Patrocinada pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e elaborada em acordo com os principais líderes da Casa, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece um novo rito para as medidas provisórias pode gerar um novo clima de conflito entra deputados e senadores. Apesar do pedido de pressa na apreciação, a matéria está há mais de dois meses parada na Câmara.
O projeto, aprovado em 17 de agosto pelo plenário do Senado, prevê o prazo de 80 dias, a partir da edição da MP, para análise pela Câmara. Os senadores, então, terão 30 dias para examinar a proposta aprovada pelos deputados. Os dez dias restantes serão reservados à Câmara para apreciação de eventuais emendas aprovadas pelo Senado. Assim, acaba a situação atual, na qual os senadores, diante do fato de receberem a MP com prazo curtíssimo antes de expirarem, acabam forçados a aprová-las de qualquer jeito, diante da pressão do governo. A Câmara, porém, não parece muito interessada em resolver o problema dos senadores e deixa a PEC dormindo em suas gavetas.
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A demora no trâmite já irrita senadores da base e da oposição. O projeto tem sido tratado como uma questão de honra para os integrantes do Senado. Aliados do governo e oposicionistas viveram um raro momento de concordância quanto ao fato de que precisavam disciplinar o rito das MPs. Como toda medida provisória começa a tramitar pela Câmara, os deputados hoje consomem grande parte dos 120 dias do prazo máximo para análise da matéria. E sobra quase nada de tempo para os senadores. A irritação com a situação é tão grande que em uma dessas ocasiões, eles quase trocaram socos numa sessão. Em dois momentos, houve a recusa de analisar MPs, que acabaram expirando.
Reunião
A repetição dessa situação levou os senadores a combinarem um basta. E a determinação de criar um rito que desse ao Senado tempo para também analisar as MPs partiu do próprio presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele é o autor do projeto original. Na busca por um entendimento institucional, que fosse do Senado como um todo, entregou-se a relatoria do projeto a um senador da oposição, Aécio Neves (PSDB-MG).
O projeto disciplinando a tramitação das MPs, estabelecendo prazos para apreciação no Congresso, foi aprovado pelo Senado mas patina na Câmara. Primeiro, não é um problema para os deputados, mas apenas para os senadores. Além disso, desconfia-se que há uma orientação do governo, que, no formato atual, acaba com mais capacidade de impor o texto original das MPs, evitando modificações. No Senado, a maioria governista costuma ser mais tênue.
Publicidade“Não estou sentindo vontade da Câmara para aprovar a matéria”, avaliou o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF). No dia seguinte à aprovação da PEC no Senado, um grupo de senadores de diversos partidos se reuniu com o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Eles pediram pressa na votação da proposta. Já de início, parecia haver uma certa resistência de Marco Maia, segundo os senadores. Ele não garantiu celeridade na votação nem a manutenção do texto aprovado.
Na Câmara, a tramitação de uma PEC é mais demorada. Primeiro passa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para análise de constitucionalidade e juridicidade. Depois da CCJ, é criada uma comissão especial para o conteúdo da proposta ser debatido entre os deputados. Somente após a aprovação no colegiado, que tem prazo mínimo de dez sessões para funcionar, é que a matéria vai ao plenário. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-DF), defende-se da acusação dos senadores dizendo que é essa rotina da Câmara que torna o processo lento, não exatamente uma má vontade dos deputados. “A matéria está tramitando normalmente”, disse Marco Maia ao Congresso em Foco após ser questionado sobre a PEC na última quinta-feira (20).
Os senadores, no entanto, desconfiam. “Saí de lá desanimado”, confessou o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ao lembrar da reunião com Marco Maia em agosto. Para o tucano, os deputados não mostram vontade alguma de aprovar um novo rito para as medidas provisórias. “Acho um descaso, uma coisa lamentável essa demora”, comentou Ferreira.
O que o governo acha?
O senador paulista recordou uma pergunta feita pelo presidente da Câmara durante a reunião. “O que o governo acha dessa proposta?”, perguntou Marco Maia, segundo o tucano. O senador paulista relata o espanto ao ouvir o questionamento. Para ele, o fato de o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), ter entrado em acordo sobre a PEC já revela a opinião do Palácio do Planalto.
Depois, para o senador paulista, o assunto regulamenta o trâmite das medidas provisórias dentro do Congresso, sendo uma prerrogativa das duas Casas. “Tivemos um grande acordo no Senado, inclusive com a anuência do governo. Mas Maia disse que a posição do governo aqui não é necessariamente a mesma do que na Câmara”, lamenta o tucano.
Rebelião
Caso a votação continue demorando, os senadores alertam que isso pode provocar mesmo um clima de rebelião no Senado. “Isso em algum momento pode gerar um desconforto grande, com o Senado se recusando a analisar uma medida provisória”, resumiu Rollemberg. A opinião do socialista exprime o sentimento dos colegas de Senado, tanto da base quanto da oposição. Tanto em público quanto reservadamente, os senadores reclamam do pouco tempo para analisar as propostas enviadas pelo governo.
Em 6 de junho, quando as duas MPs foram arquivadas após a briga de governistas e oposicionistas, o motivo inicial foi uma matéria com 19 assuntos diferentes. Aprovada, propiciou o clima para uma revolta surgir e deu a munição para a oposição derrotar o governo.
Relator
Aprovada em 17 de agosto pelo Senado, a PEC que altera o rito das MPs passou a tramitar no dia seguinte na Câmara. Após duas semanas, chegou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Desde 1o de setembro, estava parada. Somente na última quarta-feira (19) é que o presidente da CCJ, João Paulo Cunha (PT-SP) designou um relator para a matéria. O nome escolhido foi de Ricardo Berzoini (PT-SP).
João Paulo tenta explicar por que demorou mais de um mês para escolher um relator. “A demora para indicar o relator ocorreu por conta da quantidade de trabalho na comissão”, disse ele ao Congresso em Foco.
João Paulo afinal escolheu o colega petista, mas até a quarta-feira (19) Berzoini ainda não tinha sido avisado da tarefa. E já dava sinais de que não há pressa na sua análise. “Ela [a PEC] vai ser analisada com a cautela que o tema exige”, afirmou.
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