Fábio Góis
A criatividade do Senado parece não ter limites. Depois de tornar secretos atos que obrigatoriamente deveriam ser públicos, a Casa acaba de criar, em tempos de eleição, o candidato a deputado “fantasma”. Filho do ex-senador mato-grossense da antiga Arena Vicente Vuolo (1979-1983), morto em maio de 2001, o servidor homônimo lotado no gabinete da senadora Fátima Cleide (PT-RO) decidiu disputar uma vaga de deputado federal nas eleições de outubro. Em campanha intensa, nas últimas semanas “Vuolinho” tem se dedicado a anunciar por Mato Grosso, curral eleitoral do pai, sua intenção de ingressar na vida política: deu entrevista a um jornal do estado, distribuiu panfletos ao lado de Lula em que se coloca à disposição do PT, partido ao qual é filiado.
A não ser que a onipresença esteja entre as raras qualidades de homem público que Vicente Vuolo Filho pretende vender ao eleitorado matogrossense, há um detalhe em sua campanha que incomoda. Ao mesmo tempo em que esteve no estado nas atividades descritas acima, Vuolinho oficialmente estava em Brasília trabalhando no gabinete de Fátima Cleide. Sua folha de ponto não tem uma falta sequer.
Além do panfleto de “distribuição interna no PT”, os sinais de que Vuolo está em campanha ficam mais explícitos em uma reportagem publicada na versão on-line do jornal A Tribuna, de Mato Grosso, no último dia 19. Intitulada “Vuolo Filho pede empenho da cidade”, a matéria registra a participação do “economista e servidor público federal” em reunião do diretório regional do PT, ocasião em que apresentou a proposta de sua candidatura.
A reportagem mostra o empenho do servidor em ver concluídas as obras da ferrovia São Paulo-Cuiabá, idealizada pelo pai e “popularmente conhecida como Ferronorte”, mas nos dias atuais “denominada Senador Vicente Vuolo”. “[Vuolo Filho] cobrou uma maior mobilização e luta da classe política da região sul do Estado em torno da continuidade das obras da referida ferrovia. (…) ‘A ferrovia já era para estar em Rondonópolis!’, afirmou”, registra o material jornalístico, com direito a foto do servidor e legenda informando sobre a visita ao município e à redação, em 18 de março – um dos dias em que seu ponto foi batido no Senado.
Leia a reportagem do jornal A Tribuna que conta a passagem de Vicente Vuolo Filho pelo Mato Grosso
“Dezenas de viagens”
Mas é o próprio candidato quem reforça junto ao eleitor a informação de que tem viajado muito pelo Mato Grosso para divulgar sua candidatura. Em um panfleto de campanha obtido pelo Congresso em Foco, o analista legislativo assina um texto no qual mostra como tem viajado, considerando o lançamento de sua candidatura como “a vontade de servir, cada vez mais, o meu estado e o meu País”.
“Pra mim, só faz sentido a representação política que flua das bases, fruto da vontade dos militantes. Inúmeras reuniões e audiências nos ministérios em Brasília com os nossos prefeitos, vereadores, dirigentes do partido e dezenas de viagens aos municípios me fizeram conhecer profundamente os problemas de Mato Grosso. É como este conhecimento, a força de meu trabalho e o amor a minha terra que busco um mandato eletivo”, diz Vuolo em trecho do panfleto aos “companheiros e companheiras”, de sua pré-candidatura.
O comportamento eleitoral de Vuolo ganha corpo em outras frentes da imprensa sul-matogrossense. Em um blog chamado Página do Enock, ele assina um artigo intitulado “A viagem dos meus sonhos”, no qual imagina um passeio pela rodovia “Senador Vicente Vuolo”. “A minha viagem dos sonhos está no Brasil. Ela está ainda na imaginação. Ela atravessa cidades, lagos, pantanais, montanhas e florestas para unir as duas pontas do maior país do continente. (…) O tamanho do meu sonho tem cerca de 1.500 quilômetros pelos trilhos da ferrovia São Paulo-Cuiabá”, registra o servidor, que tem publicado artigos em veículos como Diário de Cuiabá.
Leia aqui o artigo de Vicente Vuolo Filho
Trem da alegria
“Assistente técnico parlamentar” (como consta no Boletim Administrativo de Pessoal) efetivado no Senado em 27 de janeiro de 1983, Vuolo foi beneficiado no chamado “trem da alegria” do Congresso, que incluiu entre os servidores do quadro permanente das duas Casas (Câmara e Senado) funcionários sem aprovação em concurso público.
Antes de trabalhar com Fátima Cleide, o servidor passou pelo gabinete de Serys Slhessarenko (PT-MT), que pretende disputar a reeleição para o Senado. Mas a senadora petista terá de vencer a ala majoritária do PT no Mato Grosso, que idealiza o lançamento do deputado federal Carlos Abicalil (MT) na chapa para as próximas eleições. Uma prévia decidirá a questão no próximo dia 18.
Em suas andanças por Mato Grosso, Vuolo Filho tem dito ser da mesma frente de Abicalil, segundo a assessoria do deputado. Procurado ontem (terça, 30) pela reportagem, Abicalil integrou em boa parte do dia a mesa da Conferência Nacional da Educação, realizada em Brasília. Sua assessoria nega que ele tenha participação na transferência de Vuolo para o gabinete da petista Fátima Cleide. “Esta será a mesma resposta que o deputado vai dar.”
Panfleto de Vuolo ao lado do deputado Carlos Abicalil
“Lapso”
O episódio do “candidato fantasma” ocorre menos de dois meses depois da propalada eficiência do novo sistema de ponto eletrônico, anunciado por Heráclito Fortes em 1º de fevereiro. “É o fim do funcionalismo fantasma”, chegou a garantir o parlamentar piauiense, após reunião com uma equipe de técnicos e diretores. Heráclito disse ainda que o Prodasen (Secretaria Especial de Informática) está trabalhando para aperfeiçoar o instrumento de controle de horário e frequência, de maneira a evitar falhas ou fraudes.
A senadora Fátima Cleide admite a irregularidade ocorrida em seu gabinete. “O próprio servidor me ligou dizendo que aconteceu [violação ao ponto eletrônico]. Vamos resolver isso administrativamente, e determinar que ninguém pode fazer esse tipo de coisa”, disse a petista ao Congresso em Foco, garantindo que os dias irregularmente contabilizados “serão devolvidos” e sem adiantar que providências serão tomadas em relação a Vuolo.
“Foi um lapso de nossa administração de pessoal, que é responsabilidade do chefe de gabinete”, declarou Fátima, acrescentando ter ciência de que o servidor foi ao Mato Grosso tratar do “fruto do trabalho do pai dele”. “Esse caráter de campanha eu não tenho conhecimento.”
Antes de ouvir a senadora petista, a reportagem ouviu seu chefe de gabinete, Antônio Soares da Silva, a quem cabe o controle de frequência dos demais servidores. Técnico legislativo efetivo do Senado, Antônio a princípio disse que Vuolo Filho estava em Brasília e participava, na segunda-feira (29), da Conferência Nacional de Educação, que tem Fátima Cleide entre as coordenadoras. E disse desconhecer a burla ao sistema de ponto eletrônico.
“Estou sabendo que ele foi a Mato Grosso, mas quanto a essa questão de ponto eu não estou sabendo”, disse Antônio, acrescentando que, entre os dias 1º e 5 de cada mês, cabe aos chefes de gabinete operar “modificações na frequência dos servidores”, caso haja erro ou irregularidade.
Ele também garantiu que, caso haja “incompatibilidade”, providências serão tomadas pelo gabinete. “Ele está burlando o sistema de ponto eletrônico, e isso ninguém tem autorização para fazer”, assentiu depois Antônio. “Na hora
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