete “planejar, supervisionar, coordenar, dirigir e orientar a execução das atividades de assessoria, de assistência e de apoio ao exercício do mandato parlamentar, compreendendo as atividades legislativas, administrativas, de recursos humanos, operacional, estratégicas e de divulgação; e desempenhar outras atividades peculiares à função”. Em outras palavras, o dispositivo assegura aos nomeados por indicação política, independentemente de seu grau de instrução ou capacitação técnica, a responsabilidade pela administração de toda a verba dos gabinetes, por exemplo, ou a conferência de presenças e concessão de horas extras aos seus subordinados.
Ao todo, são 286 artigos dispostos no texto do projeto de reforma. Pautada para a sessão desta quarta-feira (21) da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a matéria recebeu 35 emendas apenas no âmbito do colegiado, das quais 13 foram rejeitadas e 11 parcialmente aprovadas. Entre os dispositivos não acatados está justamente o que manteria a exigência de que chefes de gabinetes sejam exclusivamente efetivos, como dita a norma vigente. A emenda que manteria a obrigatoriedade é de autoria do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).
A emenda foi rejeitada no parecer de Benedito “porque no substitutivo as atividades do gabinete parlamentar estão devidamente descritas e nele se optou por facultar o preenchimento da função de chefe de gabinete tanto a titular de função comissionada quanto a ocupante de cargo em comissão”. Assim, o relatório mantém algo que já havia sido anteriormente assegurado pelo autor da versão preliminar do PRS, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator da matéria na subcomissão especial criada no âmbito da CCJ.
PublicidadeExigência constitucional
O texto da reforma administrativa, se vier a ser aprovado conforme o texto de Benedito de Lira e de Ricardo Ferraço vai contrariar o artigo 37 inciso 5 da Constituição, que diz: “As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Ou seja, pela Constituição, o senador pode escolher alguém de sua “confiança” para exercer cargos de “direção, chefia e assessoramento”. Mas esses cargos precisam ser exercidos “exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo”, ou seja, do quadro da Casa.
Ao defender o mérito do projeto e propor “estrutura mais racional e enxuta para o funcionamento desta Casa”, o projeto admite “desvios e inchaços ora existentes, noticiados à exaustão pela imprensa”. Atesta também a “necessidade de cortes nas despesas públicas diante do conturbado cenário financeiro internacional”. Mas adota uma medida que, em vez de trazer economia ao Senado, servirá para favorecer a contratação de funcionários não concursados.
Menos efetivos
E, além do chefe de gabinete, haverá outras oportunidades para uma maior contratação de servidores sem concurso. Em sua “análise” de mérito, o projeto reduz o número mínimo de servidores efetivos que os gabinetes devem manter em seus quadros. Atualmente, são sete em cada gabinete os que obrigatoriamente precisam ser do quadro efetivo do Senado. O projeto reduz esse número para cinco. A determinação está no capítulo das “disposições gerais e transitórias”, em seu artigo 219: “O número de servidores efetivos do Senado Federal lotados em gabinete parlamentar não poderá exceder a cinco, incluído o chefe de gabinete parlamentar nos casos em que esta função seja exercida por servidor efetivo”, diz a matéria. Assim, se fica aberta a possibilidade de o chefe de gabinete não ser efetivo, infere-se que o número de servidores obrigatoriamente de carreira em cada gabinete poderá ser de apenas quatro.
O texto aumenta ainda as estruturas funcionais de órgãos como a Secretaria Geral da Mesa e da Diretoria Geral (leia mais abaixo). “No que se refere à Secretaria Geral da Mesa, propomos instrumentalizar de forma mais adequada esse que é o órgão fundamental de assessoramento ao processo legislativo. Por isso, reforçamos a estrutura central da unidade e o assessoramento às Comissões Permanentes da Casa, restringindo o número de servidores efetivos especialistas em processo legislativo que podem ser lotados em cada gabinete parlamentar”, diz trecho do relatório.
Culpa no mordomo
Para o senador Ricardo Ferraço, o titular do mandato tem de arcar com todos os procedimentos no âmbito de seu gabinete. E tanto o efetivo quanto o comissionado poderiam, hipoteticamente, atentar contra a probidade no trato da verba pública. “O responsável tem de ser o senador que o indicou. Não se pode colocar a culpa no mordomo. Se um senador indica alguém para ser chefe do gabinete dele, esse alguém tem que ter sua dignidade e a sua integridade a toda e qualquer prova. Não é o fato de o servidor ser comissionado ou efetivo que atesta sua dignidade no exercício da função. Tem gente boa comissionada e gente boa efetiva, e tem o contrário”, declarou o senador à reportagem, lembrando que a prerrogativa é opcional.
“Isso não é compulsório. O senador que quiser indicar um comissionado terá que se responsabilizar pela conduta do servidor, isso é evidente”, ponderou Ferraço. Ainda segundo o senador capixaba, a alternativa entre comissionados e efetivos não se traduz em desvio de função. “Não é desvio de função. O gabinete parlamentar na Câmara, por exemplo, não tem efetivos, são todos comissionados. O gabinete é de responsabilidade do parlamentar, e é ele quem vai ditar o ritmo, a austeridade, a organização de cada gabinete”, argumentou.
Responsabilidade do senador
Já para Benedito de Lira, a não exigência de efetivos nos postos de chefia não permitirá qualquer tipo de desvio. “Até porque o chefe de gabinete não tem nada a ver com pagamentos, não vai ficar responsável pelas verbas. Ele é apenas o responsável, administrativamente, pelo gabinete. Eu já estou aqui há um ano e meu chefe de gabinete, por exemplo, não atua nessa área. A não ser no encaminhamento da verba indenizatória, com os documentos comprobatórios”, disse o parlamentar alagoano à reportagem, destacando que os senadores deverão responder por todas as movimentações (orçamentárias, administrativas, estruturais) de suas unidades funcionais junto à Diretoria Geral, segundo o novo modelo de gestão proposto pelo órgão.
“Por exemplo: se ele [o senador] viajou, terá que atestar dizendo que as despesas que ele pagou estão dentro das normas do Senado. Podem ser pagas com a verba indenizatória, como por exemplo, as despesas com aluguel do escritório lá do estado de origem. Então, a responsabilidade é estritamente do senador, ele atesta os serviços que foram prestados”, observou o relator do projeto de resolução, acrescentando que o “processo de análise” da reforma, a partir das orientações da Fundação Getúlio Vargas custeadas pelo Senado, levou à decisão de permitir comissionados nas funções de chefia.
“Se houver conivência [entre senadores e chefes de gabinete], mais cedo ou mais tarde aparece”, finalizou Benedito, dizendo que transferem algumas tarefas de gabinete para “assessores mais próximos”. Ele disse acreditar ainda que, a partir da aplicação da reforma na prática, os “vícios” administrativos e funcionais do Senado acumulados em décadas de desmandos serão eliminados gradativamente. “Nós estamos procurando uma administração ágil, clara. O Senado é uma Casa quase bicentenária, tem uma série de vícios acumulados ao longo desse tempo. Não é um problema da Mesa Diretora atual.”
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